Edição 273 | 15 Setembro 2008

Um jovem cada vez mais autônomo e menos independente

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Patricia Fachin

O jovem questionador desapareceu. Ele cedeu espaço a um novo modelo: “o jovem enquadrado”, considera Maria Isabel Mendes de Almeida

O jovem do século XXI está mais individualista, acomodado e suscetível a várias experimentações. Ele “se permite ensaiar, provar, ter várias experiências e não se precipita com o futuro”, afirma a socióloga Maria Isabel Mendes de Almeida, da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Ao analisar o perfil do jovem contemporâneo, em entrevista especial concedida por telefone à IHU On-Line, a pesquisadora explica alguns fatores que contribuíram para essa mudança de paradigma da juventude moderna. O jovem está mais individualista porque, segundo ela, “se tornou agente do seu próprio destino”. Nesse novo cenário, a juventude parece ter deixado de lado as reivindicações sociais herdadas pelos veteranos da década de 1960. “O jovem tem participado de movimentos mais pontuais. Uma das campanhas que têm sensibilizado a juventude é a da questão ambiental”, aponta a pesquisadora, que em seguida dispara: “A preocupação norteadora não é mais social e transformadora. Não há uma aposta que privilegie, sobretudo, esse jovem preocupado com a transformação social.”

Maria Isabel Mendes de Almeida possui mestrado e doutorado em Sociologia, pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Atualmente, é pró-reitora de pós-graduação e pesquisa na Universidade Candido Mendes (UCAM), e coordenadora do Centro de Estudos Sociais Aplicados (CESAP), onde funciona o Núcleo de Estudos em Subjetividade (NES), dedicado à pesquisa das culturas jovens urbanas. Docente do curso de mestrado em Sociologia e Política na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Maria Isabel organizou, entre outros, os livros Culturas jovens. Novos mapas do afeto (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006) e Por que não? Rupturas e continuidades da contracultura (Rio de Janeiro, 7Letras, 2007).

IHU On-Line – Segundo dados do Datafolha, o jovem apresenta uma postura mais conservadora em relação ao aborto, mas é totalmente liberal quando o assunto é sexualidade. Como compreender posições tão diferentes? 

Maria Isabel Mendes de Almeida – Esse conservadorismo diz respeito à postura da juventude, atualmente. Hoje, o jovem é muito mais atento a enquadrar-se numa situação do que efetivamente questionar-se. Ele está balizado pela idéia de competência, de sucesso no mercado de trabalho. Esse conservadorismo, por sua vez, diz respeito à dissociação que existe hoje entre independência e autonomia, ou seja, o jovem é autônomo, mas não independente, como era o da década de 1960, que saía de casa, tinha confronto com os pais, e que só se considerava autônomo se fosse independente.

Hoje, o jovem é autônomo, criativo, mas totalmente dependente dos pais. Ou seja, ele não está mais preocupado em sair de casa e se tornar independente. Essa nova realidade vai gerando acordos dentro da família e assuntos como sexo se tornam mais freqüentes. Nesse contexto, a sexualidade não é mais um parâmetro gerido pelos pais, e sim pelos jovens, com o aval da família.

Desse modo, ele não se preocupa tanto com o aborto, uma vez que este não é mais um recurso necessário como um antagonismo aos pais. O nascimento de uma criança, atualmente, nos setores de classe média, conta com amplo apoio da família. Isso revela que esse jovem também está apostando e investindo na estrutura familiar, uma vez que não questiona os valores familiares.

IHU On-Line - Pesquisas demonstram que o jovem inicia a vida sexual antes dos 15 anos, e que deseja ter vários parceiros. Que valores compõem a vida dos jovens da era do “ficar”?

Maria Isabel Mendes de Almeida – O valor de laboratório. O jovem de hoje se permite ensaiar, provar, ter várias experiências e não se precipita com o futuro. A questão do “ficar” é uma espécie de símbolo dessa idéia de ensaísmo, na qual o jovem não tem mais a pressão absoluta do compromisso. Hoje, o “ficar” é muito diferente da geração dos anos 1960 e 70. Essa relação traz em si a idéia da experimentação, em que a escolha do par se dá após muitas etapas de experimentação. Entretanto, “ficar” não significa ter relações sexuais. Nos setores de classe média, por exemplo, os jovens estão perdendo a virgindade com uma idade mais avançada, já que o cenário do “ficar” compõe-se de experiências erotizadas no sentido lúdico.

Percebo que não há ausência de valores nos relacionamentos da juventude, mas uma pragmatização da visão de mundo. O conceito do pragmatismo está muito mais evidente no sentido de não se dar a chance de errar rápido, mas sim ter uma escala de experimentação antes de estabelecer um compromisso efetivo.

IHU On-Line – Segundo dados do Datafolha, entre os sonhos dos jovens brasileiros, as preocupações profissionais e pessoais estão em primeiro plano. O que isso significa? O jovem está mais individualista? As lutas sociais cederam espaço à realização pessoal?

Maria Isabel Mendes de Almeida – Sim! Ele está mais individualista, porque se tornou agente do seu próprio destino. A decisão não é tomada mais pela família, pela escola, pelo partido político, e sim por ele mesmo. Por isso, o jovem de hoje encontra dificuldade em fazer algumas escolhas. Portanto, isso diz respeito a um individualismo cada vez mais radical, sim! Essa mudança também afetou as relações pessoais, na qual o ideal romântico do casamento deixou de ser o princípio norteador, sobretudo na vida da mulher. Percebo nas pesquisas que os projetos de vida a dois estão vindo a reboque da questão profissional, ou seja, essa vem sendo norteadora na vida da juventude. Para vários jovens, por exemplo, uma bolsa de estudos ou um aceno de emprego muito atraente é mais importante do que os laços afetivos. Assim, a criatividade e a profissão são aspectos que se contaminam mutuamente, ou seja, eles querem, no trabalho, serem criativos; e, na criação, serem profissionais.

IHU On-Line – Mas nem por isso os jovens abandonaram as causas sociais...

Maria Isabel Mendes de Almeida – Não. As duas coisas podem caminhar juntas, embora estejam despidas do aspecto ideológico central. A preocupação norteadora não é mais social e transformadora. Não há uma aposta que privilegie, sobretudo, esse jovem preocupado com a transformação social.

IHU On-Line – Então, de que maneira o jovem tem expressado sua vontade de mudança?

Maria Isabel Mendes de Almeida – O jovem tem participado de movimentos mais pontuais. Uma das campanhas que têm sensibilizado a juventude é a da questão ambiental, a qual está atrelada a uma preocupação mais ampla, com o todo, mas, sobretudo, com ele mesmo e com o mundo em que ele viverá.

Aquilo que justificava, para a minha juventude, a luta armada, a política estudantil, e tudo que implicava de uma maneira mais contundente numa bandeira transformadora hoje não se dá da mesma forma.

IHU On-Line – Como as novas tecnologias e a internet têm influenciado a construção da identidade juvenil?

Maria Isabel Mendes de Almeida – Certamente de uma forma muito intensa. A interação do jovem com a internet vem sendo muito criadora, possibilitando que ele expresse seu pensamento e visão de mundo para toda a sociedade. No caso dos blogs de literatura, por exemplo, estamos descobrindo muitos talentos que sem a rede não teriam como se manifestar.

IHU On-Line – Antigamente, os jovens saíam de casa por volta dos 20 anos de idade. Hoje, muitos moram com a família até o fim da juventude. O que essa permanência na casa dos pais representa? O jovem do século XXI está com medo de enfrentar a vida adulta?

Maria Isabel Mendes de Almeida – Esse cenário é mais significativo entre os jovens de classe média, os quais estudo. A violência é um fator considerável quando analisamos esse novo contexto, pois ela tem interferido muito na reorganização das relações pessoais. Os jovens têm receio e menos capacidade de apostar no que diz respeito à sua relação com o espaço físico, já que a vida se tornou assustadora.

Entretanto, outro aspecto justifica essa permanência em casa: o jovem está acomodado! Por mais que ele seja criativo e competente, prefere poupar dinheiro, esquivando-se de pagar todas as despesas que implicam ter um apartamento, ficando na casa dos pais para depois ingressar na vida de uma forma mais protegida, com um capital acumulado. Essa permanência tem a ver com o fato de que o jovem se torna autônomo, e não independente. Para os pais, o sucesso profissional dos filhos é muito mais importante do que a independência. Existe nisso uma espécie de pacto curioso, uma cumplicidade na relação pais e filhos que deve ser estudada com mais cautela para que se compreenda de forma mais aprofundada esse fenômeno. Percebemos o fenômeno, mas não podemos exaurir todas as respostas a esse respeito.

IHU On-Line – A pesquisa do Datafolha afirma que os jovens se preocupam muito com a aparência. Em contrapartida, os dados revelam que o índice de insatisfação com o corpo tem aumentado entre meninos e meninas. O que explica tamanha insatisfação entre jovens “criativos e autônomos”?

Maria Isabel Mendes de Almeida – A aparência e o aumento dessa preocupação revelam a medida inversa, ou seja, cada vez mais a idéia de competência integra a capacidade de cuidar de si. Um jovem obeso, descuidado ou com má aparência é visto como incompetente. Ou seja, ele não está conseguindo cuidar inteiramente de todas as esferas de sua vida. A sociedade na qual ele está inserido é cada vez mais implacável com essa idéia de criar um cartão de visita de si. Se formos comparar a juventude atual com a da contracultura, percebemos que a inteligência, antes, era um elemento que definia mais o jovem do que o fato de ele ser gordo. Hoje, o nerd, por exemplo, também faz parte de uma categoria de implacabilidade. Ele é genial, conhece tudo sobre um determinado assunto, mas, no intervalo da escola, fica na sala porque é gordo ou tem espinhas.

Quer dizer, ele fica à mercê do olhar do outro jovem. Nesse sentido, a percepção do colega é mais implacável e definitiva na sociedade contemporânea.

IHU On-Line – Por outro lado, o jovem brasileiro é apontado como um dos mais felizes e esperançosos do mundo. Como a senhora avalia esse fenômeno? O jovem moderno é criativo, autônomo, dependente, insatisfeito com seu corpo, mas feliz e esperançoso?

Maria Isabel Mendes de Almeida – Não existe uma relação de contradição entre esses termos. A felicidade, o otimismo, a esperança e a preocupação com o bem-estar - como ingredientes centrais na economia interna deste jovem - não o livram do peso de que ele tem de “dar certo”. Ou seja, de que ele precisa estar permanentemente atento a um interminável processo de formação e aperfeiçoamento de si. Tal estado de coisas não descarta um duplo sentimento de busca imperativa da felicidade e de uma contínua espiral de insatisfações e frustrações.

Leia Mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Maria Isabel Mendes de Almeida. Acesse nossa página eletrônica www.unisinos.br/ihu.

Entrevistas:

• Guerreiros da night. IHU On-Line número 71, de 18-08-2003, no tema de capa intitulado Culturas Jovens: Nômades em um mundo em fluxo;

• As novas formas de sociabilidade e afetividade nos jovens. IHU On-Line número 208, de 11-12-2006, no tema de capa intitulado Culturas jovens.

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