Edição 270 | 25 Agosto 2008

Conceito de uma nova estrutura social não convence

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Graziela Wolfart

Para o cientista político Cesar Benjamin, ainda é cedo para falar em classe média no Brasil

Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o jornalista e cientista político Cesar Benjamin analisa os recentes resultados sobre o aumento da renda dos brasileiros. Mas, sobre o clima de euforia que se apresenta, ele alerta: “Se há uma alteração pequena no nível de renda dessas famílias, isso não quer dizer que o conjunto de suas condições de vida mudou”. Para ele, “é muito impreciso falar no surgimento da nova classe média num país cuja taxa de crescimento é muito baixa, há muitos anos, e cujo sistema de impostos é regressivo. Eu não afirmaria que está havendo um processo de ascensão social na média da população brasileira”.

O jornalista Cesar Benjamin é editor e fundador da Editora Contraponto, do Rio de Janeiro. Cientista político por formação, também é acadêmico e pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com trabalhos nas áreas de política ambiental e economia. Em 1989, coordenou a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência, quando o petista foi derrotado por Fernando Collor. Em 2004, se filiou ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e, em 2006, concorreu ao cargo de vice-presidente da República no Brasil, na chapa da senadora Heloisa Helena, do PSOL. No mesmo ano, se desfiliou da legenda. É autor de, entre outros, Diálogo sobre Ecologia, Ciência e Política (Rio de Janeiro: Contraponto, 1992) A opção brasileira (Rio de Janeiro: Contraponto, 1998) e Bom combate (Rio de Janeiro: Contraponto, 2004).

IHU On-Line - Podemos identificar realmente uma nova classe média? O que poderia ser caracterizado como essa nova classe social? Quem é a “nova classe média brasileira”, que aparece nas recentes pesquisas da FGV e do Ipea?

Cesar Benjamin – É prematuro falar no surgimento de uma nova classe média no Brasil. É preciso compreender quais foram os critérios utilizados para definir esse conceito. Até onde eu acompanhei, são critérios de mensuração de renda, e essa mensuração é bastante problemática, pois contém diversos vieses que precisam ser explicitados. Primeiro, é preciso saber o que se considera classe média. O que tem acontecido em geral, a partir dos dados do Banco Mundial, é que se estabelece um patamar de renda muito baixo para o nível de pobreza. Então, qualquer pequena variação de renda faz com que as pessoas ultrapassem esse chamado nível de pobreza.    

IHU On-Line – Mas isso não significa que já vão entrar na classe média, não é?

Cesar Benjamin – Não. E também não significa que essa variação estabeleça um padrão definitivo, porque, nesse nível, as variações são comuns (para cima e para baixo). Se a família passou de nível não significa que vai permanecer nele. E uma variação da renda monetária também não significa que a qualidade de vida dessa família se alterou substantivamente. Por exemplo, uma família que tem uma renda monetária muito baixa naturalmente associa essa condição a uma série de outras condições de vida. Provavelmente, sua habitação é precária e o acesso à educação dos seus filhos não é de boa qualidade, bem como o acesso à saúde. Ora, se há uma alteração pequena no nível de renda dessa família, isso não quer dizer que o conjunto de suas condições de vida mudou. Ela pode ter tido um aumento circunstancial de renda através de um programa de distribuição, como o Bolsa Família, mas, provavelmente, estará morando na mesma casa, com os filhos na mesma escola (se estiverem na escola), e com o mesmo acesso à área de saúde, e assim sucessivamente. A estatística diz uma coisa que não corresponde à vida. Se antes uma família tinha uma renda per capita de R$ 100,00 mensais, agora passou para R$ 120,00. Isso não representa uma alteração de qualidade nos setores populacionais brasileiros.    

IHU On-Line – Além dos números do aumento da renda que as estatísticas mostram, que outros fatores sociais e políticos podemos citar para tentar definir o que seria classe média?

Cesar Benjamin – Essa é uma definição que contém uma carga de subjetividade muito grande. No caso brasileiro, o que o Ipea usa é apenas a variável renda. E o que eu digo é que esta variável é insuficiente. Por dois motivos: porque esse aumento de renda é, muitas vezes, eventual. A família sobe durante um período e depois cai de novo. Em segundo lugar, o aumento da renda não expressa uma alteração estrutural das condições de vida. É muito impreciso falar no surgimento da nova classe média num país cuja taxa de crescimento é muito baixa, há muitos anos, e cujo sistema de impostos é regressivo. Eu não afirmaria que está havendo um processo de ascensão social na média da população brasileira. 

IHU On-Line – Mesmo que pequeno, tivemos um crescimento econômico no Brasil recentemente. Qual a interferência desse fator para o aumento da renda das pessoas?

Cesar Benjamin – É claro que é melhor crescer 5% do que crescer 3%, que é a média brasileira nos últimos anos. No ano passado, foi 5% e claro que isso é positivo. Mas é preciso levar em conta algumas coisas. Primeiro, o mundo está vivendo um ciclo econômico excepcionalmente bom (que parece estar chegando ao fim, inclusive). Mas o fato é que, a partir de 2002, a taxa média de crescimento mundial subiu muito. Então, apesar do crescimento brasileiro ter aumentado, o que é bom, ele permaneceu abaixo da média, o que é ruim. Ou seja, o Brasil melhorou o seu crescimento comparando consigo mesmo, em relação aos anos anteriores, mas piorou o seu crescimento comparando com a média mundial. O fato que não devemos nunca perder de vista é o de que nos últimos 15 ou 16 anos o Brasil está perdendo posição no contexto internacional. Nossa economia é muito sensível aos choques externos. O que houve, nos últimos anos, foi um choque externo positivo, então, isso se traduz em melhoras para nós. Como esse ciclo positivo do mundo parece estar chegando ao fim, é preciso ainda verificar como será nossa posição nos próximos anos.   

IHU On-Line - O crescimento estatístico da chamada classe média pode apontar um novo conformismo social e político? Chegamos ao fim da era das demandas radicais e socialmente transformadoras?

Cesar Benjamin – Não faria uma afirmação tão forte quanto essa. Nos últimos anos, houve três elementos positivos para o crescimento do consumo nessa base da população. Um deles foi a expansão de políticas sociais, o outro foi o crescimento real do valor do salário mínimo, que, aliás, já vem de muitos anos. O salário mínimo no Brasil tem crescimento real desde 1992. E um terceiro elemento positivo foi a retomada do crédito, principalmente a partir do crédito consignado. Isso realmente levou a uma expansão do consumo nesses setores de renda baixa. Mas eu não relacionaria isso a um conformismo. Eu diria que os estratos mais pobres da população são muito sensíveis a variações pequenas. Por isso, esse estrato de baixa renda tende a ser conservador. Ele apoiou o Sarney,  durante o Plano Cruzado,  apoiou o Fernando Henrique, na estabilização da inflação, e apóia o Lula hoje em função desses elementos a que já me referi. Porque essas políticas se traduzem em ganhos que, embora pequenos, são significativos. A história tem mostrado que esse conservadorismo dos estratos mais pobres também é volátil. Por isso, eu não faria uma projeção de médio e longo prazo.   

IHU On-Line - Como entender tamanha euforia com o aumento do número de beneficiários da classe média em uma sociedade que sempre condenou o neoliberalismo econômico?

Cesar Benjamin – Desses três elementos a que me referi, que têm sido favoráveis à expansão do consumo na população de baixa renda, o mais consistente e importante, a meu ver, é a elevação do poder real do salário mínimo. Isso tem um impacto grande sobre o sistema de previdência. Para termos uma idéia, a seguridade social transfere, no Brasil, uma renda equivalente a 8,3% do PIB. E o Bolsa Família transfere o equivalente a 0,3% do PIB. O ganho real é o do salário mínimo; o do Bolsa Família é residual. E o ganho do crédito é temporário, porque as pessoas não podem se endividar indefinidamente. Todo mundo tem uma capacidade limitada de endividamento. Nos oito anos do governo Fernando Henrique, o salário mínimo cresceu em termos reais 4,1% ao ano e nos anos Lula cresceu 6,2% ao ano. Se considerarmos essa projeção de oito anos de FHC, mais os cinco ou seis de Lula, veremos que o ganho do salário mínimo foi muito significativo nesse período. Os neoliberais reagem a isso da seguinte forma: eles querem conter os gastos do salário mínimo e querem expandir os gastos do Bolsa Família, porque o salário mínimo é um direito e o Bolsa Família não. Os neoliberais são favoráveis a políticas que não significam incorporação como direitos, que sejam políticas flexíveis, e adaptáveis às realidades orçamentárias.     

IHU On-Line - Podemos falar de “classe média” ao nos referirmos a uma categoria social que depende da exploração das novas gerações e dos imaturos, comprometendo a possibilidade de ascensão destes (o que seria marca desta dita classe média)?

Cesar Benjamin – Esse é mais um dos motivos pelos quais eu não faria a afirmação de que está surgindo ou de que surgiu uma nova classe média no Brasil. É preciso esperar mais, verificar a mudança do ciclo internacional, qual será o impacto sobre o Brasil. Realmente é muito apressada essa afirmativa de que a estrutura de classes no Brasil tenha sofrido alguma alteração significativa no sentido de ascensão social nesses anos. Quanto à sua pergunta, temos um problema grave, chamado juventude. A taxa de desemprego na juventude brasileira é, na média, quatro vezes superior à taxa de desemprego média no Brasil. Há uma proporção muito alta, segundo o IBGE, de jovens de 16 a 24 anos que não estudam nem trabalham. É óbvio que a questão da infância e da juventude não está equacionada. O sistema educacional público no Brasil não dá conta disso e o mercado de trabalho não absorve essas pessoas.

IHU On-Line - Podemos estabelecer relações entre essa euforia diante do aumento da dita classe média e uma possível mudança ideológica do PT? 

Cesar Benjamin – O Partido dos Trabalhadores sofreu uma flexão muito rápida, que antecedeu a sua chegada ao poder federal e que não veio associada a ganhos consistentes para a sua base social. O PT se deixou capturar por uma lógica de uma burocracia petista, sindical, cutista, ou de fundos de pensão, que aumentou rapidamente seu padrão de vida. Isso constituiu no Partido uma elite partidária, sindical, burocrática, que hoje determina os rumos do PT. Não vejo como esse processo possa ter volta.

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