Edição 268 | 11 Agosto 2008

Jogos digitais: aliados no processo de ensino-aprendizagem

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Bruna Quadros

Vanessa Doumid Damasceno pensa o jogo como uma concepção do desenvolvimento humano, do ponto de vista biológico e cultural, a ser assumida no âmbito do ensino-aprendizagem de línguas, em particular, no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa

Em plena era digital, os jogos virtuais não servem apenas para entreter, mas, também, para educar. A inserção desta metodologia nos processos de aprendizagem impulsiona o interesse e a motivação dos alunos pelo conteúdo das aulas, evitando, assim, a evasão escolar. Segundo a Profa. MS Vanessa Doumid Damasceno, em entrevista concedida por e-mail à revista IHU On-Line, qualquer jogo que tenha como enfoque a cooperação pode ser adotado como metodologia de ensino. No entanto, é o Role Playing Game, o RPG, que surge como uma das ferramentas virtuais mais utilizadas no processo de ensino. Isso “porque o jogador, além de desempenhar bem seu papel na aventura, precisa ter muita responsabilidade, cumprir regras, cooperar com o grupo e ainda manter a seriedade no jogo”. Para Vanessa, que estará no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, no dia 18 de agosto, para discutir o tema O jogo digital nos processos de ensino aprendizagem de língua portuguesa: um estudo através das seqüências narrativas, no evento Encontros de Ética, esses quesitos todos são importantes na formação do caráter do indivíduo.

Vanessa Doumid Damasceno possui graduação em Letras, pela Universidade Católica de Pelotas (Ucepel), e mestrado em Lingüística Aplicada, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Atualmente, integra o corpo docente da Escola de Ensino Fundamental Mario Quintana, em Pelotas, onde também é professora de cursos preparatórios para concursos, revisora no Profícere e palestrante na Microlins.

IHU On-Line - Seus estudos têm como objetivo apresentar o jogo num ambiente digital, possibilitando o ensino-aprendizagem de língua portuguesa através da narrativa. Qual a eficácia desta proposta, em comparação a um processo tradicional de ensino, que não utiliza jogos virtuais?

Vanessa Doumid Damasceno - Um dos assuntos mais discutidos em educação, atualmente, é como aumentar o interesse dos alunos e evitar a evasão escolar. O uso de jogos virtuais, como estratégia de ensino, é extremamente eficaz para o aumento da motivação dos alunos e uma poderosa ferramenta do professor para o processo ensino-aprendizagem. Além disso, os jogos de RPG são essencialmente cooperativos.

IHU On-Line - Além do RPG, que outros jogos virtuais podem ser adotados como metodologias de ensino? De que forma estes ambientes refletem no desenvolvimento humano, do ponto de vista biológico e cultural?

Vanessa Doumid Damasceno - Qualquer jogo que tenha como enfoque a cooperação pode ser adotado como metodologia de ensino. Pois o “jogo pelo jogo” não traz resultados positivos para a educação. Determinados jogos podem promover, junto com a motivação e a aquisição de conteúdo, algumas atitudes não desejadas pelos professores, como a competitividade excessiva. Fábio Brotto, em seu livro Jogos cooperativos , preconiza que, “se o importante é competir, o fundamental é cooperar” e, com isso, propõe um novo paradigma para os jogos. Nesse novo enfoque, a vitória pode (e deve) ser alcançada quando um jogador ajuda o outro a vencer, para que ambos possam vencer juntos. Nos jogos tradicionais, derivados dos esportes, o enfoque é competitivo, ou seja, para haver vitorioso, tem de haver um derrotado. Se admitirmos que situações vividas por um indivíduo em um jogo refletem o comportamento dele na vida ou vice-versa, esse comportamento “competitivo” durante o jogo não pode ser considerado educativo. Os professores necessitam, cada vez mais, de estratégias motivadoras, e que agreguem aprendizagem de conteúdo com desenvolvimento de aspectos comportamentais positivos, de acordo com o planejamento escolar. Sendo assim, os jogos atingem a primeira parte da assertiva, pois, inegavelmente, são atividades que geram motivação intrínseca. Jogos comuns que desenvolvam o conteúdo são encontrados facilmente em diversos livros, manuais e outras mídias, como CD-Roms, Livros-Jogo, Jogos em Rede. Porém, ainda falta a esses jogos alguns componentes comportamentais, como a socialização, a expressão e, principalmente, a cooperação. É preciso, portanto, que se tenha um jogo cooperativo e que possa proporcionar a construção do conhecimento que o professor pretende desenvolver.

IHU On-Line - Em que fase da vida (infância, adolescência...) o uso de jogos digitais no processo de ensino-aprendizagem apresenta resultados mais significativos?

Vanessa Doumid Damasceno - Os jogos eletrônicos denominados de Role Playing Game – RPG enfatizam narrativas de fantasia num contexto histórico. São exemplos de resolução de problemas projetados com uma abordagem lúdica. Os adolescentes repetem a experiência lúdica do faz-de-conta da infância na perspectiva desenvolvista e cultural, com a seriedade de regras escritas em ambientes virtuais que “ensinam” a criar um mundo fictício com regras próprias, por isso a escolha de trabalhar esses jogos na adolescência.

IHU On-Line - A metodologia de inserir tais jogos na proposta pedagógica de ensino não tende a levar os alunos a imergir em um mundo individualizado, tendo em vista que o contato pessoal com os demais colegas poderia estar prejudicado? Além desta possível individualização, que outros riscos estes jogos podem apresentar?

Vanessa Doumid Damasceno - Como o jogo se dá em grupo e sempre há uma tarefa a ser solucionada cooperativamente, o RPG está muito próximo das dinâmicas de treinamento empresarial usadas nos dias atuais, o que o torna importante na escola, pois os alunos são inseridos nos conceitos modernos de trabalho e relações pessoais, que valorizam muito a capacidade de trabalho em grupo. O jogo de RPG tem um destaque especial, porque o jogador, além de desempenhar bem seu papel na aventura, precisa ter muita responsabilidade, cumprir regras, cooperar com o grupo e ainda manter a seriedade no jogo. Esses quesitos todos são importantes na formação do caráter do indivíduo.

IHU On-Line - A senhora afirma que os jogos digitais não são modismos ou algo passageiro, mas, sim, algo que possa realmente contribuir com a formação humana. Por que esta forma de ensino consegue prender a atenção dos alunos, fato que, nos métodos convencionais, às vezes, não acontece? O que garante que os jogos não são apenas modismos?

Vanessa Doumid Damasceno - Penso o jogo como uma concepção do desenvolvimento humano, do ponto de vista biológico e cultural, a ser assumida no âmbito do ensino-aprendizagem de línguas, em particular, no ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Maturana  & Verden-Zoller (2004) , com a credibilidade científica que seus trabalhos possuem, propõem que o ato de jogar contribui tanto para o desenvolvimento biológico quanto cultural. Aponta-se, assim, a estreita implicação do jogo para o processo de ensino-aprendizagem. Os dados da pesquisa desses autores sobre o conhecimento do próprio corpo e do corpo do outro, em relação à consciência social das crianças, indicam uma capacidade operacional que elas adquirem normalmente, como resultado de seu viver num domínio de total aceitação mútua nas interações com suas mães. A partir daí, pode-se defender a idéia de que os jogos, no caso, desse estudo, os jogos digitais, não são modismos ou algo passageiro e sim algo que está relacionado ao desenvolvimento humano. Os autores, em suas conclusões, propõem que as consciências individual e social da criança surgem mediante suas interações corporais com as mães, numa dinâmica de total aceitação na intimidade do brincar. Ninguém pode agir ou comporta-se fora do domínio de possibilidades que sua corporeidade (é a maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo) implica. Uma criança necessariamente chegará a ser, em seu desenvolvimento, o ser humano que sua história de interações com sua mãe e os outros seres que a rodeiam permitir, dependendo de como sua corporeidade se transforme nessas interações.

IHU On-Line - Qual é o papel dos pais, diante deste novo modelo de ensino que está se instaurando na sociedade, partindo da premissa de que a criança tem fácil domínio sobre os jogos e, conseqüentemente, poderia dispensar o auxílio do pai e da mãe?

Vanessa Doumid Damasceno – Atualmente, as mães estão mais voltadas para o lado profissional, e as condições das sociedades modernas submetem à continua exigência de afastar a atenção de seus filhos, ocasionando nas crianças uma dificuldade para o desenvolvimento adequado de sua consciência individual e social. Nesse sentido, deve-se pensar criticamente a afirmativa de que brincar é coisa de criança. Com esse mundo dos jogos virtuais, videogames, surge o fascínio do brincar e a ressignificação do brinquedo tanto para crianças como para adultos.

IHU On-Line - Como a senhora define a crise da representação que os meios digitais permitem, conforme apontado nos seus estudos?

Vanessa Doumid Damasceno - O advento da tecnologia digital cria um corte epistemológico. É uma crise da representação que os meios digitais permitem. Isso se chama de corte epistemológico, autorizando a criação de seres absolutamente fantásticos, em que se rompe a relação de adequação com o mundo dito representacional, base para a existência de signos. Não se assume, na radicalidade, ainda, esse corte epistemológico. Talvez essa seja a razão pela qual jogar RPG é questionável pela cultura do adulto. Penso que, para haver a ruptura epistemológica que o mundo dos games exige, seja necessário trazer o elemento de uma estética que desconstrói o analógico – trata-se, possivelmente, da estética contemporânea. Nela, vê-se a possibilidade do imaginário que os games solicitam, em nosso entendimento.  A criança e o adulto que estão expostos a um cotidiano da estética contemporânea por certo terão uma atividade e julgamento favoráveis ao que os jogos eletrônicos lhes solicitam. É importante afirmar que a compreensão da cultura infantil dos games exige sua vinculação à estrutura familiar, à arte contemporânea e à tecnologia digital. Os games pressupõem, do ponto de vista do usuário, uma profunda transformação da estrutura familiar – do mundo adulto e infantil. No mundo do trabalho, criança e jovem vão para a rua. Ocupam os espaços urbanos. Trata-se de uma cultura de ocupação da cidade: vitrines, vendedores ambulantes e casas de jogos. O brincar surge indiferenciado entre o privado, a casa, e o público, a rua.

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