Edição 267 | 04 Agosto 2008

Invenção - Sebastião Edson Macedo

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

André Dick

Editoria de Poesia

Nascido em Floriano, no interior do Piauí, em 1974, o poeta Sebastião Edson Macedo é mestrando em Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cidade onde mora. Voltado sobretudo a imagens que remetem à infância, ele  recupera a idéia de que o poeta é uma espécie de filósofo que vê as palavras pela primeira vez. Desse modo, há algo, ao mesmo tempo, de ingênuo e sofisticado em seu trabalho. No plano das referências o trabalho se encadeia de modo até comum: há figuras que remetem ao cotidiano, à mulher amada, a conversas com familiares. No entanto, Sebastião subverte a sintaxe de modo que a sua poética se torna estranha e com um preciosismo de vocabulário inusitado.

Depois de fazer sua estréia com Puro cego sol (lançado na antologia 8 poetas, em 2004), mostrando poemas curtos, fragmentados, ele publicou o original Para apascentar o tamanho do mundo (Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2006). Munido de uma mistura entre sonoridades que, para alguns, podem soar neoparnasianas ou neobarrocas, Sebastião vai desenhando um espaço no qual a poesia se constrói por meio de analogias e ditos populares, convertidos em poesia com seu corte límpido e seu trabalho com as imagens como se fossem quadros dispostos numa exposição (ele cita num dos poemas a pintura de Tomie Ohtake), arquitetados e simétricos (num poema escreve: “não és simétrico a tua escrita / és simétrico a teu dia / / faz de tua escrita escrever / um eixo teu de simetria”). A figurada amada, em sua descrição minuciosa, é recuperada nos conjuntos de poemas “Carmina carne” e “Fracta musa”, em versos curtos, de impacto, como os de “Acústica” (“a concha silente tato / na boca espera / um bordão”), de “Lábio” (“abóboda tênder / lisa / a polpa que pende / reluzente botão / em rosa / da mucosa tez”) ou “Mão” (“contato límpida linha / de traço ônix / cru / repousa sobre a pele / minha / opalina paz o teu calor”). No entanto, o que Sebastião traz de realmente novo é um corte inesperado do verso longo. Ou seja, se inicialmente seus poemas parecem prosaicos, logo surge um salto imprevisto para uma lacuna. Isso mostra, sobretudo, como o poeta recupera certa tradição trazida pelos modernistas, pelos concretos e por João Cabral, mas sem cair na diluição e no epigonismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que mostra um discurso longo, de fôlego, ele não esquece os ensinamentos do verso curto, trazido pelos concretos.

A estranheza da infância

Veja-se um poema como “esta acácia dura”, em que o poeta mistura o que parece uma lembrança de infância com uma desautomatização poética: “esta acácia concebe / canta lava / faz a chuva mais renitente que almejas / a toalha o colar mais presente de família / / porque passam os carros sopram velas telegrafam / esta acácia hoje mais contigo / a semana que soletraste nas pétalas / este zelo confeitado de candura e véspera / porque declaram calores e frutas / sorriem provas de afeto / / esta acácia anuncia / estende tece / tem a saúde mais arrojada que imaginas / a sandália o portão mais perto da infância”. A estranheza da infância volta em outros momentos, como em “Surpresa” (“foi preciso correr com o telefone no pulmão / para deixar tudo na mais perfeita porta”). De modo geral, aliás, a infância percorre todos os poemas de Sebastião, como se ele estivesse aprendendo ainda a linguagem que utiliza, invertendo sentidos: “eu moro uma palavra em tua mão peregrina”; “os mínimos olhos tornados a pétala / o labor”; “chuva íntima / navegando meus olhos dentro”. As frutas, plantas, mudanças de tempo e flores acompanham essa visão, ligando-se tanto ao corpo humano quanto a sensações que remetem a um passado longínquo, de uma cidade no interior, por vezes irrecuperável: Junto a esse olhar singular sobre a relação entre o sujeito e a natureza, o sentimento é sempre reflexivo: “ainda tão verde talvez / branco o viço das mãos despertadas / para o banho / porque era num livro / / sempre diverso o meu apego / de tomar as coisas pelo peito / apóstrofo ao brinquedo de olhar / o que dura / no que se desmantela”. É exatamente no que se desmantela que Sebastião procura uma forma de duração mais profícua para seus textos, mostrando uma sensibilidade contemporânea e a abertura ao diálogo com outras obras. Nos poemas inéditos que enviou especialmente à IHU On-Line, há muitos aspectos que remetem à sua produção já publicada.

 

 

a cigarra

o claro do dia apraz à minha escuridão
mas a seiva da minha voz noturna
faz de mim um povoamento
                                                         uma luz


o sol

o sol é invariavelmente simples
ele nasce na nossa cabeça de manhã e põe a noite
em nossos olhos depois do entardecer ele sobe
as pedras negras e desce pelos ribeiros
das cantigas

quando está nublado dentro de casa o sol espera
a comida esquentar
 
dias há em que o sol nos lembra a limonada
o papagaio a china mas nunca estivemos na china
e o bico dourado do sol entre as mangueiras só
de longe um hino vai remedar

a revoada sim qualquer uma
ao sol advém em seus alvores esquecemos
um nome para dar às fadigas ao azo de tanto
tanto dia

porque de dia a gente toma o sol nas penugens do bebê

assíduo
                    distinto e simples de rosto
o sol é invariavelmente conosco nossa cabeça
sua cabeça seu ombro moço nosso puro
                                                                    tendão

 

 

uma abóbada importante

para quem tinha enormes montanhas postas em movimento
e zelava os contrafortes do amor
é estranho que abrevie na boca a imensidão do tempo
esse tempo roxo sem tamanho algum

porque já habitam árvores de páginas muito incertas
as difusas velocidades da dor
e é provável que vocês nunca mais façam os olhos
desses olhos queridos ao longo do céu

para quem tinha acabado de perceber o atrevimento da morte
hora de atrelar um carro ao boi

 

 

ninho

eu alimento o contorno da tua porta

são dois pombos adocicados de algodão
e o penteado da madeira moura
aberta
no sustenido do passo no pouso
da casa inteira em tua boca

é com ela que as crianças dormem
voam
para lá e para cá centenas de cantigas
que trazem o solo para a flor
e na flor as bochechas da tua mão

eu banho a alegria do teu trampolim

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição