Edição 264 | 30 Junho 2008

A amplitude da identidade gaúcha

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Graziela Wolfart

Márcia Lopes Duarte reconhece ainda hoje a manutenção de alguns costumes da cultura gaúcha, mas evidencia um alargamento de horizontes, principalmente no que se refere às questões culturais

Ao analisar o atual cenário cultural do Rio Grande do Sul a partir da literatura gaúcha, a professora Márcia Lopes Duarte, em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line, considera que o momento atual no estado “não comporta mais uma identidade tão fechada em si mesma, tão conservadora, visto que a perspectiva de identidade que temos, hoje, é mais ampla e abarca novas possibilidades de inserção, lidando de outro modo com o que é diferente”. No entanto, para ela, “o povo gaúcho continua sendo ‘aguerrido’, mesmo que seja obrigado, em alguns momentos, a aceitar situações vergonhosas, como as que estamos vivenciando agora”, declara, referindo-se à crise política no governo do estado.
Márcia Lopes Duarte é graduada, mestre e doutora em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente na Unisinos, é autora de vasta produção acadêmica, desde artigos especializados a capítulos de livros. Atualmente, é também coordenadora adjunta do curso de Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos.

IHU On-Line - Em que medida o gaúcho “inventado” por Simões Lopes Neto ainda aparece na identidade do gaúcho contemporâneo? Quais as principais diferenças e semelhanças?

Márcia Lopes Duarte - O gaúcho “inventado” por Simões Lopes Neto  nunca existiu, a não ser no imaginário da população sul-rio-grandense. Ele foi um símbolo, cujo principal intuito era unificar o estado em torno de uma identidade coesa e coerente. As principais diferenças dizem respeito ao fato de que o momento atual não comporta mais uma identidade tão fechada em si mesma, tão conservadora, visto que a perspectiva de identidade que temos, hoje, é mais ampla e abarca novas possibilidades de inserção, lidando de outro modo com o que é diferente, por exemplo. A semelhança está nas características intrínsecas, visto que o povo gaúcho continua sendo “aguerrido”, mesmo que seja obrigado, em alguns momentos, a aceitar situações vergonhosas, como as que estamos vivenciando agora.
 
IHU On-Line - Como o gaúcho de Simões Lopes Neto veria o Rio Grande do Sul hoje, com a crise política que acompanhamos, com a destruição do pampa e outras alterações de ordem social e cultural que acompanhamos?

Márcia Lopes Duarte - O velho Blau Nunes  certamente não ficaria orgulhoso com a situação que estamos vivenciando em algumas de nossas instituições públicas, visto que uma das principais bandeiras do gaúcho ficcional era a honra, acima de tudo, inclusive dos bens materiais, como está muito bem demonstrado no conto “Trezentas onças”.

IHU On-Line - Quais são os elementos que compõem a identidade do povo gaúcho contemporâneo? A figura do gaúcho como “entidade mítica” desapareceu? Quem é o gaúcho do século XXI?

Márcia Lopes Duarte - A identidade do povo gaúcho, hoje, é bem mais ampla do que seu substrato mítico parecia indicar. Há, ainda, a manutenção de alguns costumes, mas estes estão ficando cada vez mais circunscritos a determinados grupos. Evidencia-se, na sociedade em geral, um alargamento de horizontes, principalmente no que se refere às questões culturais. No que se refere aos valores, honra, coragem, amizade, estes seguem tendo papel fundamental na identidade dos gaúchos.
 
IHU On-Line - Qual é o papel da literatura na manutenção (ou não) dos valores que marcam a cultura da população do Rio Grande do Sul?

Márcia Lopes Duarte - A literatura tem um papel fundamental, não no sentido da preservação de uma identidade conservadora, mas no de ampliação das possibilidades de significação dessa identidade, como é o caso das narrativas escritas no final do século XX e início do século XXI, que permitem rever aspectos da história e da cultura do Rio Grande do Sul, sob os mais diversos pontos de vista.
 
IHU On-Line - Pensando na importância da ética e da honra para o comportamento do gaúcho, como entender o que estamos acompanhando na política do Rio Grande do Sul?

Márcia Lopes Duarte - O que está acontecendo na política do Rio Grande do Sul neste momento não tem nenhuma relação com a identidade do gaúcho, visto que o principal quesito desta identidade é a manutenção da honra. Outro ponto a ser ressaltado é a questão da cobiça por valores materiais, fato que entra em confronto com as necessidades singelas do verdadeiro gaúcho. O que se percebe, entretanto, é que, com a ampliação da identidade do povo sul-rio-grandense, alguns destes valores foram sendo suprimidos e substituídos por outros.

IHU On-Line - Considerando a característica das lutas (peleias) na tradição e na identidade remota dos gaúchos, qual sua avaliação sobre a maneira como o povo do Rio Grande do Sul vem se posicionando em relação ao que vem acontecendo no estado?

Márcia Lopes Duarte - O povo está estupefato, porém não consegue reagir, visto que há uma incapacidade de atuação. Este já é um fenômeno bastante comum no Brasil como um todo: a incapacidade de indignação. É como se todos estivessem anestesiados, depois de tantos escândalos políticos. Parece que o caso do Rio Grande do Sul é apenas mais um que vai acabar em pizza, que, como se sabe, não é o prato mais apreciado pelo povo gaúcho.

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