Edição 261 | 09 Junho 2008

Economia Solidária: uma nova alternativa para geração de trabalho e renda

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Bruna Quadros

Para Jacira Dias, a Economia Solidária é um contraponto aos princípios da sociedade capitalista, que prima pela concorrência, pela competição e pelo lucro, acima de tudo

“A Economia Solidária exerce um papel de apontar para outras formas de organização social, econômica e política possíveis e eficazes, onde haja, sobretudo, o respeito e a promoção da vida digna, em todos os sentidos.” A afirmação é da assistente social Jacira Dias, em entrevista concedida por e-mail à revista IHU On-Line sobre os princípios da Economia Solidária e realidade no Vale do Sinos. Segundo ela, a Economia Solidária, como todo o grupo social, não é algo acabado, perfeito, no qual se vive 100% a utopia perseguida. “É uma proposta em construção e, dependendo de cada contexto, vai se configurando, a partir da interação dos sujeitos envolvidos”, avalia. Sobre os grupos de Economia Solidária no Vale do Rio dos Sinos, Jacira destaca que é o engajamento que garante bons resultados. Um exemplo é a empresa Gerdau, que compra materiais sucateados de algumas associações.

Jacira Dias possui graduação em Serviço Social, pela Unisinos, e é educadora popular, com atuação em pastorais sociais e em ONGs de assessoria às organizações sociais populares. Acompanha a organização da Economia Popular Solidária no Rio Grande do Sul, há oito anos. Atualmente, trabalha no Setor dos Movimentos Sociais Populares do COL (Círculo Operário Leopoldense).

IHU On-Line - Qual é o papel da Economia Solidária  em meio a uma sociedade sustentada por princípios capitalistas? Ela tem lugar e pode ser aplicada com sucesso e em quais contextos?
Jacira Dias
– A Economia Solidária é um contraponto aos princípios da sociedade capitalista que prima pela concorrência, pela competição e pelo lucro, acima de tudo. Quando o discurso capitalista quer legitimar-se, prega que todos podem concorrer com igualdade, mas isso está mais que comprovado que nunca foi verdadeiro em nenhum período do desenvolvimento do sistema capitalista. A concorrência neste sistema econômico é desigual. Os frutos deste modo de produção têm sido o empobrecimento, o desemprego estrutural, a exclusão social, a degradação do meio ambiente, entre outros. Neste sentido, a Economia Solidária, ao propor viver os princípios contrários aos anti-valores capitalistas, pauta “uma outra economia”, outro modo de produzir, de relacionar-se e de estar no mundo, vendo o meio ambiente como moradia de todos e para todos. A Economia Solidária exerce um papel de apontar para outras formas de organização social, econômica e política possíveis e eficazes, nas quais haja, sobretudo, o respeito e a promoção da vida digna, em todos os sentidos.
 
IHU On-Line - Qual é a realidade da prática da Economia Solidária no Vale do Sinos? Como você avalia a inserção e os avanços desta economia na comunidade local?
Jacira Dias
- Um dos aspectos que gostaria de salientar como experiência de Economia Solidária do Vale do Sinos é a organização dos recicladores dos municípios de Canoas, São Leopoldo, Dois Irmãos, Sapiranga, Nova Hartz, Campo Bom e Bom Princípio. Uma conquista recente que esta articulação conseguiu foi a negociação coletiva com os compradores de seus materiais, para a qual eles levaram uma pauta de propostas e condições junto à Gerdau, que compra a sucata dessas associações. Infelizmente, os recicladores de São Leopoldo iniciaram a discussão deste projeto e depois não continuaram e não foram contemplados, mas a perspectiva é continuar articulado ao grande grupo para somar forças. O Fórum de Economia Solidária de São Leopoldo (FEPS/SL) tem uma caminhada relativamente recente, de três anos. Considero que a caminhada feita até aqui já é muito rica, acumula alguns resultados e conquistas como a participação na São Leopoldo Fest. Mas a avaliação que se faz é de que a EPS local precisa de maior visibilidade, de espaços permanentes para exposição e comercialização dos seus produtos. Desde o mês de maio, alguns grupos de alimentação e artesanato estão oferecendo seus produtos na entrada da cidade, na Casa do Marco Zero.

IHU On-Line - Em que medida esta alternativa de renda contribui para a construção de uma nova realidade social? Quais são as mudanças mais visíveis na sociedade, a partir do trabalho desenvolvido através da Economia Solidária?
Jacira Dias
- A Economia Solidária, como todo o grupo social, não é algo acabado, perfeito, onde se vive 100% a utopia perseguida. É uma proposta em construção e, dependendo de cada contexto, vai se configurando, a partir da interação dos sujeitos envolvidos. A construção de uma nova realidade social se viabiliza com mais rapidez onde há uma administração local que tem políticas e programas efetivos de incentivo e fortalecimento das iniciativas de geração de trabalho e renda. A Economia Solidária se propõe oferecer produtos saudáveis, produzidos artesanalmente, sem o uso de conservantes e de agrotóxicos, no caso da alimentação. Trabalha respeitando o meio ambiente e sem exploração dos trabalhadores envolvidos. Na linha dos serviços como a reciclagem, a contribuição é a correta destinação dos resíduos, os transformados em outros produtos, como humos, terra para jardins e hortas, sabão de óleo saturado, artesanato de sobras, e o retorno dos produtos recicláveis como papel, sucata, vidro e plásticos, para a indústria transformar em novos produtos, evitando o extrativismo de matéria-prima do meio ambiente. Neste sentido, os recicladores são agentes ambientais, evitando que os materiais que eles recolhem vão parar nos aterros sanitários, caiam nos rios ou nos terrenos baldios.

IHU On-Line - Embora a Economia Solidária seja uma fonte de subsídios, ainda há quem não tenha encontrado o seu espaço no mercado de trabalho. O que falta para que as pessoas percebam que é possível mudar o seu contexto social, a partir da sua própria produção?
Jacira Dias
- Os principais problemas são a falta de infra-estrutura adequada para a produção e a falta de capital de giro. Os grupos, em geral, estão descapitalizados porque seus integrantes, na sua grande maioria, eram empregados ou tiveram atividades que apenas dava para cobrir as necessidades básicas. Hoje, há microcréditos com linhas de financiamento voltadas para grupos populares, mas o acesso aos recursos ainda é uma barreira para os grupos que não estão formalizados legalmente. Outro obstáculo para que as pessoas tomem a iniciativa de buscarem sua sustentação autonomamente é a tradição do trabalho formal com carteira assinada, com um patrão que ofereça emprego. Parece que trabalho é só estar vinculado desta forma. O que falta é potencializar estas iniciativas de Economia Solidária, através de políticas públicas que facilitem o empreendedorismo dos indivíduos e dos grupos.

IHU On-Line - Do que depende a consolidação da Economia Solidária como uma nova fonte de trabalho e renda?
Jacira Dias
- Acredito que uma das coisas já esteja acontecendo: é a articulação dos fóruns locais, regionais e nacionais para debater suas práticas, construir propostas e demandas para os gestores públicos. Neste sentido, há um crescente empoderamento dos fóruns buscando qualificar as iniciativas de geração de trabalho e renda, transformando-as em políticas. Os empreendimentos de Economia Solidária não querem ser tratados com ações de filantropia. Outra alternativa seriam os governos saírem do discurso e dialogarem com os fóruns, para construir estratégias que garantam recursos econômicos e incentivos para a Economia Solidária. As empresas capitalistas são disputadas para que se instalem em nossos territórios, para elas há incentivo e favorecimento do poder público e isso à custa de altos ônus. Hoje, temos uma Secretaria Nacional de Economia Solidária, a SENAES, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, o que já um avanço porque reconhece a existência de um segmento econômico importante em nível nacional.

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