Edição 261 | 09 Junho 2008

Adão Ludiger de Brito

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Bruna Quadros e Graziela Wolfart

Adão Ludiger de Brito, 74 anos, poderia estar em casa, aproveitando o descanso que a aposentadoria lhe permite. Mas não. Ele é um lutador. E sua causa é em prol da camada da sociedade a qual pertence: a melhor idade. “Meu trabalho precisa ainda de muita luta para ser melhor. Enquanto eu existir, vou batalhar em defesa dos que não têm voz e vez, para que possam resgatar sua cidadania e entender que ainda são gente”, defende Adão, que conta sua história de vida na edição desta semana. Confira:

Nascido em São Francisco de Paula, em uma família de agricultores, Adão Ludiger de Brito começa a relatar sua trajetória, lembrando que a família possuía uma área de terra bastante grande entre os municípios de Canela e São Francisco de Paula. Com a chegada da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) no local, toda a área de terra que possuíam foi desapropriada e a família precisou se mudar. Os pais de Adão tiveram 11 filhos e ele conta que a relação entre os irmãos sempre foi boa. “Até hoje aqueles que ainda existem se dão bem.”

Para Adão, a vida em São Francisco de Paula era boa. Quando bem guri, com 7, 8 anos, ele trabalhava na roça e ia para o colégio. Fazia a lição de casa na roça, na hora do café, quando dava uma paradinha. “Foi uma vida de trabalho sempre. Para a brincadeira não tinha tempo, cada um cuidava do seu trabalho”, lembra. Para ir no colégio, Adão e seus irmãos precisavam caminhar doze quilômetros. Com todo esse esforço, conseguiu terminar o primeiro grau. “Eu gostava de estudar, mas na época não tinha oportunidade no interior.” Depois dos 62 anos de idade, eis que essa vontade continuava viva e fez com que Adão voltasse a estudar para concluir o segundo grau. “Minha vontade era continuar e ir para a faculdade, mas daí desisti, achei que já estava muito passado. Eu queria estudar filosofia. Mas achei que não valia a pena batalhar tantos anos só para ter um diploma. E no meu trabalho eu sentia no povo a necessidade muito grande por pessoas com disponibilidade para trabalhar pela defesa dessas pessoas. E o trabalho voluntário é o mais bonito que existe.” 

Valores de família
Ao lembrar da criação recebida dentro de casa, Adão conta que seus pais lhe passaram os valores de trabalho e honestidade. “A gente precisava ser honesto e trabalhar para conseguir sucesso na vida, sem fazer mal a ninguém. Além disso, era preciso o respeito dentro da família e também com todas as pessoas com quem a gente falava.”  

Vida em São Leopoldo
Os pais de Adão ficaram em uma situação muito difícil quando foram desapropriadas as terras da família. Eles foram morar na cidade de Canela e tiveram alguns problemas por lá, até dificuldades de sobrevivência. Naquela época, Adão já trabalhava e comprou uma casa para eles em São Leopoldo. Depois, comprou a casa onde vive até hoje. Quando se aposentou, em 1983, veio morar em São Leopoldo. 

Trajetória profissional
Adão iniciou cedo a labuta da vida. Começou a trabalhar na CEEE com 14 anos de idade e lá ficou até se aposentar, com 50 anos. “Foram 38 anos de serviço na mesma empresa, como eletricitário. Assim que comecei a trabalhar, passei a ajudar a família, os pais e sempre tivemos uma vida boa. No trabalho não dá para se queixar”, conta. Mesmo depois de aposentado, Adão não conseguia parar. “Hoje posso dizer que trabalho mais do que na época da CEEE.” O animado senhor dedica seus dias ao trabalho com movimentos populares. Tudo começou em Canela, onde foi presidente da associação de moradores do bairro onde morava. Depois de um tempo já morando em São Leopoldo, começou a participar da Associação dos Aposentados Eletricitários, da qual foi delegado por quatro anos. Hoje, seu trabalho é voltado para os idosos. Adão trabalha com grupos de convivência e presta assessoria voluntária para nove deles. “Nos aprofundamos bastante na questão das políticas públicas e sentimos que a maioria delas destinadas aos idosos estão só no papel. Nossa grande briga é para fazer com que os idosos revejam os seus direitos.” Adão também é conselheiro do Conselho do Idoso e secretário e vice-presidente da União das Associações de Bairro (UAB) de São Leopoldo. “Fazendo esse trabalho eu me sinto vivo. Porque a maioria dos aposentados que ficaram parados já morreram, inclusive alguns colegas meus. Me sinto mais vivo do que nunca porque cada dia que passa as atividades são maiores”, define. Em 2006, na primeira conferência nacional dos idosos, ele foi o único representante dos idosos de São Leopoldo em Brasília.

Família
Brito é viúvo, mas atualmente tem uma companheira. Ela se chama Marlene, é técnica de enfermagem e trabalha no Hospital Centenário. Com a primeira mulher, teve dez filhos. Hoje, tem uma filha que mora com ele, que é psicóloga. “Tenho um filho, que é delegado da Receita Federal, que está em Brasília. Tem outro que é bancário aposentado, um que é da Polícia Rodoviária Federal e outro que é motorista de ônibus. As filhas estão todas casadas e bem tranqüilas. A família para mim representa muito e tudo.” Adão lembra que sua família foi construída pela falecida mulher, “porque eu vivia trabalhando e ela que administrava”. Mas ele garante que são todos bastante unidos e se dão bem. “A família é o alicerce de todas as pessoas. Hoje, sentimos que na cidade tem essa dificuldade porque a televisão não dá mais tempo para as famílias se reunirem para conversar. E também tem a questão do trabalho, porque muitas vezes cada um tem um horário diferenciado para trabalhar, então as pessoas não se juntam como no nosso tempo”, lamenta.

Momentos marcantes
Um dos momentos mais tristes na vida de Adão foi a perda da esposa. “A partir daquele momento, minha responsabilidade ficou dupla.” E, na hora de citar momentos felizes, ele lembra de muitos. Por exemplo, “aqueles em que eu chego nos meus grupos de convivência. Se eu chego no grupo tudo pára. Enquanto todos não se abraçarem para começar o trabalho ninguém faz nada.” Ele também cita momentos de reunião com a família toda, quando fazem um churrasco e ficam o dia todo conversando.
 
Sonhos
Brito afirma não ter grandes sonhos. E explica o motivo: “Aprendi através da espiritualidade que a matéria tem que estar sempre em segundo plano. Com isso, a paz é mais fácil de ser construída. Então, meus sonhos, a partir dos 70 anos, têm que ser aqueles que podem ser rapidamente realizáveis. Não podemos sonhar para daqui a 10 anos ou mais porque não sabemos se estaremos aqui ou não. Então, não vale a pena sonhar com grandes coisas. Mas meu grande sonho é continuar fazendo o bem”.

Fé e religiosidade
“Eu sou um camarada muito feliz pelo seguinte: poderia dizer que tudo o que diz respeito a seres humanos passou pela minha vida. Num primeiro momento, cheguei às associações de moradores. Num segundo momento, fui convidado pela minha irmã para fazer parte da igreja.” Adão já foi “tio” de CLJ (Curso de Liderança Juvenil), de Emaús, e cursilista. Também foi ministro da eucaristia, e até foi para São Paulo fazer um curso de coordenador de catequese com os salesianos. Mais tarde, fez curso de diácono. “Mas logo depois minha esposa morreu e não cheguei a me ordenar.” Mesmo assim, ele continua na igreja. Em todo segundo domingo do mês ele leva comunhão para os doentes e faz uma celebração com eles. “São coisas maravilhosas”, relata. Participante da missa três vezes por semana, Adão cita também a importância das comunidades como motivo de fortalecimento. “A fé é que nos leva a fazer o que é bom. O Espírito Santo, através de Jesus Cristo, está junto com nós em tudo o que é bom. Busco minha fé todos os dias.”

Política
Para Adão, a política brasileira se transformou muito em politicagem. “Se olharmos os meios de comunicação só ouvimos roubo, desvio etc. A política em si é uma das coisas mais lindas que existem, mas quando se fala de política pensando no coletivo”, explica.

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