Edição 261 | 09 Junho 2008

Cirne-Lima: um esclarecedor do discurso hegeliano

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Graziela Wolfart, Márcia Junges e Patricia Fachin

Cirne-Lima representa uma renovação no pensamento filosófico nacional, considera Julio Cabrera

Para Julio Cabrera, professor da Universidade de Brasília (UnB), o sistema hegeliano “se ergue sobre seus próprios pés”. Partindo dessa perspectiva, o filosofo argentino argumenta, em entrevista concedida pessoalmente à IHU On-Line, que a crítica apresentada por Cirne-Lima na obra Depois de Hegel “é uma espécie de taquigrafia interna feita com a linguagem da Lógica Moderna do pensamento de Hegel”, o que segundo ele, não constitui “uma formalização do próprio pensamento” hegeliano. Considerando as heranças francesas, o pós-modernismo e a Filosofia fragmentada, Cabrera reitera que a Filosofia de Cirne-Lima passa uma mensagem "contra esse Espírito anti-sistemático”. Entretanto, reconhece, “Carlos Cirne-Lima é bastante corajoso por fazer a Filosofia que ele acha que deve fazer, sem se deixar amedrontar pelo Espírito do tempo”.
Cabrera realizou a graduação e o doutorado em Filosofia na Universidade de Córdoba, na Argentina. No final da década de 1970, atuou como professor do curso de mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). De suas obras, destacamos Margens das filosofias da linguagem (Brasília: UnB, 2003).

IHU On-Line - O senhor disse durante o Colóquio Depois de Hegel que a formalização de Cirne-Lima não é satisfatória e ele mesmo concordou. Em que o senhor baseia essa posição?
Julio Cabrera
– Critiquei na verdade a atitude de Cirne-Lima de querer justificar o pensamento dialético hegeliano diante da lógica moderna. Defendi a idéia de que o sistema de Hegel se ergue sobre seus próprios pés sem precisar dessa legitimação diante dos lógicos. Então, Hegel é autor de uma lógica reflexiva. A minha crítica fundamental foi de que a crítica que Cirne-Lima apresenta no livro Depois de Hegel é uma espécie de taquigrafia interna feita com a linguagem da lógica moderna do pensamento de Hegel, mas não constitui uma formalização do próprio pensamento de Hegel. Fiquei muito feliz que o próprio Cirne-Lima, durante o debate, reconheceu que as formalizações lógico-formais eram fracas no sentido de que não refletiam o pensamento hegeliano. Porém, isso não era uma crítica contra o trabalho dele ou contra a atitude de querer justificar o pensamento de Hegel diante dos lógicos.

IHU On-Line - Que tipo de filosofar Cirne-Lima ajudou a construir nas universidades brasileiras? Como seu trabalho é visto no restante do Brasil?
Julio Cabrera
– Infelizmente, Cirne-Lima é um filósofo, dos muitos que existem no Brasil, que são lamentavelmente pouco reconhecidos pelos seus próprios pares dentro do país. É provável que muitos filósofos brasileiros tenham mais reconhecimento em outros países do que aqui. Precisamos reverter essa situação. Nesse sentido, considero esse evento sobre o pensamento de Cirne-Lima um ato político, no sentido de que, pela primeira vez, os intelectuais brasileiros se reúnem para discutir as idéias de um filósofo brasileiro, ao invés de debater as idéias de Habermas, Kant, por exemplo. Eu disse, inclusive, que nem é um evento sobre Hegel, e sim sobre o Hegel de Cirne-Lima, ou seja, é uma leitura muito particular.

Carlos Cirne-Lima está de alguma maneira na ponta dessa reivindicação do pensamento nacional, como também a Unisinos que fez possível esse encontro. Entretanto, Cirne-Lima ainda não tem a repercussão nacional que deveria ter. Por isso, a mentalidade das novas gerações de filósofos deve mudar sua mentalidade para que essa situação seja sanada. Os filósofos brasileiros precisam se acostumar a falar em primeira pessoa. Isso Carlos Cirne-Lima faz. Ele não escreve um livro sobre Hegel, mas sobre suas idéias referentes ao filósofo. É necessário quebrar esse tabu e a timidez intelectual dos latino-americanos. As discordâncias de idéias não importam. O fundamental é essa atitude renovadora do pensamento nacional.
 
IHU On-Line - Como a visão de Cirne-Lima, de que a vida é um sistema dinâmico em funcionamento, pode oferecer ao sujeito contemporâneo o exercício pleno de sua autonomia?
Julio Cabrera
– Nesse ponto, existe um problema que gerou muita discussão no simpósio. Contemporaneamente falando, o tipo de empreitada que Cirne-Lima quer fazer vai muito contra a corrente da Filosofia contemporânea. Por que digo isso? Porque Hegel era um filósofo que queria construir um sistema da totalidade da vida humana e do pensamento. Atualmente, nessa época de pós-modernismo, de Filosofia fragmentada, toda essa herança de Nietzsche, com o pós-modernismo francês, ficou um pouco na contramão esse tipo de empreitada. Por isso, penso que Carlos Cirne-Lima é bastante corajoso por fazer a Filosofia que ele acha que deve fazer, sem se deixar amedrontar pelo espírito do tempo, da época. Então, se há uma mensagem que a filosofia de Cirne-Lima passa para a contemporaneidade, curiosamente é uma mensagem contra esse espírito anti-sistemático. Isso tornará mais difícil talvez a aceitação, a recepção e o reconhecimento de suas idéias. Mas entendo que vale a pena porque é um ato de coragem ele passar essa mensagem para a contemporaneidade.
 
IHU On-Line - Como a obra de Cirne-Lima nos ajuda a compreender a Lógica e torná-la mais clara?
Julio Cabrera
– Cirne-Lima pode ser celebrado como um pensador que deu uma inteligibilidade muito grande à Lógica de Hegel. Ou seja, depois do livro Depois de Hegel, a leitura da Ciência da Lógica de Hegel se tornou não digo fácil, porque nunca é simples, mas mais acessível, possível, transparente do que antes. No que se refere à lógica formal, que não é a lógica de Hegel, ficaram mais claras as relações entre dialética e analítica. Sem dúvida, sua contribuição é muito importante em primeiro lugar para esclarecer o discurso de Hegel, que é muito difícil, para iniciantes, sobretudo. Em segundo lugar, para se situar diante da hegemonia da atual lógica formal.

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