Edição 259 | 26 Mai 2008

Motores biomoleculares: um potencial para as nanotecnologias

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Manipular e visualizar objetos nanométricos ainda é um desafio para os físicos, considera Ney Lemke

“A nanotecnologia nos permite investigar experimentalmente as forças que organizam o mundo celular de forma direta, com uma molécula de cada vez”, afirma Ney Lemke, físico e pesquisador da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele comenta que os motores moleculares “podem ser explorados como ferramentas auto-organizadas, capazes de atuar nesta escala e construir novos materiais com características de interesse tecnológico”. Entre outras possibilidades, o pesquisador destaca a realização de “micro-cirurgias que serão capazes de atuar no nível das células”.
Ney Lemke é graduado, mestre e doutor em Física, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O pesquisador é revisor dos periódicos Physica A e Bioinformatics. Lemke ministra o minicurso “Motores biomoleculares” no dia 28-05-2008, quarta-feira, das 14h às 16h30min. Confira na edição nº 130 da IHU On-Line, de 28-02-2005, uma resenha sobre o livro A vida do cosmos (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004), de Lee Smolin, assinada pelo professor Dr. Ney Lemke.

IHU On-Line - Um motor biomolecular pode ser aplicado no interior de células doentes, no intuito de combater vírus? Como isso funciona?
Ney Lemke
- Os motores moleculares são moléculas suficientemente grandes que conseguem transformar energia química em energia mecânica. Existem diferentes tipos que atuam em processos biológicos diversos como a transcrição do DNA, o movimento de bactérias, espermatozóides e o movimento molecular. Até o presente momento, ainda estamos tentando entender como estas máquinas atuam, mas, sem dúvida, elas são uma promessa para a realização de microcirurgias que serão capazes de atuar no nível de células. Mas isto ainda é pura especulação.

IHU On-Line - Qual é a contribuição da bioinformática na área de motores biomoleculares?
Ney Lemke
- A bioinformática vem atuando nesta área colaborando com a determinação das estruturas das proteínas envolvidas, investigando se estas estruturas estão conservadas em diferentes organismos e finalmente propondo modelos para descrever as propriedades físicas destes motores. Trata-se de uma área de estudo que irá se expandir ainda mais nos próximos anos.

IHU On-Line – Qual é o combustível que abastece esses motores biomoleculares?
Ney Lemke
- Os motores podem ser alimentados com diferentes tipos de combustíveis:
ATP  e GTP,  que são fontes tradicionais de energia em sistemas biológicos e também elétrons ou íons que atravessam a membrana celular. Evidentemente, isto não exclui a possibilidade de existirem outros mecanismos ainda não descobertos.

IHU On-Line - Além das aplicações na área da medicina, que outras operações os motores biomoleculares podem desempenhar?
Ney Lemke
- Os motores moleculares podem ter uma aplicação importante como construtores de nanotecnologias. Eles podem ser explorados como ferramentas auto-organizadas que sejam capazes de atuar nesta escala e construir novos materiais com características de interesse tecnológico. Outra possível aplicação destes sistemas é como amplificadores moleculares, que poderiam simplificar sinais elétricos ou luminosos e atuarem na confecção de máquinas fotográficas e outros dispositivos.

IHU On-Line – Quais são as principais dificuldades técnicas e os principais limites que dificultam a pesquisa com motores biomoleculares? Como é o processo de manipulação desses motores tão pequenos?
Ney Lemke
- Os motores moleculares são muito pequenos, possuem tamanhos de 10^-9 metros e geram forças da ordem de picoNewtons, ou seja 10^-12. Manipular estes objetos envolve a construção de equipamentos sofisticados e bastante caros como pinças óticas, raios laser que convergem fortemente em uma região do espaço.
Outra dificuldade é que estes objetos operam usando as mesmas leis da Física, mas de uma forma bastante diferente de motores macroscópicos. O problema é que no mundo subatômico existe um nível de ruído muito forte, e a única estratégia que estas máquinas possuem é utilizar de forma inteligente este ingrediente. No mundo macroscópico, os engenheiros se mantêm afastados do ruído. Nesta escala, é o ruído que acaba sendo um dos principais propulsores do sistema.

IHU On-Line - O que o senhor destacaria como as principais contribuições das biomoléculas para a nanotecnologia enquanto ciência?
Ney Lemke
- As biomoléculas têm servido de inspiração e de desafio, no texto clássico de Richard Feynmann,  que iniciou a pesquisa nesta área. Ele cita explicitamente que uma das aplicações mais importantes da nanotecnologia seria investigar o mundo celular.
As biomoléculas podem nos sugerir modelos de máquinas que poderão gerar nanomáquinas artificiais, da mesma forma que observar a natureza ajudou Da Vinci  a pensar em objetos de nosso cotidiano como helicópteros e aviões.

IHU On-Line - Qual é a contribuição da Física para a área da nanotecnologia? Quais são os principais avanços nesse sentido?
Ney Lemke
- A Física é um dos elementos-chave neste processo, pois ela permite compreender com base em seus princípios o funcionamento destas máquinas. Até o momento, as leis utilizadas foram as leis clássicas da Física: termodinâmica, mecânica clássica, quântica e eletromagnetismo. Mas o tamanho do sistema e o fato de que estes elementos funcionam fora do equilíbrio constitui um desafio considerável para os físicos. Assim, eles têm atuado também na construção de instrumentos ultra precisos como pinças óticas, e microscópios de força molecular que permitem manipular e visualizar estes objetos.

IHU On-Line - Do ponto de vista social, na sua opinião, o que mais muda no cotidiano e no modo de vida das pessoas a partir da entrada da nanotecnologia?
Ney Lemke
– As mudanças que a nanotecnologia irá gerar no cotidiano ainda são, em boa medida, imprevisíveis. Já sabemos que ela terá um papel na indústria de dispositivos eletrônicos ou na confecção de novos materiais. Mas, de certa forma, estas mudanças são apenas avanços em equipamentos que já possuímos. A grande questão é saber quais coisas realmente inovadoras poderemos construir com estas tecnologias. Penso que uma das questões que poderá ser explorada está relacionada à medicina personalizada, com fármacos inteligentes que possam atuar de forma mais sutil no nosso organismo. Ou ainda a possibilidade de entendermos com mais clareza a origem de doenças.

A verdade é que a nanotecnologia nos permite investigar experimentalmente as forças que organizam o mundo celular de forma direta, uma molécula de cada vez. As conseqüências do uso destes recursos ainda são inimagináveis.

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