Edição 259 | 26 Mai 2008

Biotecnologia promete prolongar a vida humana

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Patricia Fachin

Para o pesquisador Tarso Kist, as nanotecnologias podem auxiliar na criação de uma medicina preventiva

As novas tecnologias, garante Tarso Benigno Ledur Kist, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, já “permitem reparar órgãos debilitados ou com funcionamento deficiente e até criar órgãos novos”. Entretanto, embora técnicas para prolongar a vida humana surjam com muita eficiência, o pesquisador afirma que elas não serão suficientes para garantir a longevidade, já que o custo desses tratamentos é elevado. Além disso, explica, “uma boa parte dos indivíduos não se importa com a saúde e acaba não investindo” nessa área. Com tantas alternativas, afirma, “as confusões com planos de saúde tendem a aumentar”. 
Kist é mestre em Ciências, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e doutor na mesma área, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Cursou pós-doutorado na Faculty of Science e na University of Ottawa, Canadá. Atualmente é docente do Instituto de Biociências da UFRGS. Atua também na Gestão de Projetos de P,D&I em Bens de Capital e Pesquisa Básica em Nanotecnologia voltada à Biologia Molecular. Kist ministra o minicurso “Biologia molecular e nanotecnologia: aplicações e implicações”, nesta quarta-feira, 28-05-2008, às 14h.

IHU On-Line - O Brasil é um dos poucos países que possui recursos biológicos e vasta biodiversidade. Por outro lado, a prática de pesquisas ainda é precoce. Como lidar com esse impasse da biotecnologia?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Em nossa cultura, não temos o mesmo apreço e carinho para com as ciências naturais como observado em outras. Contudo, isto está mudando acentuadamente. A produtividade científica do nosso país está crescendo muito, bem como o número de matrículas em cursos superiores etc. Além disto, várias agências estão financiando a inovação nas empresas, a chamada subvenção econômica à inovação. Isto permite que, na outra ponta, o conhecimento vire produtos. Ou seja, o conhecimento gera produtos de valor agregado, as empresas bem geridas têm rentabilidade e, por fim, a rentabilidade traz o desenvolvimento econômico e social. A Associação Gaúcha de Empresas de Tecnologia e Inovação (AGETI), por exemplo, tem em torno de quarenta ações em curso objetivando promover o desenvolvimento das pequenas e médias empresas de tecnologia e inovação. Entre estas ações, estão os cursos de capacitação, circulação de um jornal eletrônico com notícias específicas para o setor, orientação na elaboração de projetos de subvenção econômica à inovação, assessoria jurídica no registro de patentes e marcas, organização de eventos e mostras de produtos de tecnologia, e viabilização de programas, como o juro zero e PAPPE Subvenção.

IHU On-Line - Grandes corporações sempre prometeram, por exemplo, erradicar a fome através da revolução verde, dos agrotóxicos, dos transgênicos e agora argumentam que a salvação serão as nanotecnologias. O senhor diz que, no que se refere à biotecnologia, ela pretende produzir mais, a um menor custo, com melhor aproveitamento do solo, menos poluição e maior segurança. Entretanto, as nanotecnologias correm o risco de serem apenas mais uma promessa para resolver os problemas da humanidade?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Nas últimas décadas, ocorreram revoluções tecnológicas que transformaram o mundo num grau muito maior do que inicialmente previsto. Vejamos, por exemplo, as transformações introduzidas no mundo das empresas e das pessoas pelos computadores. Pode-se citar como modelo o uso da internet e da telefonia móvel. Estas tecnologias mudaram muito os nossos hábitos. Tudo isto aconteceu em poucas décadas. No caso da nanotecnologia, será que estão prometendo a mais ou a menos do que será? Difícil dizer.

IHU On-Line - O senhor disse, em outra entrevista concedida à IHU On-Line, que a biotecnologia e a genética poderão trazer de volta algumas espécies já extintas. Já existem projeções de como isso será feito? Que mecanismos envolvem esse processo?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Já existem projetos de microrganismos sintéticos. Isto é, faz-se a síntese de DNA e dos genes. A limitação tecnológica atual é a síntese de longos fragmentos de DNA. Ocorrem acúmulos de erros nestas sínteses, além obviamente da questão do custo. Assim, trazer de volta espécies já extintas será possível desde que se tenha acesso ao genoma dos mesmos.

IHU On-Line - A possibilidade de a biotecnologia frear a extinção das espécies deve ser visto como algo positivo? Se assim for, a humanidade não terá limites para utilizar seus recursos? Essa medida contribuirá para que cada vez mais se consuma e se gaste em abundância?
Tarso Benigno Ledur Kist
- A extinção de espécies deve ser evitada ao máximo, principalmente aquelas induzidas pela ação humana. Não que a espécie humana seja algo à parte, mas pelas potencialidades que temos em interferir no meio ambiente. De fato, vastas áreas de monoculturas diminuem os espaços para outras espécies, sendo, portanto, danosas para muitas, podendo levá-las ao risco de extinção. Por vários fatores, muitas já foram extintas e outras continuam sendo. Há fortes indicações de que, atualmente, o ritmo de extinção seja muito maior do que a taxa de surgimento de novas espécies. Por outro lado, uma agricultura mais rentável e que emprega as melhores tecnologias não exige áreas de cultivo tão grandes. O devido manejo e a possibilidade de melhorar a produtividade de espécies nativas também são objetos de trabalho da Biotecnologia e da Genética. Tudo isto contribui para a manutenção da biodiversidade e da variabilidade genética das populações de espécies nativas existentes. A pergunta ainda toca num outro tema de extrema relevância, que é a necessidade de sermos consumidores parcimoniosos dos recursos naturais. Me refiro principalmente à energia, aos recursos minerais e à exploração da fauna e flora. Na minha opinião, um dos maiores crimes cometidos neste século foi o consumo desenfreado e o desperdício de energia e matérias primas. Há casos de queimas de combustível fóssil de forma quase à toa, sem necessidade, de forma muito ineficiente ou para propósitos muito pouco nobres. Somente agora se percebeu que o nosso Planeta é finito, que está sendo poluído, que estamos causando danos de difícil reparação e que a maioria dos recursos são limitados.

IHU On-Line - Podemos dizer que a biotecnologia surgiu para prolongar a vida da humanidade? Já é possível prever mudanças radicais no campo da saúde, por exemplo, que há alguns anos era impensável?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Com certeza absoluta, a expectativa de vida poderá ser estendida. O próprio processo de envelhecimento começa a ser melhor compreendido. Existe uma corrente, por exemplo, que atribui o envelhecimento ao acúmulo de danos no DNA ao longo do tempo. Portanto, o conhecimento dos mecanismos que causam estes danos permite mitigar os danos propriamente. Mas não é somente isto: novas técnicas permitem reparar órgãos debilitados ou com funcionamento deficiente e até criar órgãos novos. Porém, as empresas de biotecnologia e engenharia genética observaram uma dura realidade que não fez bem aos seus negócios. Constataram que uma boa parte dos indivíduos da nossa população não se importam muito com a saúde e acabam não investindo tudo o que se previa, tanto na medicina preventiva como na reparadora. Existe uma previsão de que será por isto e não por falta de soluções tecnológicas que a expectativa de vida das pessoas não será maior. Um outro fator de grande relevância ética é também a questão da acessibilidade das pessoas às tecnologias que estão surgindo. Ou seja, as confusões com planos de saúde tendem a aumentar e não a diminuir!

IHU On-Line - O oncologista Júri Gelovani, do Centro M.D. Anderson de pesquisa contra o câncer, da Universidade do Texas, diz que dentro de 10 a 15 anos o câncer se tornará uma doença gerenciável. O senhor acredita nessa possibilidade? De que forma a biotecnologia pode contribuir para essa mudança?
Tarso Benigno Ledur Kist
– Certamente, é possível concordar com esta colocação e assegurar que a nanotecnologia contribuirá tanto quanto a biotecnologia para atingir a previsão citada.
 
IHU On-Line - Como a tecnologia tem influenciado no trabalho da genética?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Existe uma enorme contribuição da nanotecnologia no campo da farmacologia. Ou seja, os fármacos são carreados por nanocápsulas e outras nanoestruturas e disponibilizados numa velocidade e nos órgãos desejados, de forma a maximizar a eficácia terapêutica e a minimizar os danos colaterais. Este seria somente um exemplo de um campo de aplicação já existente. Seria possível citar muitos outros. Todos possuem uma característica comum: percebe-se um potencial muito grande para desenvolvimento e outros desdobramentos destas áreas de estudo clínico ou pré-clínico.
 
IHU On-Line - Gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
Tarso Benigno Ledur Kist
- Com certeza, gostaria muito aproveitar este espaço para colocar o que segue. Em primeiro lugar, e acima de tudo: atualmente, o nível educacional da população é, indiscutivelmente, o item que deveria ser o foco. O ente público deve respeitar as liberdades individuais, mas, ao mesmo tempo, estimular ao máximo a boa formação das pessoas. Basta não fazer nada para toda a sorte de pseudociências e charlatanismos tomarem conta. Existem até mesmo projetos de lei circulando na Assembléia Legislativa de vários estados tentando legalizar profissões que são charlatanismos comprovados ou, na melhor das hipóteses, procedimentos inócuos ou ineficazes. Alguns já foram aprovados. Para estes equívocos crassos, não existem manifestações, marchas, protestos. Vejamos, por exemplo, o espaço deste periódico: as avaliações feitas pela Capes sobre o nível dos mais variados cursos de graduação deveria ser amplamente discutido, falado e divulgado. Mas não: estas coisas relevantes não são abordadas.

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