Edição 344 | 21 Setembro 2010

O Brasil deve apostar mais no setor de serviços

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Patricia Fachin

 

IHU On-Line – Os EUA e a Inglaterra estão estudando a possibilidade de criar bancos de desenvolvimento...

Pedro Cavalcanti Ferreira – Se constituírem um, vai acabar virando um banco de política industrial para distribuir renda para os escolhidos ou vencedores. No caso do Brasil, obviamente o BNDES não faz só isso, o banco tem uma política de crédito, embora tenha colaborado para a concentração econômica e transferência de renda. Se os EUA optarem pela criação de um banco de desenvolvimento, isso tem de ser feito com muito cuidado para não favorecer um grupo específico.

IHU On-Line - O BNDES tem alguma política direcionada ao setor de serviços? O Banco deveria incentivar mais esse setor?

Pedro Cavalcanti Ferreira – Imagino que, antigamente, o banco não emprestava dinheiro para esse setor, mas hoje em dia já empresta para vários setores de serviço. O Brasil tem potencial no setor de turismo, de tecnologia. Obviamente, o banco não deveria escolher o setor de carnes contra o setor de turismo, por exemplo. O BNDES escolheu o setor de carne como prioritário; não me pergunte sob quais critérios. Isso é um equívoco. O banco precisa ter linhas de créditos para todas as empresas, não para determinados setores. Enfim, acho que o BNDES deveria apoiar o setor de serviços em linhas que apoiassem todos os setores.

IHU On-Line - O Estado pode ser considerado keynesiano, uma vez que está financiando empresas nacionais em função da crise econômica internacional?

Pedro Cavalcanti Ferreira – A ideia keynesiana está sendo usada fora do contexto. Em momentos de crise, quando o setor privado não quer gastar, o Estado pode (deveria) entrar gastando. Quando há uma crise, a demanda cai e a crise aumenta. Nesse contexto, o Estado interfere gastando mais, resolvendo um problema de demanda no curto prazo. Agora, o que acontece no Brasil é que o BNDES entrou depois que a crise já estava sendo resolvida. De qualquer modo, isso teve um impacto e fez com que a crise acabasse mais rápido. Porém, a crise já acabou há muito tempo. Então, agora, a decisão de gastos é política, uma visão de governo, diferente do cenário anterior. Neste momento, a ideia é nacional-desenvolvimentista: aumentar a participação do Estado e a articulação entre o Estado e os grandes grupos privados e públicos. Isso não tem nada a ver com keynesianismo; é uma volta das ideias dos anos 1950.

IHU On-Line - Qual sua avaliação da economia brasileira nos últimos 16 anos? Percebe diferenças e semelhanças entre o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula na condução da política econômica? Nesse sentido, quais as evoluções e os limites econômicos das últimas décadas?

Pedro Cavalcanti Ferreira – As diferenças são menores do que ambos gostariam. A coluna básica macroeconômica foi mantida nos dois governos, os quais trabalharam com a inflação muito baixa, com câmbio flutuante, regimes de meta de inflação, superávit fiscal alto. Essa visão nacional desenvolvimentista não estava presente no governo Fernando Henrique e nem no primeiro mandato do atual presidente. O governo Lula inovou na política social, radicalizou alguns projetos que já existiam no governo Fernando Henrique Cardoso, como o Bolsa Família, que tinha outro nome, além de desenvolver uma política de aumento mais radical do salário mínimo. A grande diferença entre os dois é esse sinal do governo Lula de reimplantação de um projeto nacional-desenvolvimentista e a aliança entre setor público, grandes grupos privados e o Estado. O final do governo Lula mostra uma inflexão em relação ao que observamos antes, que considero ruim e, a longo prazo, essa política será custosa.

IHU On-Line - Que modelo de desenvolvimento se consolida a partir da atual política econômica? Na sua avaliação, ainda vigora no Brasil a ideia de um projeto nacional?

Pedro Cavalcanti Ferreira – Toda vez que ouço uma pessoa falar em nacionalismo, desconfio. Tenho um interesse particular bem definido: nacionalista somos todos porque gostamos do nosso país e queremos o melhor para ele. Quando vejo setores do governo Lula falarem de projeto nacional, vejo-os transferindo renda para grupos econômicos específicos. Vejo essa ideia de nacional-desenvolvimentismo como um projeto nacional muito particular: alguns setores e grupos sendo beneficiados, mas não acho que seja um projeto nacional. Um projeto nacional poderia não gastar 30 bilhões com o trem bala, mas investir esse valor em transporte urbano, que está um caos, em educação, saúde ao invés de criar empresas campeãs de metalurgia, carne, siderúrgica ou química. Esse seria um projeto nacional popular que beneficiaria a população.

IHU On-Line – As eleições deste ano sinalizam alguma mudança?

Pedro Cavalcanti Ferreira – Se a candidata do PT for eleita, essa política tende a ser mantida. Os outros dois candidatos, Marina Silva e José Serra, iriam adotar uma política mais parecida com o segundo mandato de Fernando Henrique e o primeiro governo Lula, com uma política social, talvez, mais agressiva.

Leia mais...

>> Confira na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br) um artigo de Pedro Cavalcanti Ferreira.
* Desindustrialização e o Pato Donald

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