Edição 340 | 23 Agosto 2010

''O Universo estava condenado a existir''

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

 

Universo não-singular

O que podemos extrair dessa comparação (e de um sem-número de casos semelhantes na Física) é que os físicos não podem aceitar que uma singularidade (divergência) faça parte de sua descrição da realidade, a não ser provisoriamente, enquanto uma boa teoria não seja criada. Foi essa a atitude de Einstein como comentei acima. Ademais, a teoria do universo eterno dinâmica não é nova. Em verdade, o primeiro modelo de universo eterno dinâmico foi publicado por uma revista científica americana chamada Physical Review em 1979 quando eu e meu colaborador, o físico gaúcho José Martins Salim , descobrimos uma solução das equações de Einstein representando um universo não-singular, possuindo um bouncing. Desde então, outros cientistas propuseram outros modelos não-singulares. No artigo da revista científica Physics Report de 2008 que citei, eu e meu colaborador argentino Santiago Bergliaffa  descrevemos com detalhes esses modelos, especificando o que os distingue e as possibilidades de serem diferenciados pela observação.
Por diferentes razões (que descrevi em meu livro) a solução cosmológica de um Universo com bouncing foi deixada de lado por quase trinta anos e somente agora está sendo reexaminada com profundidade. O simples fato de termos sido convidados, por uma das mais importantes revistas científicas internacionais, a escrever um trabalho examinando os diferentes modelos de universo eterno dinâmico construídos pelos cosmólogos, responde bem à sua pergunta.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar mais algum aspecto não questionado?

Mario Novello - Sim. Eu gostaria de reproduzir uma seção de meu livro citado acima e referente às questões que você colocou.

ANTECEDENTES

Mesmo sem ter produzido uma explicação racional da origem do Universo, o modelo Big Bang, isto é, a ideia de que o universo tenha sido criado por uma grande explosão que teria acontecido a uns poucos bilhões de anos dominou o cenário cosmológico durante a maior parte da história moderna da Cosmologia e, em particular, desde os anos 1970 a 2000. Isso se deveu a várias circunstâncias e nós teremos oportunidade mais adiante de esclarecer essas causas.

Embora esta imagem extremamente simplista do que teria ocorrido no início da atual fase de expansão do universo não tenha sido ainda totalmente abandonada, devemos reconhecer que ela não tem mais nem o vigor nem a hegemonia que possuía no passado recente. A origem desta mudança de paradigma no imaginário do cientista tem várias causas; uma das mais relevantes está associada a observações astronômicas recentes que foram interpretadas como se a expansão do Universo estivesse sendo acelerada (…).

Há aqui, entretanto, um detalhe que tem faltado às análises que se envolvem na questão do Big Bang e que vai além do simples exame deste modelo e seu possível poder explicativo. É verdade que, ao serem indagados “é o Universo singular” ou “existiu um momento único de criação deste nosso Universo”, um grande número de cosmólogos tenha respondido sim a estas perguntas, embora com ênfase maior nas duas últimas décadas do século passado. Mas essa indagação, embora explicite uma necessidade atávica do homem, estava mal-colocada.

Esta não era a pergunta adequada que deveria ser feita, pois para respondê-la é necessário empreender extrapolação impossível de ser controlada pela observação direta. A boa questão “esta sim, possuindo consequências científicas relevantes” que deve ser colocada é um pouco menos preciosa, menos exuberante, aparentemente menos abrangente, mas bem mais fundamental. A pergunta que deve ser feita é esta: pode a ciência produzir uma explicação racional para a evolução do universo, se o Big Bang for identificado com o começo do universo?

Para entendermos completamente esta questão precisamos esclarecer as propriedades deste modelo. No entanto, é possível, antes disso, dar uma primeira visão das dificuldades intransponíveis que um cenário explosivo provoca. Essa conclusão depende diretamente do modo pelo qual os cientistas constroem uma descrição racional do universo.

De um modo geral, a física se organiza a partir do princípio de Cauchy , que descreve o modo pelo qual se dá o concerto entre teoria e observação. Ao se realizar uma experiência, um certo número de informações sobre um dado processo físico é obtido. Com a repetição desta ou de outras observações, alarga-se o conhecimento de diferentes propriedades associadas ao fenômeno em questão. Este processo é então descrito por uma teoria que permite conhecer sua evolução temporal e inferir previsões. Novas observações permitem então verificar a validade ou não destas previsões. Este procedimento é bastante geral e mesmo uma história do Universo pode ser estabelecida dentro deste modo convencional de organização. Assim, o cientista produz uma explicação dos fenômenos segundo o esquema observação/teoria/observação. Para que se possa efetivamente seguir este procedimento convencional na Cosmologia, é indispensável obter observacionalmente informações sobre as características do Universo em um dado momento. Só assim se poderia elaborar e testar teorias globais de sua evolução. Se, por alguma razão, em algum momento, não for possível medir quantidades físicas de natureza global associadas ao Universo como um todo, este modo de proceder não poderia ali ser empregado. Há várias condições para que esse procedimento possa ser efetivado. A mais simples e fundamental dentre elas requer que todas as grandezas envolvidas sejam descritas por quantidades finitas. Isso se deve ao caráter finito de toda observação, pois qualquer medida requer um número real e finito para caracterizá-la. Assim, ao identificar o começo de tudo com uma explosão inicial - como o faz a proposta do cenário Big Bang -, onde quantidades que poderiam ser a princípio observáveis atingiriam, segundo este modelo, o valor infinito (como a densidade de energia total do Universo), esta condição básica não estaria sendo preenchida. Segue, como consequência inevitável, a impossibilidade de construção de uma ciência da natureza envolvendo a totalidade do que existe: não seria possível construir uma base teórica a partir da qual uma história completa do Universo se estabeleceria. A Cosmologia não descreveria esta totalidade, ou seja, no modelo Big Bang strictu sensu, a Cosmologia não poderia constituir-se como ciência.

Leia mais...

Confira outras entrevistas concedida por Mario Novello à IHU On-Line.

* A cosmologia está mudando a forma humana de pensar. Edição 142 da Revista IHU On-Line, de 23-05-2005;
* Nobel da Física 2006 auxilia a compreender a formação do Universo. Entrevista especial com Mario Novello, publicada nas Notícias do Dia 11-10-2006;
* José Leite Lopes: um físico que não aceitava trivializar o conhecimento. Uma entrevista especial com o professor Mario Novello, publicada nas Notícias do Dia 15-06-2006.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição