Edição 338 | 11 Agosto 2010

A concentração do investimento e da produção em poucos setores

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Patrícia Fachin

 

IHU On-Line - O Brasil investe em usinas, frigoríficos, hidroelétricas. O que se pode entender como estratégia política econômica do governo a partir desses investimentos?

Mansueto Almeida - A política de fortalecimento de gigantes nacionais tem uma lógica baseada na teoria da organização de cadeias globais de produção, um dos maiores estudiosos desse assunto é um sociólogo da Duke University, Gary Gereffi . O professor Gereffi mostra que uma empresa e país se beneficiam mais ou menos do comércio internacional dependendo de sua inserção na cadeia global de produção. Por exemplo, a Nike, que é a maior empresa de calçados no mundo, não produz um único par de tênis. A empresa investe apenas na especificação do design dos seus produtos, no gerenciamento da marca e na comercialização. A produção propriamente dita é totalmente terceirizada. A Nike controla a cadeia global de produção do setor no qual está inserida e com isso consegue extrair a maior parte do valor gerado ao longo da cadeia de produção de um tênis. Mas se para empresas essa estratégia de posicionamento na cadeia é importante, o ganho para seus fornecedores não é líquido e certo. O que quero que seja explicado é de que forma o benefício da criação de gigantes nacionais favorece não apenas essas empresas, mas também os seus fornecedores e até mesmo se a política faz sentido, pois se o benefício da concentração for claro o próprio mercado financiará a concentração.

IHU On-Line - O senhor diz que governos ao redor do mundo estão desesperados para acelerar o crescimento econômico. Então, políticas de investimento como a do BNDES são uma tendência mundial?

Mansueto Almeida - Acredito que sim. Para a minha surpresa, vários países passaram novamente a incentivar setores. Nos EUA, por exemplo, o governo passou a ser parceiro de empresas do setor automotivo com os empréstimos para a GM e Chrysler e, mesmo antes da crise, os EUA investiam muito dinheiro, algo como US$ 100 bilhões por ano, com incentivos fiscais e financeiros para o desenvolvimento de tecnologias ligadas a programas do Departamento de Defesa. Os países da Europa voltaram a fazer política industrial, os países da América Latina, da Ásia e até mesmo no continente Africano. Países como a África do Sul têm uma política industrial ativa e nem precisamos falar da Índia e China. No entanto, “política industrial” é um termo dúbio, já que é um termo utilizado tanto para socorrer indústrias falidas como para promover inovação que beneficia não uma empresa, mas toda sociedade. Assim, mais do que discutir se queremos ou não ter política industrial precisamos discutir exatamente de que tipo de política industrial estamos falando. Precisamos ter essa discussão no Brasil.

IHU On-Line - Que modelo de desenvolvimento se consolida a partir da atual política econômica? Na sua avaliação, ainda vigora no Brasil a ideia de um projeto nacional?

Mansueto Almeida - A sensação que tenho é que voltamos a fazer política industrial, mas ao mesmo tempo temos “vergonha” dessas políticas. Nossa política industrial toma a forma real de promover grandes empresas para fazer mais do mesmo. Se o nosso modelo for o que foi feito na Coreia do Sul nos anos 60 e 70, estamos fazendo a política errada. Quando o governo Coreano subsidiou a Samsung, não foi para essa empresa continuar produzindo têxtil e confecções. Mas para o grupo começar a investir em outras indústrias como no setor de eletrônicos. A criação dos grandes grupos empresariais na Coreia estava necessariamente ligada a um processo de diversificação dos investimentos dos grandes grupos empresarias em novos setores. Não é isso que estamos fazendo. Ademais, não entendo porque temos que focar tanto na criação de grandes empresas. No mundo, as inovações radicais vêm de empresas pequenas e não de grandes, embora essas últimas são as que normalmente se associam às pequenas para levar essas inovações ao mercado. Para mim, não é muito claro o modelo que queremos seguir e qual nosso projeto de longo prazo. Ter um Estado mais ativo e um banco de desenvolvimento com mais recursos não é um projeto nacional, pode até ser o meio de se alcançar este projeto que hoje não sei qual é, pois o horizonte de planejamento do governo não passa de quatro anos.

IHU On-Line - A economia brasileira vem crescendo nos últimos anos e a estimativa é de que atinja 7,6% neste ano. Vislumbra a continuação desse crescimento? Ele será sustentável a longo prazo?

Mansueto Almeida - Não é sustentável porque para crescer a essa taxa, seguidamente, precisamos de uma taxa de investimento acima de 25% do PIB e, como não temos hoje poupança doméstica para financiar esses investimentos, isso implica pedir emprestado ao resto do mundo, o que se traduz em um elevado déficit em conta corrente, que é equivalente a poupança externa. O Brasil consegue crescer sem muitos problemas entre 4% e 4,5% ao ano, mas, além disso, temos pressão inflacionária e aumento do déficit em conta corrente, que neste ano já será superior a 2,5% do PIB. O que fazer? Aumentar a poupança doméstica, desonerar o investimento produtivo e aumentar a produtividade do investimento com incentivos maiores à educação e qualificação do trabalhador.
Nos próximos anos poderemos fazer isso porque temos dois fatores positivos: a demanda exponencial por commodities no mundo que está beneficiando o Brasil e América Latina, e o descobrimento do pré-sal, que é uma riqueza substancial para o Brasil. Assim, teremos recursos para continuar uma agenda de reformas e investimento que poderá, daqui a alguns anos, aumentar o crescimento potencial do PIB para taxas superiores a 5% ao ano. Apenas com estímulos fiscais, como estamos fazendo hoje, não vamos crescer muito acima de 4% ao ano. No longo prazo, o que determina o crescimento de uma economia é o crescimento da produtividade e não aumento artificial de demanda.

IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?

Mansueto Almeida - Sim, precisamos de um debate maior no Brasil em relação às políticas de investimento setoriais que estamos fazendo, o que é e o que não é necessário. Acho perigoso o excesso de otimismo que vejo hoje no Brasil, pois da mesma forma que o pessimismo nos leva ao imobilismo por não aproveitar as oportunidades de reformas e crescimento que se apresentam, o excesso de otimismo cria a falsa expectativa que não precisamos fazer mais nada; isto por que o país já teria entrado em um rota de crescimento sustentável, o que não é verdade. No Brasil, precisamos saber definir prioridades e avaliar os custos e benefícios das políticas setoriais. Por exemplo, não vejo o início da construção do Trem Bala  nos próximos anos como algo prioritário para o Brasil. Pode até ser uma discussão para termos daqui a cinco ou dez anos, mas hoje o prioritário são os investimentos em aeroportos, portos e recuperação de rodovias. Recursos públicos são escassos e precisamos discutir melhor o que fazer com eles. O Brasil ainda é um país desigual e com muitas contradições. Assim, precisamos também investir mais em saúde e educação. Dado este excesso de demanda por recursos públicos, precisamos de um maior debate para identificar o que é prioritário. Não vejo tal discussão acontecendo hoje e não entendo porque a sociedade brasileira aplaude a construção de um trem bala de mais de R$ 30 bilhões ou mesmo a capitalização da Petrobrás com recursos públicos superiores a R$ 50 bilhões, quando o destino de uma criança no Brasil ainda é determinado na família e no local que nasce. Um criança nascida em uma família de classe média em Porto Alegre tem muito mais chance de crescer saudável e ter acesso a uma boa educação do que uma criança de um trabalhador rural no interior do Piauí. Assim, precisamos discutir mais quais são nossas prioridades e controlar mais nosso entusiasmo com as políticas de fomento setorial.

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