Edição 255 | 22 Abril 2008

Para o bem ou para o mal? O valor das nanotecnologias para a sociedade

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Bruna Quadros

Segundo Adriano Premebida, para as pessoas, as vantagens podem compensar os riscos; tudo está sujeito às circunstâncias da área de aplicação. “Isso depende, também, da forma espetacular como são divulgadas as possíveis façanhas dos produtos nanotecnológicos”

“Para seguir o rastro dos beneficiados e prejudicados, de modo geral, e sem pesquisas empíricas específicas, o primeiro passo é visualizar as linhas de fraturas da própria ordem social, de como ela distribui riquezas, direitos, deveres e democratiza o acesso aos cidadãos à educação, à economia, à justiça, à saúde”, destaca o Prof. MS Adriano Premebida, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. A inserção das nanotecnologias no cotidiano das pessoas pode, sim, ter reflexo mais positivo do que negativo. E este resultado não depende somente da ciência. “Não serão os produtos nanotecnológicos que resolverão os problemas de acesso das pessoas às suas benesses, mas um projeto de sociedade que envolva um meio de sintonizar um conjunto heterogêneo de interesses e fatores determinantes da habilidade e da capacidade dos usuários optarem e saberem como tirar o melhor proveito destas tecnologias e terem consciência dos seus possíveis riscos”. No que tange à consolidação das nanotecnologias e nanociências no Brasil, Premebida destaca a necessidade de atrair jovens para a carreira científica.

Adriano Premebida é graduado em História e mestre em Desenvolvimento Rural. Atualmente, cursa doutorado em Sociologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É membro da rede de pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. Confira informações sobre o evento na agenda da semana.

IHU On-Line - Que possibilidades surgem, a partir do momento em que as inovações nanotecnológicas deixam se ser apenas alvo de pesquisas e passam a ser consumidas?
Adriano Premebida
- Para as ciências humanas e sociais, as possibilidades mais interessantes são os resultados das interações entre estes artefatos e as pessoas, quanto às mudanças de rotinas, percepção de si, do outro e do mundo. Muitas destas inovações são ou serão apenas incrementais, de dispositivos tecnológicos já existentes. Recordo-me do último Nobel de Física, vinculado a estudos que ajudaram no desenvolvimento das memórias ultradensas, estas decorrentes de pesquisas com o fenômeno conhecido como magneto-resistência gigante, que possibilitou a construção de discos de computador de armazenamentos com grande capacidade. Tudo isso nós já usamos no dia-a-dia e são pesquisas relativamente incrementais. E, como todos sabem, as mediações humanas com as tecnologias digitais e da informação permitem a instituição de novas formas de contato social, novas experiências subjetivas com a imersão e a interatividade no ambiente produzido por estas tecnologias. Os jogos e as comunidades virtuais de amizade são bons exemplos disso. Por outro lado, teremos as inovações revolucionárias, daí sim com sistemas totalmente novos e remodelados em qualquer área em que a manipulação nanoscópica de moléculas e átomos faça diferença nos arranjos da eficiência do produto: custo, desempenho e margens de desenvolvimento futuro, por exemplo. E aí as possibilidades são imensas, beiram à ficção e percebemos como a ciência não está purificada de muitos mitos, ou melhor, como ela é uma poderosa construtora de mitos, de imaginários. Estudar os mecanismos sociais de familiarização destes artefatos em sociedade democráticas; entender todo o ciclo de acumulação de conhecimento, patentes, prática laboratorial, negociação de diretrizes entre pesquisa e mercado; analisar a forma como adquirem estabilidade e traduzem interesses difusos, e como se movimentam pelas tortuosas fimbrias hierárquicas e de desigualdade nas sociedades contemporâneas, são algumas das possibilidades de estudos que estas tecnologias reservam aos cientistas sociais.

IHU On-Line - Em que medida o indivíduo ganha ou perde, com a chegada das nanotecnologias? Há alguma área em que haja um benefício maior, como na saúde, por exemplo?
Adriano Premebida
- Para seguir o rastro dos beneficiados e prejudicados, de modo geral, e sem pesquisas empíricas específicas, o primeiro passo é visualizar as linhas de fraturas da própria ordem social, de como ela distribui riquezas, direitos, deveres e democratiza o acesso aos cidadãos à educação, à economia, à justiça, à saúde. É tão vasto o conjunto de áreas de pesquisa e setores industriais envolvidos na produção dos artefatos nanotecnológicos que é difícil apontar um caminho eqüidistante entre perdas e ganhos para o indivíduo. Com exceção da área militar, eu acho que o balanço geral será positivo para as pessoas e, sem dúvida, na área da saúde existem grandes promessas. Apesar da celeridade atual das inovações não ter paralelo na história humana, ela cobra o preço de não conseguirmos acompanhá-las com uma reflexão mais elaborada. Nestas condições, o importante é ter uma noção mínima de como o conhecimento tecnocientífico é produzido e organizado, de como ele é o efeito de alianças sociais heterogêneas, de como sua concretização é o desenlace de muita negociação. Seus resultados não são frutos de um determinismo tecnológico, mas de muita interação entre pessoas, sistemas técnicos, de conexão de recursos e de entidades estratégicas. Seguir isto, como evidencia Bruno Latour, mostra a fragilidade e, ao mesmo tempo, como o social concede a força necessária às variadas demandas da ciência e da tecnologia, até mesmo a sua autonomia da política e seu estatuto de conhecimento legítimo. E, o mais importante para as sociedades democráticas, indica sempre a possibilidade de abertura à participação das pessoas, senão nos quesitos especificamente técnicos do debate, ao menos nos fatores relacionados à regulação destas tecnologias e à tentativa de multiplicar aliados em torno dos seus interesses.

IHU On-Line - A sociedade está preparada para passar a inserir produtos nanotecnológicos no seu cotidiano? Mais do que isso, as pessoas têm conhecimento desses produtos?
Adriano Premebida
- Não sei se é possível, historicamente, pensarmos em uma situação de equivalência entre recepção de certas tecnologias e nível de entendimento das pessoas acerca dos potenciais riscos e benefícios destas tecnologias. As relações de implicação mútua dos produtos nanotecnológicos no cotidiano das pessoas só podem ser analisadas no curso destas interações. Pelo que leio nas pesquisas sobre percepção pública de novas tecnologias, no geral, e talvez mais na área da saúde, as pessoas atêm-se mais aos benefícios do que aos riscos destas tecnologias. Para as pessoas, as vantagens podem compensar os riscos; tudo está sujeito às circunstâncias da área de aplicação. Isso depende, também, da forma espetacular como são divulgadas as possíveis façanhas dos produtos nanotecnológicos. Outra coisa é que a gradação da tolerância de um risco pode estar vinculada a como novas tecnologias desarranjam ontologias estáveis, como as demarcações entre natural e artificial. Às vezes, são fatores ligados ao caráter particular de uma racionalidade, como raízes religiosas e culturais de um grupo social ou de um indivíduo, que configura uma apologia ou depreciação de certa tecnologia. Quanto ao grau de conhecimento das principais noções e possíveis impactos sociais presentes nas pesquisas e produtos nanotecnológicos, as pesquisas de opinião pública mostram muita desinformação, mesmo em países onde o acesso à informação não é dificultado, frente a outras prioridades cotidianas. Vou dar um exemplo apresentado por Frederico Neresini, professor de Sociologia da Universidade de Padova, na Itália, em um seminário de 2006, em São Paulo. Nesta pesquisa, realizada na Itália, foram analisadas as representações sociais sobre as nanotecnologias com grupos focais entre 10 e 12 pessoas e uma enquete com outras 1000 para, nesta última, mapear as palavras-chave associadas à nanotecnologia. Apenas 28% dos participantes tinham ouvido falar sobre nanotecnologia e quase metade destes informaram ter tido o primeiro contato sobre estas tecnologias pela TV, embora nesta, segundo o pesquisador, muito pouco se tenha dito sobre nanotecnologia nos últimos anos. Esta pesquisa tem um resultado interessante: os participantes representaram as nanotecnologias principalmente pelo seu lado positivo e de utilidade, fundamentalmente nas áreas da saúde. Em vista disso, a inovação que produz ruptura, ao modificar drasticamente um setor industrial e comercial, um perfil de consumo, a direção de desenvolvimento e investimento de certo padrão tecnológico, caminha como se estivesse adiantada em relação a outros espaços sociais. Estes são ajustados, geralmente, somente após um produto/processo de inovação tecnológica sedimentar-se socialmente, pois sempre existe a possibilidade de reações de resistência.

IHU On-Line - Materiais produzidos a partir das nanotecnologias estão ao alcance de todas as classes sociais? Se não, do que depende o acesso das pessoas a tais produtos?
Adriano Premebida
- A difusão e acesso a tecnologias varia sobremaneira de acordo com os incentivos e restrições intrínsecas ao ordenamento de uma sociedade. Num país como o Brasil, incrivelmente desigual, isso vai depender, mais do que do produto tecnológico final, da transformação das oportunidades à educação, principalmente científica, e da incorporação equilibrada de um imenso contingente de pessoas à economia. E isso estará sujeito a um esforço político de longo prazo, de um projeto de nação, pois os mercados não definem pressupostos e formas institucionais, mas o contrário. Não serão os produtos nanotecnológicos que resolverão os problemas de acesso das pessoas às suas benesses, mas de um projeto de sociedade que envolva um meio de sintonizar um conjunto heterogêneo de interesses e fatores determinantes da habilidade e da capacidade dos usuários optarem e saberem como tirar o melhor proveito destas tecnologias e terem consciência dos seus possíveis riscos.

IHU On-Line - As nanotecnologias tendem a fomentar o mercado brasileiro? E qual o valor social deste avanço tecnológico?
Adriano Premebida
- Isso vai depender das parcerias entre universidades, centros de pesquisa e a indústria. Se estas parcerias não forem fortes, o Brasil ficará ainda mais à margem do competitivo mercado de inovação mundial. E isto tem relação com a pergunta anterior, pois a comercialização e até o desenvolvimento das inovações nanotecnológicas irá depender do acesso e das respostas dos usuários destes produtos às empresas. Existe uma cooperação nestas redes de inovação, uma ajuda co-extensiva na capacidade de calibrar ambos os lados do processo, da demanda e da oferta, um depende do outro para ajustar conhecimentos na melhor maneira de utilizar e produzir um produto. A inovação não termina quando o produto é lançado no mercado. Por isso, se o Brasil quiser ter capacidade de gerar tecnologia, de fomentar seu mercado interno, e mesmo externo, precisará integrar toda a extensa rede que existe desde o laboratório de pesquisa até a ponta, nos usuários. E neste espaço de interação existe muito objeto de pesquisa para as ciências humanas, pois as inovações dependem do formato de negociação de uma agenda de novos serviços e produtos e no modo de identificar os espaços abertos pelas demandas ou necessidades sociais dos mercados locais, regionais e mundiais. Talvez ainda seja cedo apontar o valor social destes avanços tecnológicos, não obstante já estarem à porta. Quiçá tudo dependa das mudanças de compromissos dos principais atores envolvidos nas circunstâncias de rearranjos políticos e econômicos em relação às prementes questões ambientais, dos riscos tecnológicos e da monumental desigualdade socioeconômica contemporânea. O que posso indicar é que uma análise valorativa oscilará conforme o comportamento destas tecnologias em relação a como se integrarão à eficiência dos sistemas de produção energética, da remediação ambiental, ao caos urbanístico, à melhoria do transporte e da saúde, da produção industrial sustentável e ao controle da poluição, por exemplo. E esta agenda não vai depender apenas das nanotecnologias, mas de uma costura entre interesses sociais e políticos e como estes chegarão a moldar as linhas de pesquisa para caminhos alternativos de inovação. Estes caminhos dependerão da abertura da ciência a demandas da população e de proposições de movimentos sociais, principalmente ambientais. Os potenciais impactos socioambientais negativos da produção tecnocientífica gerida e voltada à lógica da produtividade, mas também da efetividade prática, já é o mote de muitos grupos sociais para abrir um espaço de discussão pública sobre a questão da adequação da produção científica e tecnológica às iniciativas de uma “ciência cidadã”.

IHU On-Line - É a partir das ciências exatas que pesquisas em nanotecnologias se tornam possíveis. No entanto, não seria interessante haver uma multidisciplinariedade nas pesquisas em nanotecnologias? Qual a contribuição das ciências humanas, neste caso?
Adriano Premebida
- Existe muita multidisciplinaridade nas pesquisas nanotecnológicas e isto não é surpresa, tendo em vista a história das ciências. Na verdade, notei em muitas entrevistas e visitas a laboratórios de biotecnologia que as ciências ditas naturais tendem a ter maior abertura ao diálogo e parcerias do que as ciências humanas e sociais. Talvez o maior problema seja como integrar as ciências humanas neste repertório de pesquisa. O Programa Forte em Sociologia do Conhecimento, uma proposta desenhada principalmente por David Bloor na década de 1970, estabelece princípios gerais sobre como os cientistas sociais podem explicar as condições efetivas da produção do conhecimento científico e tecnológico, seus fracassos e sucessos, a maneira como os cientistas organizam a racionalidade de suas explicações e como a ciência estrutura sua peculiaridade em relação a outros conhecimentos. Esta proposta programática influenciou sobremaneira as demais Escolas e programas de pesquisa em sociologia e antropologia das ciências contemporâneas. Um destes programas é o Programa Empírico do Relativismo, encabeçado principalmente por Harry Collins, e sua vertente de estudos tecnológicos, a Construção Social da Tecnologia, enunciada por Trevor Pinch e Wiebe Bijker. De forma muito resumida, estes programas centram seus estudos nas controvérsias científicas e tecnológicas contemporâneas e na forma como resultados empíricos de pesquisa e os artefatos tecnológicos são abertos a múltiplas interpretações. Estes programas de pesquisa tentam entender como fatores sociais, ou grupos sociais, determinam as rotinas experimentais e as escolhas teóricas dos cientistas; como funcionam os mecanismos de fechamento das controvérsias técnicas; e como interesses de ordem social, política e econômica influenciam dinâmicas de pesquisa e de constituição de conhecimento. Por último, temos a Teoria do Ator-Rede ou a sociologia da tradução mais conhecida pelos nomes de Bruno Latour e Michel Callon. Estes procuram descrever a prática da vida em laboratório, como os cientistas mobilizam o mundo para legitimar, reforçar e estabilizar suas teorias e artefatos para além dos laboratórios. Nesta perspectiva, a diferença analítica entre contextos de justificação e de descobertas é rompida, pois mostram como é difícil a distinção entre fatores cognitivos e sociais na produção tecnocientífica. Em meio a esta descrição geral, existe um campo de estudos ainda incipiente no Brasil, mas com ótimas propostas ou contribuições a quem pretenda estudar os impactos sociais, a produção e a circulação dos artefatos nanotecnológicos nos laboratórios e sociedade afora.

IHU On-Line - Qual é a atual situação do Brasil, em termos de pesquisas em nanotecnologias e do consumo dos produtos já desenvolvidos com esta técnica?
Adriano Premebida
- Dentro do quadro geral de investimentos, pelo menos com recursos públicos, parece-me que as nanotecnologias estão bem. No âmbito das empresas, a situação, pelo que acompanho, ainda é exangue. No espaço possível de uma política científica, as nanotecnologias e a nanociência conseguiram se enquadrar no âmbito de uma retórica de conhecimento estratégico. Esta grande exposição pública pode favorecer financiamentos e é também uma oportunidade de divulgação de importantes inovações. Outra coisa é que as nanotecnologias são formadas por áreas muito diversas e vastas. Geralmente, tendemos a divulgar fatos que causam admiração, fascinação e mesmo temor. É muito fácil falar de nanotecnologias de forma genérica, como eu fiz até agora, mas empiricamente a situação é mais complexa. Deve ser analisado caso por caso, no mínimo a partir da divisão entre tecnologias incrementais e as revolucionárias. Quanto aos produtos consumidos e produzidos no Brasil, não sei dizer com precisão, mas as áreas mais evidentes nos editais de pesquisa são as biológicas, farmacológicas, química, engenharia de materiais e eletrônica, esta última com certo déficit histórico. A consolidação das nanotecnologias e nanociência no Brasil, como qualquer área de pesquisa, vai depender da criação e manutenção de uma libido no campo científico, visando atrair jovens dispostos a seguir carreira científica; da conscientização dos empresários locais sobre a importância de investimentos em pesquisa e desenvolvimento; e de cidadãos aptos a entender minimamente o funcionamento da ciência e tecnologia em conjunto com um sistema que permita a participação dos mesmos nas escolhas sociotécnicas.

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