Edição 255 | 22 Abril 2008

“Não basta o socorro físico. É preciso atuar nas causas da violência”

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Graziela Wolfart

Na opinião de Romeu Gomes, é importante não reduzir as pessoas à condição de vítima, para que sejam sujeitos de suas ações

Sobre o perfil da mulher agredida, o professor e pesquisador Romeu Gomes, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, declara que “a violência física aparece com maior visibilidade em alguns estudos com classes populares”. Entretanto, continua, “é bom não descartar a possibilidade de haver mulheres com alto poder aquisitivo que se sujeitam às violências a elas impostas ou que não conseguem defender os seus direitos”. Gomes fez essas e outras declarações na entrevista que segue, concedida por e-mail para a IHU On-Line. Romeu Gomes possui graduação em Pedagogia, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), sendo licenciado em Sociologia e Psicologia, pelo Ministério da Educação. Possui mestrado em Educação, pela Universidade Federal Fluminense, livre docência em Psicologia, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e doutorado em Saúde Pública, pela Fundação Oswaldo Cruz. Atualmente, é professor do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz, sendo responsável pelas disciplinas de Antropologia e Saúde e Pesquisa Qualitativa em Saúde. Confira a entrevista:

IHU On-Line - Em que circunstâncias a violência contra a mulher é mais freqüente? Essas ações são conseqüências de uma sociedade patriarcal? Como explicar essas atitudes?
Romeu Gomes
– Apesar de ocorrerem várias mudanças sociais, as relações estabelecidas entre homens e mulheres ainda podem sofrer influência de uma mentalidade patriarcal, que vê a mulher como alguém que deve ser subordinada ao homem. O fato de haver maior ou menor influência dessa mentalidade vai depender da situação ou do contexto em que ocorrem as relações entre homens-mulheres. A violência contra a mulher é mais freqüente em situações em que a mulher se sente mais fragilizada. Isso pode ocorrer quando ela se encontra economicamente ou psicologicamente em desvantagem em relação ao homem e quando não possui uma rede de apoio.

IHU On-Line - Percebe-se alguma característica comum entre as vítimas de violência, como idade, classe social, escolaridade?
Romeu Gomes
– Em termos nacionais ou regionais não dá para generalizar características comuns nos casos de violência contra a mulher. Faltam grandes estudos para que se possa seguramente estabelecer conclusões sobre isso. A violência física, por exemplo, aparece com maior visibilidade em alguns estudos com classes populares. No entanto, isso não pode ser generalizado porque não se tem dados sobre as classes economicamente superiores. Nas classes mais privilegiadas, pode haver violência física, mas não se tem essa informação porque as mulheres dessas classes – quando são agredidas – não costumam ir às delegacias de polícia para denunciar seus agressores nem costumam ser atendidas em hospitais públicos. Elas utilizam outras formas e outros espaços para enfrentar a violência, ou às vezes são alvos de outros tipos de violência, sem ser agressões físicas. Entretanto, é bom não descartar a possibilidade de haver mulheres com alto poder aquisitivo que se sujeitam às violências a elas impostas ou que não conseguem defender os seus direitos.

IHU On-Line - No Brasil, a questão da violência contra mulheres já é percebida como um caso de saúde pública? Que políticas são fundamentais para expandir os tratamentos?
Romeu Gomes
– Atualmente, a violência contra a mulher já está na agenda da saúde pública. Já existem políticas de saúde que vêm dando base para que ações sejam desenvolvidas no enfrentamento da violência contra a mulher, tanto no nível da prevenção quanto no âmbito da intervenção. Várias são as ações que devem ser desenvolvidas para que as políticas consigam ter êxito. Uma delas se refere à capacitação do profissional de saúde para lidar com esses casos, uma vez que nem sempre a sua formação o prepara para isso.

IHU On-Line - O atendimento emergencial realizado em hospitais, por exemplo, pode auxiliar as vítimas de agressão? Como a Saúde Coletiva, com as práticas de cuidado e cuidador, pode contribuir para o tratamento das vítimas?
Romeu Gomes
– Em primeiro lugar, é importante que, além do atendimento emergencial, seja dada uma atenção mais global às pessoas que sofrem violência. Não basta o socorro físico. É preciso que a área da saúde – em parceria com outras áreas – consiga encaminhar ações que atuem nas causas para que as pessoas não permaneçam sofrendo violência. Também é importante não reduzir as pessoas à condição de vítima, sejam mulheres ou homens. Ações de empoderamento para fazer com que as pessoas sejam sujeitos de suas ações devem ser desenvolvidas.

IHU On-Line – Num de seus estudos, o senhor diz que, do total de mulheres atendidas em hospitais municipais do Rio de Janeiro, a maioria referiu como agressor o companheiro. Como explicar essas atitudes dentro do conjunto familiar? Por que a violência doméstica ganha destaque na sociedade brasileira?
Romeu Gomes
– Inicialmente, observo que esse dado não se refere ao total de mulheres atendidas nos hospitais municipais estudados. O estudo foi realizado em dois hospitais municipais do Rio de Janeiro, durante dois meses no ano de 1996. Nesse período, foram atendidas 72 mulheres que foram vítimas de violência doméstica. Dessas, a maioria referiu como agressor o esposo/companheiro/namorado (69,4%). Esse dado não é atual, mas hoje há vários estudos que confirmam esse fato. Uma das hipóteses explicativas para isso é que no âmbito familiar as relações entre homens e mulheres são reproduzidas e produzidas a partir de modelos culturais de gênero em que se considera que a mulher deve se subordinar ao homem. Quando essa subordinação não acontece, o homem influenciado pelo senso comum de que é ele quem manda pode lançar mão de atitudes violentas para fazer valer o seu poder sobre a mulher. A violência doméstica não ganha destaque apenas na sociedade brasileira. Ela ocorre em vários países, independente do grau de desenvolvimento.

IHU On-Line - Por que o sexo feminino é mais suscetível a agressões violentas? Essas atitudes estão relacionadas à idéia do “sexo frágil”?
Romeu Gomes
– No senso comum, ainda há a idéia de que as mulheres devem ser submissas aos homens e, quando os homens são influenciados por essa idéia, eles costumam lançar mão da violência para exercer o seu poder ou frente à ameaça de serem vistos como não homens por não exibirem poder sobre as mulheres. Isso acontece não porque a mulher naturalmente é mais frágil do que o homem, mas porque existem ideologias que vêem a mulher como inferior ao homem.

IHU On-Line - Mulheres vítimas de violência internalizam e reproduzem a agressão de alguma maneira?
Romeu Gomes
– Em geral, os homens e as mulheres costumam internalizar e reproduzir modelos de masculinidade e de feminilidade para serem socialmente aceitos em suas culturas. Se o modelo predominante for aquele que associa o masculino ao poder e o feminino à submissão, tanto o homem quanto a mulher poderão exercer esses papéis para serem tidos como homem ou como mulher. Assim, poderá haver uma internalização e reprodução da violência pelos gêneros.

IHU On-Line - Como o senhor avalia a atuação das mulheres perante as agressões? O medo ainda é um sentimento presente na hora de denunciar o agressor?
Romeu Gomes
– Como já foi dito, nem sempre a mulher se encontra em condição de denunciar. Se ela foi socializada no sentido de depender do homem, o medo de romper com essa dependência poderá ocorrer. São vários medos. Medo de a denúncia trazer conseqüências mais violentas; medo de não conseguir sobreviver sem o seu parceiro; medo de não conseguir outro parceiro; medo de iniciar outro relacionamento que poderá também ser violento. Por outro lado, a opressão pode ser tão grande que não sobre espaço para a denúncia.

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