Edição 255 | 22 Abril 2008

Eduardo Sterzi

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André Dick

Editoria de Poesia

O poeta Eduardo Sterzi nasceu em Porto Alegre (RS), em 1973. É autor de Prosa (Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 2001), uma coletânea de poemas, ao contrário do que o título subentende. Influenciado primeiramente pela poesia concreta (a última seção desse livro remete sobretudo à obra de Augusto de Campos, mas sem diluí-lo), Sterzi também dialoga com nomes do alto modernismo americano, como T. S. Eliot, Yeats e Ezra Pound, e cultiva uma certa linguagem elíptica, fraturada, na linha de Paul Celan. Em seu poema “Música”, mostra o encontro, ou melhor, o confronto entre as imagens da rosa nas trevas e da espuma de Mallarmé e o transtorno da II Segunda Guerra Mundial, com seu holocausto: “qualquer imagem / vale mais / que a floração sentimental de uma / rosa: / / gás lacrimogêneo, / luto, melancolia, / / estrofe, catástrofe, / catarse: / / deposita-se, linear / (limpa e suja como um verso), / / pela praia pedregosa da palavra / – esta espuma”. A poesia de Sterzi, nesse sentido, sabe ler, com cuidado, os ganhos trazidos pela modernidade, buscando extrair “música de um lápis”, como escreve no poema “Exercício de escrita”, e entender, em “Demissão do poeta”, que pela janela há uma “visitação perpétua de musas” e “estrelas”, mas também de “insetos”.

Em “Civitas”, por sua vez, visualizando uma espécie de imagem negativa de Walter Benjamin dessa modernidade, escreve: “avistam-se apenas ruínas / / dorme tudo quanto é vivo / (a beleza que existe) / sonâmbulo, somente o que nos mata: / filamentos de lâmpadas / (em brasa), espelhos, relógios”. Em “Écloga”, compõe um retrato que parece mesclar o que parece inocente com uma certa violência da natureza: “rouxinóis / e bem-te-vis / / inútil natureza / / noite (voz que vês) / - nascondere: nascer - / / garganta miúda / / canto claro / de longínqua beleza / / a tarde carcome a folhagem / / o / mais-que-perfeito / / se desfez / / renascer renascerá / talvez / / no tempo / / da feroz / delicadeza”.

Já em versos como “a dor de ser / sem ter / sido. / / Nada (nem cheiro / nem tempestade), / mesmo que reviva, / num segundo abençoado, / a sensação de uma outra vida (frágil / como a própria infância, dor secreta do poema), / pode, fugaz, dar-me a garantia de ter vivido”, a infância é vista sob um ponto de vista que se assemelha ao de Giorgio Agamben em seus escritos filosóficos. A ligação entre a infância e a descoberta da linguagem (portanto, também de um trauma que acompanha o sujeito) se reproduz em outros poemas recentes, como em “UIVO de folhas queimadas, meio- / fio cortante: esta nuvem- / luz da infância  / levo na garganta”. Esse trauma, aliás, é um dos motes em todos seus poemas recentes, publicados em revistas e que pertencem ao livro que prepara atualmente, intitulado Aleijão. Sterzi sintetiza a violência moderna, em versos amargos, como em “Retângulos” (“[...] os amantes – invertebrados - / confundem-se aos detritos”; em “Carta a outro estrangeiro”); (“[...] O avião / que passa / me fala de outra cidade, / de sóis cadentes, / de uma noite incendiada”); e em “Enfant phare” (“De um lado, a família puída, a / mobília entrevada, o / cadeado, o cheiro de / guardado e naftalina”). Além disso, tais reflexões apontam o desgaste do próprio sujeito, que se crê filho da melancolia, o que se percebe no poema “O escrevente”: “a queda-da-asa / no fim do caminho / / o gesto da escrita / severo, esquivo / / a secura noturna, / a água dos dias // saturno degusta / seus filhos)”.  Por isso, como escreve em outro poema, “Atressi com l’orifanz”, o desânimo, quando tal sujeito se considera com “Ânimo de argamassa / mal-sovada, andaime / de ossos rotos”. Daí, também, o poeta explorar a relação direta e angustiante entre vida e morte, clara em versos do poema “Desterro”, de Prosa: “de volta à terra / ao desterro de meu corpo / / de volta ao céu / enterro tudo que não seja eu”. Já em “Conversa sem mais”, também de seu livro Prosa, há essa ligação: “Na força da palavra, carnívora / (conheces quem, temendo, a dome?), / vive uma dor que nos devora / a forma extrema de uma fome”.
Também ensaísta, Sterzi é mestre em Teoria Literária, pela PUCRS, com dissertação sobre Murilo Mendes, e doutor em Teoria e História Literária, pela Unicamp, com tese sobre Vita nova, de Dante Alighieri, sobre o qual concedeu entrevista ao site do IHU (www.unisinos.br/ihu), intitulada “A origem da subjetividade e da lírica modernas”, em 18-10-2007. Sobre o poeta florentino, também lançou recentemente a obra Por que ler Dante (São Paulo: Globo, 2008). Sterzi enviou, especialmente à IHU On-Line, os poemas a seguir, que integram o já mencionado livro inédito Aleijão.
 

CUIDADO AO CÃO
que morde dentro

 

ÁTROPO


a tesoura dos ponteiros
agride o fio das horas

 

CÂNTAROS


O amargo, de nós depurado,
      ao cume,
      em cântaros,
      regressa:

      íngremes
      nossos poros,
      íngreme
      a fala.

 

FONTE DAS ABELHAS


boa é a água da fonte das abelhas
se eu morasse ali do lado e bebesse sempre daquela água eu seria feliz

 

SCRIPTA MANENT TRADING S. R. L.


Via della Sapienza, 5
tel. 0761/308711

Piazza della Morte, 3
tel. 0761/346660

 

QUANTO MAIS QUENTE


o azedo pensado
a termo – lembro
do cheiro quando
piolhos – desisto a
tempo – em flor
medraz – retine aparente
– mas não seduz –
cadente ao berço
– deslizo o ventre –
matiz fugaz – quanto
mais quente – esquece
a despesa – no
sol solvente a
canção – se assim
não restam nus

 

INVENTÁRIO


as coisas têm cor de Perdyzo e Perdyzo sois
eis o que digo com voz de tijolo
à sem-ouvidos

e eis que depois
o escorpião se esconde na pilha de tijolos
sem espreita sem maldade sem bênção

(todas as coisas paradisíacas perdidas são)

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