Edição 254 | 14 Abril 2008

Perfil Popular - Luiz Kur

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Graziela Wolfart

De violão em punho e olhos lacrimejados, o músico Luiz Kur dá uma lição de sensibilidade ao se autodefinir: “Sou uma pessoa com vivência simples, que conserva muito da criança dentro de si. Sempre que eu chego a um lugar novo, não fico pensando o que as pessoas vão me oferecer de bom. Penso o que eu tenho de bom para dar a elas”. Carregado da paz que só um bom acorde de violão pode trazer, o músico e violonista Luiz Kur conta, emocionado, sua história de vida a seguir.

“Tive uma infância boa, com muita harmonia em casa.” Assim começa o músico Luiz Kur a contar a sua história: a partir das origens. Nascido em Horizontina, na fronteira com a Argentina, ele, o pai, a mãe e mais dois irmãos trabalhavam na lavoura. Quando Luiz ainda era pequeno, a família foi morar na Argentina. “Cresci num lugar com muita natureza, muito verde, rios, cachoeiras, paisagens lindíssimas.” E esse cenário encantador despertou em Luiz sua vocação para a música. Aos 17 anos, sentiu uma enorme “sede” de aprender sobre essa arte, porque vivia cantando e assobiando pela estrada. “Pelo meu dom natural, comecei a aprender tons e semitons musicais.” Raramente se via alguém tocar violão, pois moravam muito no interior. Mesmo assim, Luiz queria aprender. No entanto, achava que seu pai não iria apoiá-lo, pois o trabalho na lavoura era árduo. Mas, de tanta vontade que tinha, começou a fabricar um violão. “Fiz um violão, tosco, de caixinha de marmelada, feita com madeira. Para fazer as cordas, eu pegava a linha de pescar do pai. A afinação não ficava muito boa, mas eu ia descobrindo, por conta própria, as diferenças entre cada corda”, relata. Luiz nunca teve aulas de instrumento. Aprendeu música pela observação e pelo instinto de seu dom artístico. “Eu ensaiava escondido, no meio do mato, na lavoura”.

Certo dia, numa festa, Luiz pôde tocar num violão “de verdade”. E, para sua surpresa, seu pai gostou do que ouviu. Na mesma semana, deu de presente ao filho um violão. “E foi aí que começou a minha história”, conta. Quando completou 18 anos, prestou serviço militar na Polícia do Exército em Porto Alegre. Já na “cidade grande”, constatou que “muitos sonhos que temos no interior acabam desmoronando”. Com pouca estrutura escolar, Luiz sentiu que tudo era mais complicado do que ele imaginava. Conseguiu um emprego no Colégio Anchieta, em Porto Alegre, onde trabalhou durante 14 anos, como zelador da área de lazer do Colégio. Foi demitido, mas, com essa experiência no currículo, conseguiu uma vaga no setor de jardinagem da Unisinos, em 1995. “No começo, eu não sabia como era a Unisinos, tinha medo de levar o violão. Eu queria cuidar do trabalho, mas não queria largar a música.” Na época, Luiz já tinha algumas composições de sucesso, que foram gravadas por artistas como Rui Biriva e Eracy Rocha, atual presidente da Ordem dos Músicos do Brasil. Um CD de carreira solo era um sonho distante, mas não por muito tempo. “Assim que deu, juntei um capitalzinho e gravei uma fita K-7. Dessa fita, juntei dinheiro para comprar um violão bem bom. Tudo era uma dificuldade, não foi fácil.” A chance veio quando o padre Roberto Aripe, conhecido como “Padre Xirú”, ouviu Luiz tocando e cantando e reuniu amigos da Unisinos para juntar verba no sentido de custear o primeiro CD do violonista. Estava lançado, então, o disco Resquícios missioneiros. “A mola impulsionadora da minha carreira foi a Unisinos. Sempre serei grato à universidade por isso, de coração. Em troca disso, me doei bastante, artisticamente, dentro da Unisinos, em projetos, atividades no anfiteatro, com músicas ambientais.” Depois de três anos, Luiz foi desligado da Unisinos. Sobre sua saída, ele admite: “Estava cometendo algumas irregularidades, eu confesso. A música nos deixa um pouco displicentes”. Na verdade, o músico sentia que o momento era de expansão. “A vida é cheia de fases, e eu aproveito bem cada uma delas, fazendo uma boa amizade. Após a saída da universidade, vivo da minha música. Não é uma grande renda, mas sou feliz por realizar meu sonho.”

Mídia em rede nacional
Na visão de Luiz Kur, hoje a vida “está boa. Estou mais reconhecido e isso realiza a pessoa”. Ele acaba de lançar o quinto CD de sua carreira solo, intitulado Cantos e cordas. Com isso, tem feito várias viagens a trabalho. No dia seguinte à entrevista que nos concedeu, ele pegou a estrada rumo à Bahia, para tocar em uma feira de máquinas. É a segunda vez que ele se apresenta na cidade de Luiz Eduardo Magalhães. Entre as maiores conquistas da carreira do músico está a participação no Programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, no quadro “Se vira nos 30”, em 2004. Luiz e seu parceiro musical, Antônio Pimentel, tocaram um violão a quatro mãos e, das quatro participações no programa, obtiveram duas vitórias. “Colocamos as pilchas mais bonitas que a gente tinha. O Faustão simpatizou com a gente.” Quando sabia que ia se apresentar na televisão, Luiz utilizava uma tática de marketing: “Colocava um cartão num telefone público e ligava para algumas pessoas dizendo que eu ia estar no Faustão, para me assistirem. Isso faz parte do trabalho”, conta. A partir dessa oportunidade, as viagens não pararam: Manaus, Barretos, Bahia e até Roraima, “lá na pontinha do Brasil”, acrescenta, animado. O contrato mais recente, que acaba de fechar, é para participar da São Leopoldo Fest deste ano. Com os olhos lacrimejados, Luiz confessa: “Estou colhendo as coisas boas que plantei, não só na área artística, mas como pessoa também”.

Composição
Luiz estudou até a quinta série do primeiro grau. No entanto, procura ler bastante para, nas letras das suas composições, “não massacrar muito o português”. Ele explica seu talento da seguinte maneira: “Acumulo uma bagagem de sensibilidade das coisas que me cercam. No devido tempo, aquilo jorra como vertente e é impossível guardar para mim. Essa é a inspiração. Meu pensamento é pequeno. Então, quando uma música vem, eu tenho que pegar um papel e escrever, sem pensar, pois é um momento iluminado, como se eu estivesse recebendo as palavras de alguma fonte”. O instrumentista declara ter “um filtro”, que “não me permite escrever bobagens, porque acho que a vida é muito curta para desperdiçar o dom que eu recebi, que é maravilhoso. Por isso, procura usá-lo da melhor forma para passar coisas saudáveis para as pessoas ouvirem”.

Casamento
Há muitos anos, Luiz cantava na Rádio Farroupilha, num programa de música gaúcha. Ele conta que, naquele tempo, as famílias, no interior, se reuniam para ouvir rádio de manhã. Por isso, na região onde a esposa de Luiz morava, em Encruzilhada do Sul, ele já tinha se tornado conhecido. “Aquela jovem moça gostava da minha voz, principalmente quando eu cantava muitas músicas em castelhano. Ela escreveu uma carta me elogiando. A gente começou a se corresponder e um dia eu fui visitá-la. Nos reunimos em família, e eu tinha levado o violão, é claro. Foi aí que começou nossa história de amor.” Dilva Maria apóia bastante o trabalho de Luiz. Eles têm um casal de filhos, uma moça de 25 anos e um rapaz de 17. A família mora atualmente no bairro Feitoria, em São Leopoldo.


Para Luiz Kur, “dependemos de Deus até para respirar. Sem Ele não somos nada”. O músico se declara católico, mas acredita que cada pessoa pode buscar sua própria concepção de fé, a partir do que as religiões e os padres pregam. “Se eu faço uma música falando das belezas da natureza, estou zelando pelas coisas divinas. Deus está nas palavras de bem que a gente fala”, define.

Desigualdade
Sobre o Brasil e seu povo, Luiz aponta o problema da desigualdade social. “Acho complicado ver como há fazendeiros bem-sucedidos, com tanta dimensão de terra, e, ao lado deles, aquelas pessoas miseráveis, que trabalham por um baixo salário. Aí eu penso: será que não podia ter um pouco mais de igualdade? Pelo menos mais dignidade para as pessoas... Não tem como ficar feliz vendo pessoas desabrigadas, comendo restos de comida. O Brasil é um país cheio de recursos, mas com problemas de distribuição.” Ele sabe que falar de política é difícil, mas sua opinião é fulminante: “Tem muita corrupção na nossa volta. Mas, quando me auto-analiso, penso: devo ter um preço, mas ele deve ser muito alto. E eu me orgulho muito de nunca ter me vendido. Gosto de ser uma pessoa simples, pois a humildade não desmerece nenhuma virtude. Não me considero superior a ninguém, porque cada um pode buscar o seu espaço”.   

Confira a discografia de Luiz Kur
Em 1995 – CD Resquícios missioneiros, patrocinado pela Unisinos
Em 2000 – CD Meu pampa, minha terra, lançado pela extinta gravadora Sul Discos  
Em 2004 – CD Lavando a alma, independente
Em 2005 - CD Violão a quatro mãos, lançado pela USA Discos.
Em 2008 – CD Cantos e cordas, independente

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