Edição 254 | 14 Abril 2008

Agência Repórter Social: questão social é caso de imprensa

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Alessandra Barros

“Não é do interesse do poder das elites que a sociedade civil organizada seja valorizada e empoderada”, afirma Alceu Luís Castilhos, editor-executivo da Agência Repórter Social

Conforme Alceu Luís Castilhos, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, vale a pena lutar para vencer as inúmeras dificuldades enfrentadas para manter o jornalismo social. Castilhos destaca que a grande imprensa ignora os temas sociais. E, segundo ele, a liberdade de imprensa fica ameaçada quando políticos são proprietários de veículos de comunicação social. Segundo pesquisa realizada pela Agência Repórter Social (WWW.reportersocial.com.br), 80 parlamentares federais controlam rádio ou televisão. Isso significa dizer que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam rádios ou televisões.

Alceu Luís Castilho trabalhou no O Estado de S. Paulo (1994-2001), na Agência Reuters, entre outros veículos, em São Paulo e Brasília. Tem especialização em Jornalismo, pela Universidade de Navarra (IV Master em Jornalismo para Editores, 2000), é vencedor do Prêmio Fiat Allis de Jornalismo Econômico (1999), recebeu Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (2004), conquistou 3º lugar no Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo (2004), o Prêmio Andifes de Jornalismo (2006), título de Jornalista Amigo da Criança (2007), e foi finalista do Prêmio Esso de Jornalismo, categoria Interior (2007). Também participou da equipe de imprensa do III Fórum Social Mundial (2003)

IHU On-Line – O Repórter Social tem intenção de noticiar acontecimentos que muitas vezes não têm espaço na grande imprensa? Quais são os motivos que esses temas, tão importantes, não são abordados como deveriam na grande imprensa?
Alceu Luís Castilhos
– Entre as editorias elencadas no portal, constam temas como comunicação, cultura, direitos humanos, economia, educação, gênero, índios, infância, meio ambiente, miséria, negros, saúde, terra, teto e trabalho. Existem quatro pilares definidos: governo, movimentos sociais, empresas e universidades. Tentamos buscar equilíbrio entre o governamental, o privado e os movimentos sociais. O portal pretende valorizar temas que não aparecem na imprensa ou são mal dados. A cobertura de educação, por exemplo, pode ser volumosa nos jornais, mas está longe de ser boa. Então, damos vazão a alguns aspectos não divulgados pela grande imprensa.

Quanto aos motivos da não-divulgação, está o fato de a mídia corporativa ter seus interesses e prioridades. Algumas delas sobre o poder econômico e político. No caso do político, particularmente, os acontecimentos de Brasília. Num estado como São Paulo, por exemplo, a grande imprensa cobre de forma deficiente o Governo Estadual e a Assembléia Legislativa. O governo José Serra, que é presidenciável, em um estado de 40 milhões de habitantes, não tem espaço da imprensa como deveria. Quando se diz que a grande imprensa cobre o poder, é uma realidade. Cobre-se poder político e a cena brasiliense, e determinada cena brasiliense, como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Banco Central, o Ministério da Fazenda. Tanto o poder econômico é importante, que a editoria de economia é uma das editorias mais valorizadas dentro das redações, com cadernos específicos, como os de área agrícola e de imóveis. Trata-se da editoria com maior número de profissionais nas redações dos jornais. Determinados temas sociais, ou quase todos eles, revelam interesses distintos das grandes empresas e corporações. E não estou falando apenas das jornalísticas. No momento em que surge o tema do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), há uma reação, pois ele não é simpático às empresas ligadas aos grandes empresários, ao agronegócio, por exemplo, que anunciam no jornal. Existe um motivo comercial por trás do pouco espaço destinado para esses temas. Em alguns casos, esse motivo nem sequer aparece. Quando aparece, é de modo enviesado, pois determinados temas sociais são ignorados na grande imprensa. Isso se deve à questão político-econômica, que coloca de lado os sistemas sociais. Não é do interesse do poder das elites que a sociedade civil organizada seja valorizada e empoderada. 

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a mídia livre e alternativa? Ela é possível? O senhor acredita que o conteúdo do Repórter Social segue modelo de uma mídia livre e independente?
Alceu Luís Castilhos
– Ela é possível e necessária, mas tem os seus problemas. É preciso considerar que estamos num país em que as pessoas da sociedade civil mais organizada não têm dinheiro. Não participo da idéia de que ninguém está fazendo nada ou de que ninguém está mobilizado, pois tem muita gente atuando diariamente, nos movimentos sociais: indígenas, sem-terra, sem teto etc. Porém, essas pessoas não possuem poder econômico. A internet é um campo que permite a manifestação, mas ainda não há uma mobilização maior. No exterior, o conceito de mídia independente está mais divulgado. Aqui, temos um governo de origem de esquerda, que trava a produção de um jornalismo combativo, mesmo que independente. Existem muitos profissionais vinculados ao poder. Principalmente de classe média, são poucas as pessoas com o mínimo de formação para atuar em uma imprensa independente. No Brasil, existe o problema da esquerda ter virado centro. Estou pesquisando sobre globalização, um dos temas da comunicação nos sites do mundo inteiro, pois existe uma mobilização da classe média. Temos movimentos atuantes no Brasil, mas com baixa formação cultural para ter mídia e principalmente dinheiro, além de tempo extra, para fazer um jornalismo atuante.

IHU On-Line – Como é manter um site independente? É possível um jornalista sobreviver apenas desse veículo? Como fica o retorno financeiro nesse caso?
Alceu Luís Castilhos
– É muito difícil. Estamos passando por um momento complicado, como praticamente todas as agências e veículos alternativos estão. A Carta Maior fechou a parte de produção de notícias. A Adital, agência de notícias ligada à Igreja Católica, também. As dificuldades são enormes para conseguir recursos e vender material. Não é o caminho mais convidativo para quem quer uma segurança financeira. Claro que é possível acumular funções. Eu faço isso.

Impacto da iniciativa

Minha identidade jornalística está hoje vinculada à agência. Passei mais de seis anos no Estadão e não é possível para comparar a repercussão do meu trabalho atual com o da época. Hoje é muito maior. Não em termos de centenas de leitores, mas, por exemplo, no Estadão eu era mais um, e descartável. Há quatro anos, estou falando de determinados temas de modo recorrente e com poder e liberdade para tratar deles. Com isso, acabo atingido alguns públicos específicos. Estou indo para Curitiba, no Paraná, para falar sobre mídia e trabalho infantil, fruto do trabalho da agência. Na semana que vem, me sondaram para falar na Câmara dos Deputados sobre o mesmo tema. Não teria essa chance num grande jornal. Não existe setorista de infância. Quem cobre esses assuntos é o repórter de geral ou de cidade, entre outros tantos temas considerados mais importantes. No momento em que você define uma especialização na área social, acaba voltando aos temas que são absolutamente estruturais em um país que tem milhões de crianças que trabalham, são exploradas e abusadas sexualmente. A sociedade tapa os olhos para determinados problemas. Infelizmente, a questão social ganha espaço ainda na imprensa alternativa, com todas as suas dificuldades.

IHU On-Line – A mídia livre tem atuado, principalmente através da internet, dos blogs. Como o portal trabalha essa liberdade de expressão? O senhor considera os blogs, assim como alguns sites, importantes como canais de expressão independentes?
Alceu Luís Castilhos
– É claro que são importantes. Os blogs, por exemplo. Alguns têm pouca leitura, mas espero que conquistem milhares de leitores, o que não é a realidade hoje. No geral, os mais lidos são os que estão dependentes dos grandes veículos. Valorizamos obviamente o direito à comunicação, que é uma das nossas editoriais e prioridades. Aliás, temos hoje um movimento organizado de ativistas, jornalistas e estudantes envolvidos no tema do Direito à Comunicação. O que fortalece esse movimento não é tanto um blog ou agência específica, mas a rede. A força desse movimento, praticamente de contracultura, está nessa articulação dessa grande rede, onde cada indivíduo, autor e veículo têm suas características e particularidades e conseguem valorizar determinado tema. Ela é significativa diante da grande mídia e corporações de comunicação. Não estamos em um nível no Brasil como nos Estados Unidos e na Europa, com figuras independentes que ganham imenso destaque, como a jornalista canadense, Naomi Klein,  autora do livro Sem Logo, que tem uma visibilidade muito grande. E, mesmo como jornalista independente, Naomi consegue espaço na grande mídia que não pode ignorar esse movimento da sociedade civil sobre as questões sociais. Aqui no Brasil é muito diferente. Existem jornalistas que tentam fazer matérias nesse sentido, mas a liberdade para tocar em tais temas dentro da grande imprensa é tolhida. Esse espaço de debate sobre os temas sociais na grande mídia tornou-se menor ainda do fim dos anos 1990 para cá.

IHU On-Line – Quanto à demissão do Mário Magalhães da Folha, qual é a sua avaliação sobre esse fato? Trata-se de um retrocesso?
Alceu Luís Castilhos
– Essa demissão foi inaceitável, do ponto de vista empresarial, inclusive. Se o argumento da Folha de S. Paulo for verdadeiro, de que a crítica diária na internet estava sendo copiada, foi uma justificativa esdrúxula, como o próprio Mario Magalhães chegou a comentar. É um tiro no próprio pé de um jornal que se consagrou nos anos 1980 em cima de demandas da esquerda brasileira e que tem grande número de leitores potenciais. A Folha poderia ter se afirmado melhor com o velho discurso da independência. Ela perde credibilidade junto aos grupos mais progressistas. Não vejo esperteza empresarial nisso. Quanto à figura do ombudsman, nunca foi um espaço de liberdade de extrema crítica. Estão no aparelho do poder desses jornais. Alguns foram até conservadores e preocupados em manter o padrão Folha de qualidade, prezando pelos grandes valores do jornalismo e verdadeiras aberrações que há na mídia brasileira.

IHU On-Line – O senhor acredita que a imprensa consegue ser apartidária? Como vencer interesses corporativos sem cair na manipulação da informação?
Alceu Luís Castilhos
– Espero que haja imprensa apartidária, pois o mundo está muito longe de ser regido por partidos e governos. A democracia vai além do sistema representativo. No momento que ela se torna partidária, empobrece. A visão de mundo fica restrita a apenas a um elemento da sociedade que está, nas últimas décadas, enfraquecida com a globalização, com seus interesses corporativos. O desafio da independência não é em relação a partidos, mas em relação ao poder econômico. No nível local, temos grande dependência dos veículos em relação ao governo. No nível nacional, é bastante possível ser independente em relação ao governo.  

IHU On-Line – Como o senhor avalia o conceito “liberdade de imprensa”?
Alceu Luís Castilhos
– O conceito de liberdade de imprensa é utilizado de forma muito cínica pelos detentores dos meios de comunicação, apenas para satisfazer seus interesses. As discussões do Conselho Federal de Jornalismo evidenciam esse comportamento. Usam como pretexto a defesa da liberdade de imprensa, quando, na verdade, defendem liberdade empresarial e todas as distorções do sistema de comunicação brasileiro. Os políticos são donos dos meios de comunicação. E isso está longe de ser um sistema democrático sério. A liberdade de imprensa é prejudicada pela questão financeira, por enfrentar dificuldades. Onde está o dinheiro? A internet facilita, mas é preciso ter no mínimo tempo pra isso. É um conceito extremamente relativo porque a sociedade civil é dividida em classes. Quem tem mais poder aquisitivo desfruta de maior liberdade de expressão, seja individualmente ou contratando uma redação, ou um grande conglomerado de comunicação. Boa parte dos jornalistas da grande mídia está com suas colunas por não discordarem do que pensam os donos dos veículos.

IHU On-Line – Quais são os projetos do Repórter Social daqui para frente? 
Alceu Luís Castilhos
– Apesar das dificuldades, queremos nos consolidar como um veículo especializado nesses termos. Não só como veículo ou site, mas como fornecedores de conteúdo dentro da nossa temática. É preciso ter paciência e entender o processo para que possamos conquistar sustentabilidade financeira. Enquanto isso, a sociedade civil se organiza através dos baques que sofre com a globalização, com um governo de esquerda cada vez mais ao centro. Não ganhamos muito dinheiro, mas a Agência, em quatro anos de existência, acumula cinco prêmios de jornalismo. Há um reconhecimento nesse sentido. Dentro do pouco que podemos fazer, parece que foi muito bem feito. Ela consegue se tornar conhecida pelos integrantes dos movimentos sociais, dos sem-terra, alguns empresários como do Instituto Ethos. Futuramente, pretendemos lançar livros, o que ainda não fizemos por questões financeiras.

Nas palestras para estudantes nas universidades, percebemos o interesse deles em relação ao jornalismo social. Eu e o Fábio de Castro somos convidados a fazê-las, até pela falta de referência sobre jornalismo social. Os estudantes têm interesse porque percebem o status quo da mídia corporativa. Cabe a eles descobrirem, até pelos novos formatos eletrônicos, como furar esse cerco. Entretanto, é importante dizer que é possível fazer jornalismo social na grande imprensa. É preciso, para tanto, comprar essa briga nas redações. Os alunos não podem seguir indiferentes às questões do trabalho escravo, das desigualdades, da fome, da miséria. Acabam sendo cúmplices, cínicos e indiferentes com o universo social.

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