Edição 254 | 14 Abril 2008

Informação não é sinônimo de jornalismo

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Patricia Fachin

Para o jornalista Pedro Osório, o diploma contribuiu para que os donos dos veículos não sejam também os “donos dos critérios para dizer quem poderia ou não ser jornalista”

“Não me parece que os jornalistas da imprensa alternativa sejam mais éticos do que os empregados na grande imprensa, ou vice-versa. Há deslizes éticos e posturas exemplarmente éticas em ambas”, considera Pedro Osório, jornalista e professor da Unisinos. Adepto à obrigatoriedade do diploma na formação dos jornalistas, ele afirma que “só pode bem defender o trato ético da notícia, preservar a sua veracidade, quem estiver habilitado para tanto, treinado e vocacionado para o exercício do jornalismo”. Para ele, muitos integrantes da mídia livre ainda não aprenderam a utilizar a internet e tampouco a fazer jornalismo, divulgando, em muitos casos “palavras de ordem, e não fatos”.
Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, ele reitera que a “presunção da inexistência de interesses divergentes significativos” foi uma das principais “causas do desaparecimento da imprensa alternativa e da extinção da imprensa comunitária.” Em muitos casos, explica, o despreparo e o amadorismo jornalístico somaram-se “à incapacidade de equacionar, jornalisticamente, a expressão de interesses legítimos, ainda que diversos, na mesma publicação”.
Pedro Luiz da Silveira Osório é jornalista, graduado, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e mestre em Comunicação e Informação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Trabalhou em vários veículos de comunicação, entre eles a revista IHU On-Line. Foi Coordenador de Comunicação Social do Governo Municipal de Porto Alegre na gestão 1993-1996. Integra o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (EPCOM), de Porto Alegre. É também secretário-executivo do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), editor-executivo da revista MídiaComDemocracia, publicada pelo FNDC (www.fndc.org.br) e membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas no Rio Grande do Sul e do Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão, representando os jornalistas profissionais. Atualmente, é professor do curso de Jornalismo da Unisinos.

IHU On-Line - Que veículos, hoje, compõem a mídia livre? Qual é a importância da pequena imprensa na divulgação da informação, na atual conjuntura do jornalismo brasileiro?
Pedro Osório
– A indagação, obviamente feita à luz do movimento “por uma mídia livre”, já noticiado por esta revista, embaralha involuntariamente alguns conceitos. Como ocorre com o dito movimento – embora, naquele caso, a ação não seja involuntária. Penso que devemos distinguir tais conceitos, antes de atender ao espírito da pergunta. Como sabemos, a expressão “mídia” designa “meios”; especialmente os meios de comunicação de massa, e, desde relativamente há pouco tempo, os meios de comunicação interpessoais. Integram a mídia os chamados “veículos”. Assim, cada jornal impresso, por exemplo, é um veículo. Mas cada emissora de televisão também. Ou um determinado sítio internético. Nem este nem as tevês praticam, necessariamente, jornalismo. Todos os veículos, por certo, dão trânsito à informação – que não é sinônimo, necessariamente, de jornalismo. Feita esta distinção, para efeito de clareza, passo a me referir ao jornalismo, nesta e nas demais respostas. Me parece que este é o objeto principal dos questionamentos apresentados. Vamos lá: aceitando o termo “pequena” como referente à imprensa alternativa aos grandes veículos jornalísticos impressos e com propósitos sociais críticos, julgo que a importância da pequena imprensa no jornalismo brasileiro é, em termos absolutos, pequena. Em termos relativos, idem. O que é que temos? Pequenas publicações (os números das tiragens são aproximados) atuando no campo da contracultura ou da esquerda: a revista Caros Amigos, sobrevivendo, com uma tiragem de 40 mil exemplares mensais; a revista Retrato do Brasil, mensal, com seis mil exemplares; a revista Fórum, mensal, com tiragem inferior a 30 mil; o sítio Carta Maior, vivendo uma fase dificílima, tornada pública pelo próprio, sem patrocinadores, assim como as revistas. São publicações jornalísticas que adquiriram importância conceitual, por assim dizer, especialmente a Caros Amigos, existente há dez anos. Pode-se acrescentar o jornal Brasil de Fato, do MST, e talvez mais alguns poucos títulos, cuja inclusão não alteraria o cenário. Penso que, potencialmente, há um lugar destinado à pequena imprensa no imenso território brasileiro. Espero que as publicações atuais se consolidem e outras brotem e cresçam. A pequena imprensa pode evitar limitações editoriais típicas da grande imprensa, obrigatoriamente massiva, e desempenhar um papel importante na formação da consciência crítica nacional e no reforço da pluralidade.

IHU On-Line - Como o senhor percebe a ética jornalística na grande imprensa e na mídia alternativa? Há diferença entre ambas, nesse quesito? Que critérios são fundamentais para que a notícia seja tratada dentro dos princípios da conduta ética e profissional, levando em consideração a qualidade e a veracidade da informação?
Pedro Osório
– Não me parece que os jornalistas da imprensa alternativa sejam mais éticos do que os empregados na grande imprensa, ou vice-versa. Não considero a pequena imprensa “pura”, ou a grande “impura”, ou vice-versa. Há deslizes éticos e posturas exemplarmente éticas em ambas. Obviamente, aquilo que se faz na grande imprensa repercute mais, positiva ou negativamente. Quanto à qualidade e à veracidade da informação, derivam, em boa medida, da qualificação e da consciência profissional dos jornalistas. Só pode bem defender o trato ético da notícia, preservar a sua veracidade, quem estiver habilitado para tanto, treinado e vocacionado para o exercício do jornalismo. De todo modo, só poderá fazê-lo de modo eficaz quem dedicar-se ao estudo do jornalismo, das suas implicações sociais, das suas especificidades técnicas e da sua epistemologia. Não quero com isso dizer que a presença de um qualificado jornalista, ética e profissionalmente, em qualquer redação, garantirá que dela nasça um bom jornal. Mas uma redação composta de bons jornalistas, atentos à ética e à veracidade pode, sim, dar combate a determinadas linhas editoriais e qualificar o jornalismo praticado naquele veículo. Assim é em todas as atividades, me parece. Pois não foi, por exemplo, a postura ética e a ação coletiva de muitos padres que conduziram a Igreja Católica brasileira à destacada posição de combate contra a ditadura militar, denunciando a opressão e desenhando novos tempos, disseminando milhares de Comunidades Eclesiais de Base, mudando a história dessa instituição no país? Se isso ocorreu foi devido, de maneira determinante, ao preparo intelectual e político desses religiosos, às suas ações precedidas de profundas reflexões sobre a realidade nacional, sobre o povo brasileiro. Não foi obra de amadores bem intencionados, mas de pessoas preparadas para tanto. O mesmo se dá com o jornalismo, que só pode melhorar se praticado por profissionais preparados de modo semelhante. Guardadas, claro, as evidentes diferenças entre um padre e um jornalista, já que o jornalismo não deve nem pode ser definido como um sacerdócio, embora tenha uma notável relevância social.

IHU On-Line - A imprensa alternativa, com sua influência, sobretudo, por meio da internet, consegue ter um ponto de vista verdadeiramente social? Ela complementa ou fiscaliza a grande imprensa?
Pedro Osório
– Penso que a imprensa alternativa ainda não aprendeu a usar a internet. Por outro lado, embora a internet venha crescendo, apenas 17% dos domicílios brasileiros têm acesso à mesma, conforme os últimos dados do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (www.cetic.br). E tenho dúvidas quanto à adoção, pela imprensa alternativa, de um “ponto de vista verdadeiramente social”. Tomemos como exemplo o jornal Brasil de Fato, vinculado ao MST: ele representa “um ponto de vista verdadeiramente social”? Creio que não. Trata-se de uma publicação produzida por extraordinário e importante movimento social que ainda está aprendendo a fazer jornalismo. Divulga palavras de ordem, predominantemente. Se procurasse expor os fatos analiticamente, ainda que prioritariamente voltados à luta do MST, seriam de grande utilidade para o crescimento da consciência social dos brasileiros. Entretanto, deve-se reconhecer que a imprensa alternativa busca adotar pontos de vista “verdadeiramente sociais”, comparativamente aos da grande imprensa, à qual complementa, de maneira restrita. Mas não creio que tenha poderes para fiscalizá-la. Por isso, se é importante para a sociedade brasileira incentivarmos a pequena imprensa, é fundamental democratizarmos a grande imprensa. Essa tarefa só pode ser realizada mediante a adoção de políticas públicas de comunicação que regulem adequadamente a prática da comunicação social e qualifiquem o exercício do jornalismo. Só assim poderemos alterar o cenário antidemocrático da grande imprensa brasileira.

IHU On-Line - Com a atuação da mídia livre através de blogs e de sites da internet, torna-se necessário rediscutir as leis trabalhistas dos jornalistas, como carga horária, por exemplo? É possível tornar a prática condizente com a legislação?
Pedro Osório
– Não consigo discernir o que vem a ser a dita “mídia livre”. Em todo o caso, se a expressão deseja abrigar idéias como “livre da opressão”, “livre de interesses antipopulares”, nela só encontro razões para que a sua prática não dê guarida à exploração trabalhista. O exercício do jornalismo não é compatível com atitudes burocráticas, sabidamente. Mas isso ocorre em outras profissões. Médicos de um hospital, por exemplo, também não podem ser burocratas. Poder-se-ia dizer, até, que não deveriam parar nunca de atender os doentes, amenizar suas dores. Os jornalistas, de modo semelhante, poderiam trabalhar sem descanso, pois o mundo não pára e sempre haverá fatos relevantes para reportar e noticiar. Por isso mesmo, suas atividades devem ser claramente reguladas, protegendo-os da exploração e assegurando-lhes o direito ao convívio familiar, ao lazer, ao estudo, à saúde física e mental, assegurando-lhes o direito à humanidade, enfim. O bom desempenho de uma empresa jornalística, seja ela “livre” ou não, está a exigir mais horas de trabalho? Ora, que mais profissionais sejam contratados. A legislação pode mudar, para adequar-se às novas exigências da atividade jornalística? Talvez. Desde que os direitos fundamentais dos trabalhadores sejam respeitados: eles foram conquistados com sangue, suor e lágrimas. Ademais, a legislação trabalhista não impediu que, antes e agora, incontáveis jornalistas dedicassem (dediquem) suas melhores energias primordialmente à profissão e ao seu exercício digno e apaixonado.

IHU On-Line - O movimento que luta por uma mídia livre, independente, sugere que a profissão de jornalista deve ser exercida por qualquer pessoa. O senhor concorda com a idéia de que a obrigatoriedade do diploma limita a formação de jornalistas?
Pedro Osório
– Sou radicalmente a favor do diploma. Antes de abordar os desdobramentos dessa posição, porém, devo dizer que o referido movimento, ao embaralhar conceitos historicamente firmados, tal como mencionei na primeira resposta, dá trânsito a três equívocos. Primeiro: alimenta a idéia de que há/pode haver mídias “livres”, mas não as define. Tomando a expressão “mídia” como sinônimo dos meios de comunicação massivos ou interpessoais, pergunta-se: o que é uma mídia “livre”? Será “livre” a mídia que defende e transposição do rio São Francisco e, digamos “não-livre” a que apresenta idéias favoráveis à transposição? Será “livre” um jornal que condena a política econômica vigente e “não-livre” um jornal que apresenta idéias contrárias? Como se vê, a expressão “mídia livre”, ao deixar implícito que pode haver uma mídia independente de interesses, termina por mascará-los. E isso é muito ruim para a democracia. E ruim para a imprensa alternativa (eis o segundo equívoco). Reconhecidamente, foi a presunção da inexistência de interesses divergentes significativos uma das principais causas do desaparecimento da imprensa alternativa e da extinção da imprensa comunitária. O despreparo para lidar com as dissensões que caracterizam a democracia matou-as. Em muitos casos, esse despreparo somou-se ao amadorismo jornalístico, à incapacidade de equacionar, jornalisticamente, a expressão de interesses legítimos, ainda que diversos, na mesma publicação. Por fim (eis o terceiro equívoco), o movimento retoma uma idéia superada: a idéia de que a boa democracia nasce, basicamente, da proliferação dos meios de comunicação, livremente acessados e operados. Trata-se de uma abordagem que, não fosse já vencida, estaria sendo agora sepultada. É evidente, julgo, que a extraordinária potencialização dos meios de comunicação e do acesso aos mesmos, decorrente das novas tecnologias, pouco ou quase nada contribuiu para o aperfeiçoamento democrático. Poucos, muito poucos blogs, por exemplo, adquirem dimensão pública. E, nesses casos, invariavelmente estão ancorados em grandes portais. Ou seja: na grande mídia, da qual a pequena imprensa deseja livrar-se, tornando-se “livre”. Naturalmente, o livre acesso aos meios de comunicação integra os preceitos democráticos. Mas a democracia não pode prescindir dos meios de comunicação generalistas, daqueles que falam para todos. Alguém imagina que a nação brasileira se consolidará sem a presença dos grandes meios de comunicação de massa? Que sem eles será possível erguer e consolidar uma identidade brasileira marcada pela pluralidade, assegurando o trânsito indispensável ao conhecimento e à cultura universais? Por isso, prefiro o movimento pela democratização da mídia, defendendo a implantação de políticas públicas que estabeleçam formas de controle público sobre a mídia, minando-lhe a capacidade de impor interesses particulares sobre o interesse geral, de impor-se de maneira determinante sobre a política, a cultura, a economia. Naturalmente, a existência de meios de comunicação (generalistas ou não) inclui a idéia de mediação e, portanto, de mediadores. Neste caso, em se tratando de jornalismo, sustento que a referida mediação, nos veículos grandes ou pequenos, “livres” ou não, deve ser feita por jornalistas profissionais, devidamente diplomados, pelas razões já expostas.

IHU On-Line - Alguns jornalistas deixam de trabalhar com a imprensa alternativa por questões financeiras, já que muitas delas não conseguem manter o honorário dos funcionários. Como dar conta da ampliação dos fatos noticiosos, principalmente sob outra ótica jornalística, tendo em vista que poucos profissionais atuam no segmento alternativo e outras pessoas não podem atuar, uma vez que não são jornalistas?
Pedro Osório
– A idéia de que o diploma é elitista, pois restringe a profissão aos que não têm acesso à faculdade, é uma das muitas falácias que vêm sendo impingidas à opinião pública. Esse e outros argumentos que simulam veracidade já foram cabalmente desconstituídos pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), cujas posições estão expressas na publicação “Formação Superior em Jornalismo – Uma exigência que interessa à sociedade”, organizada pela referida entidade, com o apoio da Cátedra FENAJ-UFSC de Jornalismo para a Cidadania. O livro está em sua segunda edição e pode ser acessado em (http://www.fenaj.org.br/livro.pdf). Nele, a FENAJ observa que o argumento do “diploma elitista” abarca todas as profissões que têm em sua regulamentação a exigência de curso superior. E o considera falacioso, pois omite que a nossa sociedade é excludente e injusta ao não assegurar educação de qualidade para todos, como prevê a Constituição. Culpar a regulamentação profissional dos jornalistas pelas enormes desigualdades sociais beira a má-fé. A barreira econômica existente é a mesma para outras profissões tão importantes quanto a dos jornalistas. Na verdade (aqui faço minhas as palavras do jornalista Fred Ghedini, um dos articulistas do referido livro), a exigência do diploma é hoje uma garantia de acesso universal à profissão. Do contrário, os donos dos veículos seriam também os donos dos critérios para dizer quem poderia ou não ser jornalista. Nesse caso, eu prefiro a lei aos critérios patronais, sejam eles da mídia “livre” ou não. Quanto às dificuldades financeiras da imprensa alternativa, creio que não serão superadas mediante a contratação de pessoas mal remuneradas, diplomadas ou não. Não quero crer que a imprensa alternativa pretende obter dinheiro reduzindo o salário dos seus trabalhadores.

IHU On-Line - Uma das críticas à universidade é a de que ela faz convênios de estágios com a grande imprensa. Essa posição contribui para que os futuros jornalistas não procurem outros veículos, como os da mídia alternativa? Qual deveria ser a função da academia no processo de formação dos jornalistas?
Pedro Osório
– Desconheço essa crítica e não considero os referidos estágios prejudiciais. Pelo contrário, acho que deveriam ser ampliados, que a grande imprensa deveria aproximar-se da universidade. Ela (e o país) só teriam ganhos. Mas os donos das empresas jornalísticas temem a contribuição crítica da universidade. Preferem desqualificá-la, enquanto preservam seus feudos intocados. Quanto aos estágios na imprensa alternativa, podem ser também realizados. Talvez o interesse pelos mesmos aumentasse se os cursos de comunicação estivessem mais próximos das Ciências Humanas e Sociais. Não considero – e digo isso sempre que posso – que os universitários de hoje tenham menos interesse pelas questões sociais e políticas do que os estudantes da minha geração. Falta-lhes, reconheço, espírito crítico. O papel da academia é fazê-lo florescer.

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