Edição 254 | 14 Abril 2008

Do profissional ao amador: a diversidade da mídia livre

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Patricia Fachin

A informação extrapolou o campo da profissionalização. “Mídia, jornalismo e comunicação são coisas importantes demais para ficar na mão só de profissionais”, considera Ivana Bentes Oliveira

No mercado da mídia livre, tudo é possível, e, junto com as informações, discussões ideológicas pessoais ganham força através dos blogs. Referente a esse veículo, em entrevista à IHU On-Line, por telefone, Ivana Bentes Oliveira, jornalista e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comenta que prefere “muito mais esse ambiente, às vezes ‘irrelevante’ da informação pela internet, onde cada pessoa pode escolher o que é ou não interessante para si mesma”. A mídia alternativa tem colocado o cenário tradicional de informação de cabeça para baixo. “Esse novo meio de informação quebra com a hierarquia, com esse lugar tradicional, com essa autorização social dada apenas para alguns veículos”, acrescenta.
Embora não defenda a obrigatoriedade do diploma, a professora reafirma a necessidade de qualificar o ensino profissional de jornalismo. “É preciso formar jornalistas, produtores de mídia comprometidos e engajados com a questão da pluralidade e do aumento da produtividade social. Essa idéia da diversidade e do comum, do que interessa a todos, questões ligadas à saúde, educação, arte, cultura, tudo que possa aumentar a nossa produtividade social, deve ser tema de debate no meio acadêmico”.
Ivana Bentes Oliveira é doutora em Comunicação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde hoje é diretora da Escola de Comunicação. Como jornalista, atuou em jornais como o Jornal do Brasil.

IHU On-Line – Traçando um paralelo entre a imprensa dos anos 1960 e a atual, a senhora diria que a mídia deixou de cumprir seu papel de solidariedade com o povo? O jornalismo romântico perdeu seu espaço para o jornalismo técnico?
Ivana Bentes Oliveira
– Sempre é complicado generalizar. Antes do aparecimento das escolas de comunicação, existia uma relação entre quem fazia jornalismo e quem, na área da cultura, fazia cultura. Nessa época, a imprensa disponibilizava um espaço muito grande para escritores, cineastas e militantes. Nos anos 1960, tivemos a emergência de uma outra mídia, de um outro tipo de jornalismo, que se deu com a imprensa alternativa. Com a internet, vivemos atualmente algo parecido, com a proliferação de jornais e revistas com uma linguagem distinta e propostas diferentes.

Eu não diria que o romantismo desapareceu. Mas claro que hoje existem questões políticas complicadas que dizem respeito a oligopólios e à concentração de poder econômico em alguns meios de comunicação. Nos acostumamos a achar que o importante é o factual, quando o jornalismo de análise, de interpretação, perdeu muito espaço. Mas, por outro lado, nesse mesmo contexto, surge uma mídia livre ligada às novas tecnologias, que viabiliza o que não era possível na década de 1960 e 1970: qualquer pessoa pode se tornar um produtor de mídia.

O que me parece grave e constante na história da imprensa brasileira é a concentração de poder econômico e político em alguns meios de comunicação. Por isso, julgo necessária a intervenção do Estado e da sociedade na regulamentação do mercado de comunicação.

IHU On-Line - Muitos veículos alternativos, livres, desempenham essa atividade mais crítica. Contudo, não lhe parece que, em contrapartida, alguns blogueiros e sites, ao invés de se preocuparem em informar o leitor com qualidade e compromisso social, acabam caindo em discussões irrelevantes, de cunho extremamente pessoal?
Ivana Bentes Oliveira
– Sem dúvida, na internet existem conteúdos irrelevantes. Mas, quando falamos de democratização e diversidade da informação, precisamos pensar justamente como administrar esse tipo de possibilidade. Claro que nem todos os blogs são interessantes, mas me parece que é fundamental ter essa multiplicação das possibilidades para que ocorra a democratização da mídia.
Hoje, os principais veículos de comunicação não expressam a multiplicidade, a diversidade e a própria idéia de democracia, e sim a multiplicação dos interesses. Na verdade, a crise não é dos blogs, e sim da democracia representativa. É como se os jornais e revistas da grande imprensa representassem a nossa opinião e pautassem o que é ou não importante. Por isso, prefiro muito mais esse ambiente às vezes “irrelevante” da informação pela internet, no qual cada pessoa pode escolher o que é ou não relevante para si mesma.

Hoje, considero o Google o caderno de cultura mais importante do mundo. Através dele, busco informação e encontro assuntos diferentes. Não encontro esse conteúdo no Segundo Caderno dos jornais ou revistas tradicionais. Esse material também pode apresentar um texto interessantíssimo e uma opinião com a qual eu jamais teria contato, se não fosse através da rede.
Na internet, encontramos matérias que se estendem desde a produção profissional à amadora, que pode ser sim, relevante. Então, esse novo meio de informação quebra com a hierarquia, com esse lugar tradicional, com essa autorização social dada apenas para alguns veículos. Essa é uma mudança radical e que coloca de ponta cabeça esse cenário da concentração, que deve, justamente, ser colocado em xeque. Nos acostumamos a passar um recibo à grande imprensa para que ela administre, de certa maneira, o que é ou não irrelevante. O nível de homogeneidade entre os principais jornais do país é muito grande e essa monocultura é muito ruim.

IHU On-Line – Nos encontros de mídia livre, tem se discutido a necessidade da pluralidade e independência dos meios de comunicação. Podemos dizer que, no Brasil, a maioria das mídias alternativas é independente?
Ivana Bentes Oliveira
– A questão da independência sempre traz a discussão: dependente de quem e do quê? Por isso, preferimos o termo mídia livre, no sentido de caracterizar um horizonte de liberdade de expressão e diversidade de formação. A questão crucial, hoje, em relação a essa nova mídia é exatamente a questão econômica. Claro que isso é um problema. Por isso, é preciso questionar a divisão das verbas públicas, que são investidas nos meios de comunicação tradicionais. Assim, é importante pensar em políticas públicas de incentivo, apoio e fortalecimento a essa diversidade.

A independência e a liberdade econômica trazem à tona um velho problema: o da manutenção e sustentação tanto dos jornais, dos blogs, quanto das agências de notícias. Para fazer essa mídia alternativa, também é necessária uma infra-estrutura mínima. Políticas públicas que possibilitem acesso gratuito à internet, por exemplo, é fundamental.

Mídia, jornalismo e comunicação são coisas importantes demais para ficar apenas na mão de profissionais. É algo que extrapolou o campo da profissionalização e diz respeito à constituição da própria radicalização do que chamamos de democracia. Assim, devemos pensar a mídia como um direito. Comunicar se tornou uma necessidade social; todos podem contribuir.

IHU On-Line – Uma vez que todos têm direito de informar e podem trabalhar com a informação, a profissão de jornalista deixa de ser fundamental?
Ivana Bentes Oliveira
– Ao contrário. As escolas de comunicação nunca foram tão valorizadas por conta dessa ampliação do campo. Junto com esse desejo de expressão surge a necessidade de um aprimoramento das técnicas ligadas à produção da informação, a novas possibilidades de gêneros jornalísticos. Ou seja, a formação nunca foi tão necessária para ampliar, melhorar e produzir um diferencial em relação a esse direito que é de todos.

IHU On-Line – A senhora é contrária à obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão de jornalista. Partindo da idéia de que o diploma não se torna obrigatório, por que um estudante que pretende ser jornalista vai cursar uma graduação de jornalismo, ao invés de estudar sociologia, economia ou política, por exemplo?
Ivana Bentes Oliveira
– Essa possibilidade do aluno se matricular em outra graduação é um excelente motivo para os cursos melhorarem. Assim, os estudantes vão procurar cursos de jornalismo que realmente façam uma diferença na formação. O diploma acaba com aquele curso que tem como valor vender o certificado. A partir do momento que acaba a obrigatoriedade do diploma, acabam também os cursos ruins. Somente os cursos que produzem um diferencial de formação, de teoria, de arsenal tecnológico e de pensamento irão sobreviver.

O curso de Publicidade, por exemplo, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não entrega diploma e nem por isso acabou. Muitos dos alunos que se formam estão empregados. Esse é um curso super procurado e as agências de publicidade preferem os profissionais com uma qualificação universitária, mas não existe a exigência do diploma. Então, o diploma não regula. A qualidade é que regula o fato de alguém ficar mais qualificado do que outro.

IHU On-Line – A senhora afirma também que a questão da produção jornalística deve ser ampliada. Em que sentido as universidades devem mudar sua lógica de ensino? Cabe a elas incentivar os estudantes para que estes despertem interessem em atuar em outros veículos, como os da mídia livre, por exemplo?
Ivana Bentes Oliveira
– Sem dúvida. As universidades devem se preocupar em criar cursos bons de formação de mídia, de tal maneira que efetivamente tenhamos uma demanda dessa formação. As universidades, junto com os cursos de comunicação, precisam apresentar aos seus estudantes essa possibilidade de atuar nas novas mídias, que representam um mercado enorme. Mais do que isso, os cursos devem se preocupar em ensinar o jornalismo de interesse público. A questão da comunicação é crucial hoje como a concebemos na democracia. Então, as universidades devem incorporar essa questão. É preciso formar jornalistas, produtores de mídia comprometidos e engajados com a questão da pluralidade, do aumento da produtividade social. Essa idéia da diversidade e do comum, do que interessa a todos, questões ligadas à saúde, educação, arte, cultura, tudo que possa aumentar a nossa produtividade social, deve ser tema de debate no meio acadêmico.

Questionar o que é jornalismo público dentro e fora das salas de aula é imprescindível. A universidade precisa começar a introduzir no seu discurso esse tipo de discussão. Os cursos ainda estão muito voltados para a formação de mercados, no sentido de formar profissionais para os poucos veículos tradicionais. Claro que ainda devemos formar para esse mercado, mas com um diferencial, ou seja, educar profissionais para entrar no mercado e mudá-lo, não simplesmente reproduzir o que se encontra estabelecido. 

IHU On-Line – E isso é possível? Muitos jornalistas, embora não concordando com a linha editorial dos veículos, se submetem a trabalhar para eles por questões financeiras. É possível um jornalista se manter na grande imprensa e garantir seus valores éticos e morais? 
Ivana Bentes Oliveira
– Essa é uma questão ampla e vai além do jornalismo. Essa batalha do jornalista e seu impasse ético dentro de uma corporação que, digamos assim, faz uma comunicação contra a sociedade, é uma questão ética fundamental. Em qualquer lugar ou profissão teremos esse tipo de problema. Por isso, digo que a formação do jornalista deve incluir, sim, valores morais. É muito importante que os jornalistas possam responder a isso não só individualmente, correndo risco de perder seu emprego, mas se organizando, estando fortes o suficiente para responder a determinadas arbitrariedades de forma coletiva.
Quem entra numa empresa está sujeito à pressão e, muitas vezes, acaba se isolando. Isso acontece porque os próprios jornalistas não formam grupos coletivos dentro das grandes empresas, por exemplo. Se interiorizarmos essa idéia nos novos profissionais, sem dúvida, a médio e longo prazo poderá se abrir um novo horizonte de impedimento dos próprios veículos de comunicação que aí estão. Cada vez mais, esses meios serão pressionados pela sociedade a se retratarem. A televisão, por exemplo, cada vez mais é obrigada a se explicar.

IHU On-Line – Como a senhora avalia a demissão do ombudsman da Folha de S. Paulo, na última semana? Isso demonstra que as empresas jornalísticas não querem mais tornar públicas as criticas através de um profissional da empresa, já que muitos jornalistas, em seus blogs, se encarregam disso?
Ivana Bentes Oliveira
– Isso é uma quebra de contrato, porque o Ombudsman não pode ser demitido antes do término do seu mandato. A garantia do ombudsman, diferente dos outros jornalistas, é não perder o emprego a partir do momento em que coloca em xeque uma linha editorial do veículo. Nesse sentido, o jornalista deveria estar assegurado e não poderia perder o emprego em função de retalhamento político ou ideológico.

Demitir um jornalista nessas circunstâncias fere a ética da própria corporação. Mas, sem dúvida, há um desconforto das empresas diante desse avanço da cobrança. Esse profissional é fundamental no momento em que o público precisa de advogados dentro das corporações. Entretanto, onde está o ombudsman da televisão? Por que a TV não tem ombudsman e por que nesse veículo não há direito de resposta?
Essas empresas ainda não chegaram ao nível de transformar o seu leitor em um construtor da notícia. Ter alguém que vai estar o tempo todo checando e intervindo na própria construção da notícia demonstra a grande mudança do jornalismo contemporâneo. Leitores e expectadores também podem ser produtores de notícia, pois também têm opiniões. Na internet, isso já está muito claro, mas ainda não chegou na grande imprensa com a facilidade que ocorre nos blogs.

IHU On-Line – Como a senhora tem percebido a discussão entre os jornalistas e os participantes do encontro de mídia livre? Que debates devem ser ampliados?
Ivana Bentes Oliveira
– Há vários pontos importantes. Existe, obviamente, uma questão muito concreta ligada a políticas públicas para democratizar as verbas publicitárias, investidas apenas em grandes veículos.
Devemos também avançar em outras questões, principalmente na discussão dessa mudança do perfil do produtor de mídia. Precisamos começar a discutir que os cursos de comunicação não devem formar simplesmente para os meios tradicionais. É preciso criar novos mercados, ou seja, hoje, o estudante de jornalismo pode criar o seu próprio emprego, não precisando se encaixar nos veículos tradicionais. A universidade precisa estar atenta para esse cenário de mudança.

Estamos num tempo em que é importante avaliar que tipos de profissionais foram formados, além do avanço das corporações na própria formação dos jornalistas. Os próprios veículos promovem cursos dentro das universidades, o que é bastante problemático, porque eles capturam os estudantes ainda em formação a fim de formatá-lo para um tipo de produção de mídia muito questionável.
A função dos sindicatos também é muito importante. Por que os jovens estão tão afastados dos sindicatos? Será que eles refletem, de fato, os interesses desses profissionais? Na minha avaliação, isso não existe. Esses são alguns dos desafios que estão presentes nos encontros de mídia livre. Assim, chegamos à conclusão de que é preciso criar novos mecanismos de acesso aos meios de comunicação de produção de mídia que saiam desses constrangimentos estatal, sindical e corporativo.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição