Edição 379 | 07 Novembro 2011

A filosofia atrás de uma muralha?

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Márcia Junges



IHU On-Line – Qual é a atualidade a filosofia da Escola de Frankfurt e de obras como o Discurso filosófico da modernidade, de Habermas ?

Massimo Canevacci – Horkheimer  foi professor de filosofia social. Isso é de um tipo de pensamento crítico, teoricamente baseado sobre a grande tradição da filosofia alemã, e que, ao mesmo tempo, deseja fazer pesquisa empírica. O projeto Autorität und Familie foi não somente transdisciplinar e além da assim dita dialética “estrutura/superestrutura: foi baseado sobre uma atenta hipótese teórica e uma profunda análise dos materiais empíricos elaborados com diversas metodologias e diversos pesquisadores numa perspectiva crítica para enfrentar e contrastar a força de uma autoridade autoritária que se expandia na Alemanha e em culturas ocidentais inteiras. Depois, o mesmo Adorno  elaborou a escala “F” sobre a “personalidade autoritária” difundida também nos Estados Unidos. A teoria crítica foi um caso único, talvez irrepetível: misturar a máxima abstração teórica e o máximo de detalhes empíricos. Máxima teoria e máxima empiria.

Procura do incompreensível

Habermas não é, nesse sentido, um continuador da Escola. Ele exprime um refluxo no âmbito da filosofia baseada sobre a filosofia, sobre si mesma. Isso quer dizer que filosofia sem pesquisa empírica é regressão contínua. Frankfurt tem alguns limites, claro, sobre a técnica, a música jazz (pena que Adorno nunca ouviu John Coltrane) e um pensamento que colocou em crise a dialética sem conseguir experimentar o além do negativo: mas somente para citar o ultimo livro de Said, Late style, onde a influência de Adorno sobre a música contemporânea e, em geral, o desafio que um artista ou teórico enfrenta nos últimos períodos da vida dele, é não só genial, mas também um verdadeiro assunto que deveria misturar antropólogos e filósofos.
A atualidade da escola de Frankfurt não fica no pensamento de Habermas; vive como irredutível estilos últimos. Os estilos últimos procuram o incomprensível, que por Adorno não é o desconhecido: é um pensamento que não fica circundado e bloqueado pela lógica da identidade.

IHU On-Line – Quais são os filósofos e obras fundamentais na filosofia?

Massimo Canevacci – Esta é uma pergunta difícil e, ao mesmo tempo, deliciosa. Sabemos que aparentemente a macarronada é uma, mas na verdade são infinitas as maneiras de cozinhar os spaghetti. E os filósofos criam um tipo de “pasta” utilizando elementos conhecidos e inventando sabores inovadores, nunca experimentados antes. A arte de cozinhar, olhar, comer, mastigar, digerir, descansar, defecar e imaginar. Assim apresento fragmentos saborosos de filósofos misturados com a finalidade de um late style antropofágico. A minha tentativa em minha tese de doutorado sobre a Escola de Frankfurt foi sempre de tentar misturar, através de montagem de fragmentos, as correntes mais humanistas ocidentais e como “filósofos sem filosofia” (no sentido de uma disciplina acadêmica ou institucionalizada) que diferentes culturas elaboraram. Assim, gosto menos do Sócrates platônico e mais da crítica que Nietzsche elaborou contra essa construção. Adorei os pré-socráticos, Heráclito , depois Demócrito  e Zenon , Pitágoras, Eurípedes  e Safo... O mesmo Adriano foi um imperador/filósofo excelente junto com Ovídio. A filosofia de Leonardo e do Renascimento, em geral, é ainda parte de mim. Os artífices... Espinosa  e os iluministas (Diderot, Rousseau). Hegel da fenomenologia e da estética, claramente Marx, Freud, Rosa de Luxemburgo  e Gramsci . Adorno e Benjamin que continuam a dialogar sem parar. Nietzsche de A genealogia da moral. Tudo isso se mistura seja com as obras de artistas ou poetas (Rilke , Musil , Baudelaire , Leopardi ), seja (e mais complicado ainda) com pessoas assim ditas “outras”, nascida em culturas diferentes da ocidental, não só no Oriente, mas na África, como Ogotemeli (em diálogo com Griaule), nos bororo atuais, Kleber Meritororeu, que tenta afirmar sua cosmogonia cultural além da influência salesiana, Divino Tserewahu, cineasta xavante que elabora a sua própria visão do mundo; Daniel Mundurucu, que escreve livros reivindicando a autonomia da aldeia sem missão.

Os assim ditos indígenas frequentemente (e infelizmente) sem nome que influenciaram Bateson, Lévi-Strauss, Malinowski . E queria ainda mais misturar com Armani, filósofo do corpo e da estética, os arquitetos Herzog & De Meuron, Renzo Piano, Niemeyer  que modificam o sentido comum e criam metrópoles. Os estilos últimos de Beethoven : a sonata op. 111 é filosofia, como o plano-sequência de Antonioni , doente, que caricia Mosé di Michelagelo ou o canto/choro de José Carlos Kuguri na aldeia de Garças, na frente do crânio transfigurado em arara sagrada da sua esposa.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Massimo Canevacci – Atualmente virou hegemônico o pensamento de Deleuze/Guattari e Foucault/Agamben. Esse último inventa um mito (homo sacer) para explicar o estado de exceção do 11 de setembro de 2001. Tudo isso me parece muito estranho, uma regressão pré-iluminista bem perigosa e obscurantista. Ele favorece uma visão aparentemente crítica, mas na verdade ele é um tipo de pesquisador sobre o direito público que Marx teria já criticado na época dele. Heidegger e o seu irracionalismo racional está presente em Agamben junto com a crítica mais facciosa contra Adorno. Claro, a análise adorniana sobre a relação mito/ratio coloca o homo sacer e seu autor onde merecem. Agamben continua a afirmar a tradição de uma razão mítica (ou de um mito razoável) que não explica nada do estado atual, justifica ou é indiferente ao terrorismo teológico que quer um estado teocrático, sorri distraído na frente da revolução baseada sobre a comunicação digital, como já falamos. Assim, a microfísica/dispositivo de Foucault é o resultado de uma genealogia (aquela de Nietzsche) que virou historicismo. Agamben e Foucault representam a transformação da crítica genealógica em mitologias historicistas. Steve Jobs cria dispositivos horizontais e inovadores: Agamben reproduz a verticalidade separada da filosofia/muralha. Filosofia murada. O mesmo sobre algumas teorias de Deleuze/Guattari, especificamente Mil platôs, que eu enfrentei na versão italiana de Sincretismos nunca traduzida no Brasil.
Por isso a filosofia atual está fora da filosofia, assim como muita antropologia. Precisamos modificar o que se entende por filosofia: ela não é a história de uma disciplina, uma história ocidental, uma história historicista. Assim como nos pré-socráticos, no Renascimento, no Iluminismo, a filosofia pensa e modifica o contemporâneo (isto é, não só o que é atual: Michelangelo é contemporâneo para mim como Ovídio).
A filosofia precisa se interrogar novamente sobre o estupor. O estupor é um método filosófico não dos “primitivos”, e por isso “superficial”. É um método para se abrir ao estranho, ao diferente que está para acontecer mas ainda não se apresentou, e por isso o pesquisador deseja o desconhecido. Nell’attimo prima. O estupor é a porosidade do corpo/mente. Conhecer a história da filosofia e ao mesmo tempo os pensamentos de outras culturas (“nativas”) é fundamental para produzir pensamentos hic et nunc. O historicismo dominante na filosofia é a morte da filosofia.

Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Massimo Canevacci à IHU On-Line:


* Comunicação horizontal e cidadania transitiva: a construção de um novo modelo democrático. Notícias do Dia 30-08-2011;
* A cidadania transitiva no contexto da comunicação digital. Notícias do Dia 21-07-2011.

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