Edição 358 | 18 Abril 2011

A anistia não é esquecimento ou amnésia

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Márcia Junges

IHU On-Line - O que essa lei significou para torturadores e torturados?

José Carlos Moreira Filho -


IHU On-Line - Em que medida a Comissão da Verdade irá resolver os casos obscuros da ditadura?

José Carlos Moreira Filho -
Será de fundamental importância o trabalho do Congresso Nacional para que a Comissão da Verdade no Brasil seja uma realidade efetiva. Acredito que a mera aprovação do projeto de lei enviado pelo Executivo não será o suficiente. É preciso fazer modificações no texto do projeto. Para começar, o tempo de dois anos é muito pouco a fim de que se consiga realizar minimamente o que se pretende. Este problema poderia ser resolvido com a menção de que o prazo fixado poderá ser prorrogado caso necessário. Outro ponto não muito claro do texto do projeto é o que se refere aos documentos sigilosos. Ali se diz que a Comissão deverá ser sigilosa na manipulação de tais documentos, mas não se afirma que este sigilo deverá ser eliminado no momento da divulgação do relatório final.
Com relação à possibilidade real de se descobrir novas informações sobre o que aconteceu na repressão promovida pela ditadura, entendo que o afastamento de qualquer possibilidade de responsabilização aos seus agentes é prejudicial. Afinal, o que poderia levar um agente que torturou, assassinou e promoveu o desaparecimento forçado de pessoas, bem como quem ordenou, apoiou ou sustentou tais ações, a revelar a verdade, já que não haveria nenhum risco de uma responsabilização a partir da qual se pudesse negociar uma anistia, como foi feito na África do Sul? Uma eventual responsabilização, hoje, depende de como o governo pretenderá ou não cumprir a sentença da Corte da OEA.

De todo modo, entendo que, mesmo sem a possibilidade de responsabilização, a existência de uma Comissão da Verdade no Brasil seria muito importante. Além de ela sempre poder trazer a possibilidade de que alguns agentes se sintam arrependidos e falem, ou de encorajar pessoas que não participaram diretamente a contarem o que sabem, é possível que muitos documentos secretos em poder das Forças Armadas possam vir à luz, e que a publicização das atrocidades venha a causar uma mobilização social em prol da responsabilização. Na Argentina, foi somente após a conclusão dos trabalhos da Comissão da Verdade que se iniciaram os julgamentos por violações de Direitos Humanos, tendo sido de inestimável importância o relatório produzido pela Comissão.


IHU On-Line - Esquecer é matar duas vezes. Como conscientizar e informar os jovens do que houve em nosso país há tão pouco tempo?

José Carlos Moreira Filho -
Para isto, é fundamental a publicização dos crimes cometidos pela ditadura, pois somente assim poderemos sair do signo do silêncio e da negação e, inclusive, termos mais condições de inserirmos este tema na nossa formação educacional, seja nos livros didáticos ou nas aulas ministradas por nossos professores em todos os níveis de ensino. Indispensável, igualmente, que a conscientização e a informação ocorram também no âmbito formativo das nossas instituições de segurança, como o Judiciário, as polícias e as Forças Armadas. Penso, por fim, que é extremamente estratégica uma mudança nos cursos de Direito do país no sentido de abarcarem a temática e de promoverem o resgate da memória política em sala de aula, afinal é das faculdades de Direito que saem nossos juízes e delegados de polícia. Em abril de 2010, tive a oportunidade de realizar uma oficina especificamente sobre este tema no Encontro da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi) ocorrido na FGV do Rio de Janeiro. Nesta oficina percebemos que em todas as disciplinas do curso de Direito é possível trabalhar o conteúdo da memória política brasileira. Por exemplo, em Direito Administrativo seria importante que, antes de se fazer uso da obra didática de Hely Lopes Meirelles  - uma das mais utilizadas nos cursos de Direito -, se soubesse que ele, quando foi secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, apoiou entusiasticamente a formação do Esquadrão da Morte, liderado pelo sanguinário Sergio Paranhos Fleury.


IHU On-Line - As ditaduras que caem em dominó na Tunísia e Egito e a que treme na Líbia, onde Khadafi está prestes a ruir, são sinais de esperança para um mundo mais justo e democrático? Por quê?

José Carlos Moreira Filho -
Acredito que sejam sim, pois mostram que, quando a sociedade se organiza e se mobiliza, ela pode conquistar direitos, de modo muito mais legítimo, pacífico e eficiente do que qualquer intervenção estrangeira. E esta é a forma mais elevada de democracia, aquela que vem de baixo para cima, das ruas para as instituições. Penso também que o ocorrido é importante para que o mundo ocidental reveja o seu preconceito etnocêntrico em relação ao mundo árabe, percebendo que parte expressiva do seu povo possui vocação e desejo para a construção de sociedades democráticas, e que, mesmo no âmbito de teocracias como a iraniana, existem pessoas e grupos que não compactuam com o extremismo religioso e a violência que dele emana.


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>> José Carlos Moreira Filho
já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. O material está disponível no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).

Políticas de memória, um dever social. Entrevista publicada na IHU On-Line número 343, de 13-09-2010

'É imoral igualar o terrorismo do Estado brasileiro à luta que se empreendeu contra ele'. Entrevista especial com José Carlos Moreira da Silva Filho, concedida em 12-1-2010 e publicada nas Notícias do Dia

Lembranças vivas, feridas abertas: a punição aos torturadores da ditadura no Brasil. Entrevista especial com José Carlos Moreira da Silva Filho, concedida em 22-8-2009, para as Notícias do Dia

A afirmação positiva da diferença. Entrevista publicada na IHU On-Line número 266, de 28-07-2008

Um direito mais amplo e interdisciplinar. Entrevista publicada na IHU On-Line número 305, de 24-08-2009

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