Edição 253 | 07 Abril 2008

O direito homoafetivo, que contempla os segmentos GLBTs, é uma conquista

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Graziela Wolfart

A abertura da Igreja é crescente, apesar das resistências, afirma Luís Corrêa Lima sobre a postura religiosa em relação ao homossexualismo

“A adoção de crianças por casais gays é algo que mexe com paradigmas fundamentais, que são a família e a filiação. E muitos se assustam com isto”, afirma o Luís Corrêa Lima, ao analisar as uniões homoafetivas, em entrevista por e-mail para a IHU On-Line. Graduado em Administração pela FGV-SP, e em Filosofia e Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, ele fez mestrado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e doutorado em História na Universidade de Brasília (UnB). Padre jesuíta, atualmente, é professor no Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, e membro do seu programa de pós-graduação. Leciona também no Departamento de Teologia da mesma Universidade, além de desenvolver pesquisas sobre diversidade sexual, cidadania e religião. É autor de Teologia de Mercado - uma visão da economia mundial no tempo em que os economistas eram teólogos (Bauru: EDUSC, 2001). 

IHU On-Line - O senhor acredita que “novos ventos” estão soprando na Igreja Católica em relação à união homossexual?
Luís Corrêa Lima
- Sim. A Igreja está alicerçada na milenar tradição judaico-cristã, mas, ao mesmo tempo, está espalhada pelo mundo e vivendo na cultura moderna. Ela é sempre um microcosmo interagindo com a sociedade na qual está mergulhada. A despatologização da homossexualidade, a renúncia às terapias de reversão e a reivindicação de direitos homoafetivos trazem um novo enquadramento para esta realidade social. Muitos fiéis católicos – leigos e clérigos, religiosos e teólogos – acolhem os gays e são bastante sensíveis à sua situação. A abertura da Igreja é crescente, apesar das resistências.

IHU On-Line – Qual é a importância do fato de o novo presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Robert Zollitsch, declarar-se a favor da união civil dos homossexuais?
Luís Corrêa Lima
- Trata-se de uma grande conferência episcopal, situada no país do papa e com forte influência na Igreja. Um presidente de uma conferência de bispos não faria uma declaração dessas sem o respaldo interno de seus pares, os outros bispos, e sem um amplo consenso da Igreja local. O discurso eclesiástico sempre se pautou pela defesa da família tradicional, fundada na união indissolúvel entre um homem e uma mulher. Outras formas de união – solúveis, homoconjugais ou não monogâmicas - eram vistas como ameaça. Zollitsch considera a legalização das uniões homoafetivas como um dado da realidade social que demanda um procedimento adequado. Há pessoas de condição homossexual, e o Estado deve adotar uma legislação correspondente. Não há ameaça à união heterossexual.

IHU On-Line - Qual é a sua opinião sobre a forma como o Vaticano e o Papa encaram a união entre pessoas do mesmo sexo?
Luís Corrêa Lima
- Há uma mudança recente no Vaticano. No tempo de João Paulo II, a pregação era bem dura: as uniões homossexuais eram “nocivas” à sociedade, e deveria haver oposição clara e incisiva ao seu reconhecimento legal, sobretudo dos políticos católicos. Já o papa Bento XVI tem uma postura diferente. Ele condena com veemência o uso do termo “matrimônio” para as uniões homoafetivas, mas é moderado ao se opor ao seu reconhecimento civil. O papa diz que este reconhecimento “parece perigoso e contraproducente”, pois enfraqueceria a família tradicional. Os termos, portanto, não são taxativos e dão margem ao diálogo. “Parece” não significa necessariamente que seja, e “perigoso” não quer dizer inadmissível. A legalização pertence à esfera do Estado, instituição independente da Igreja, que lida com a vida de crentes diversos e não crentes. Quanto ao suposto risco para a família tradicional, isto é bastante questionável. União homo e união hetero são de naturezas distintas e não concorrem entre si.

IHU On-Line - Como o senhor vê a união civil entre gays? Qual é a contribuição disso para a compreensão das transformações de nossas sociedades?
Luís Corrêa Lima
- Nós vivemos um novo ciclo civilizatório, a modernidade. Ele se caracteriza, entre outras coisas, pela centralidade do indivíduo e pela secularização, que é a autonomia de realidades mundanas frente à religião. Daí resulta a separação entre Igreja e Estado e a autonomia das ciências. A centralidade do indivíduo se traduz nos direitos humanos, que restringem o poder do soberano frente o súdito e ampliam a liberdade do indivíduo em relação à coletividade. Os direitos humanos foram se desdobrando em categorias que o indivíduo faz parte ou se relaciona. Assim, temos os direitos da mulher, do idoso, da criança, das etnias, o direito ambiental, etc. Agora, surge o direito homoafetivo, que contempla os segmentos GLBTs. 
 
IHU On-Line - Se o termo “matrimônio” é reservado apenas para uniões heterossexuais, que nomenclatura poderíamos utilizar no caso de uniões homoafetivas?
Luís Corrêa Lima
- A bem da verdade, ninguém controla totalmente o significado dos termos. É a chamada “virada lingüística” da modernidade recente. De qualquer maneira, muitos não fazem questão do termo “matrimônio”. No Brasil, há um projeto de lei de união civil, da então deputada Marta Suplicy.  Ele prevê que “matrimônio” e “casamento” fiquem reservados às uniões heterossexuais, em razão de suas implicações ideológicas e religiosas. Para as uniões do mesmo sexo, empregam-se “parceria” e “união civil”. Algo semelhante fez a Suprema Corte do Estado norte-americano de Nova Jersey. Ela reconhece os mesmos direitos às duas formas de união, mas usa “matrimônio” somente para homem e mulher. Também a Igreja Luterana da Suécia autorizou a benção de uniões homoafetivas, mas sem considerá-las como um “matrimônio”.
 
IHU On-Line - Em que medida o reconhecimento jurídico da união homossexual interfere na concepção atual de família e na questão da reprodução humana? Onde entra, neste caso, a questão da adoção de crianças por casais gays?
Luís Corrêa Lima
- A família e o matrimônio estão em constante mudança. Nos tempos bíblicos, por exemplo, a mulher era propriedade do homem assim como a casa, o escravo e o jumento (Êxodo, 20). A função dela era gerar descendentes para a família do marido. Caso ficasse viúva e sem filhos, ela precisaria se casar com o cunhado para cumprir esta função. Houve uma mudança enorme até os dias de hoje. E as mudanças continuam. A adoção de crianças por casais gays é algo que mexe com paradigmas fundamentais, que são a família e a filiação. E muitos se assustam com isto. Os bispos norte-americanos enfrentaram esta questão. Eles são contra este tipo de adoção. No entanto, aprovaram recentemente o batismo de crianças sob a responsabilidade de casais gays, desde que haja o propósito de educá-las no catolicismo. E muitas escolas católicas nos Estados Unidos recebem estas crianças. Em muitos lugares, elas convivem com outras crianças sem problemas ou reclamações dos pais. As mudanças na sociedade contribuem para a boa aceitação e convivência.
 
IHU On-Line - Quais são as conseqüências sociais para os homossexuais que são apontados pela Igreja e pela sociedade como pessoas “doentes”, “perigosas”, “nocivas”?
Luís Corrêa Lima
- Quem obedecer ao Catecismo da Igreja Católica nunca vai agredir ou xingar um homossexual. Vai tratá-lo, sim, com respeito e delicadeza. Porém, a linguagem é bem dura com os atos homoeróticos, considerados “graves depravações” e intrinsecamente desordenados. Na lista de pecados que “bradam ao céu” por punição divina está o pecado de Sodoma (Gênesis 19). Trata-se de uma tentativa de estupro feita aos hóspedes do patriarca Ló. Nada tem a ver com o amor entre pessoas do mesmo sexo. Entretanto, a tradição judaico-cristã e o catecismo o associam à homossexualidade. Isto favorece uma imagem bastante negativa dos gays, vistos como ameaça à sociedade. Alguns no próprio clero criticam esta linguagem dura da hierarquia, apontando o efeito devastador que ela tem na auto-estima de gays, lésbicas e seus familiares.  No Brasil, não se deve esquecer o assassinato sistemático de travestis, o suicídio de adolescentes que se descobrem homossexuais, a depressão pela qual muitos passam e o sofrimento dos pais que não aceitam seus filhos gays.

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