Edição 251 | 17 Março 2008

Da preocupação individual ao interesse social: o retrato de Jorge Durán sobre a juventude brasileira

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IHU Online

Diretor do filme Proibido proibir, que faz alusão ao slogan da revolução de maio de 1968, fala sobre o posicionamento dos jovens brasileiros, diante das mazelas do país

“Queria colocar no centro da história a Universidade, outorgando-lhe a importância que merece, como formadora dos nossos jovens”, afirma o roteirista e diretor Jorge Durán, sobre o filme Proibido Proibir, lançado em 2006. Segundo ele, a imagem do jovem, hoje, no Brasil, é mascarada por alguns cineastas e se confunde no imaginário do público. “Esse jovem existe no cinema dos Estados Unidos e em parte do europeu. Ele não tem ética; é perverso, cruel, amoral, sem afetos”, reforça. Em relação à postura dos jovens diante das questões sociais do país, Durán é enfático: “qualquer universidade, para ser respeitada, tem a obrigação de fazer seus alunos olharem para o país em que vivem”.

O Instituto Humanitas Unisinos – IHU exibirá e discutirá o filme Proibido proibir, no dia 24 de março. A análise e o debate sobre a obra de Jorge Durán serão feitos pela Profa. Dra. Christa Berger e pelo Prof. Dr. José Roque Junges, integrantes do corpo docente da Unisinos. A exibição do filme será na sala 1G 119, junto ao IHU, das 19h30 às 22h. A programação integra o evento Páscoa 2008: um grito contra a violência. Para saber mais, acesse www.unisinos.br/ihu.

IHU On-Line - O título do seu filme se alicerça no slogan “É proibido proibir”, imortalizado pela revolução de jovens universitários em maio de 1968. Quais são as suas pretensões ao produzir este filme

Jorge Durán - Em todos os casos, comecei a escrever o texto somente pensando no assunto que me interessava, procurando personagens e tema ao mesmo tempo. No filme Proibido proibir, o slogan “É proibido proibir” faz referência a uma época em que a juventude era tremendamente ativa. Escolhi o título para pôr ele na boca de Paulo, estudante de medicina, que o usa como escudo para enfrentar a realidade, muito dura, pela que transita: o país, a cidade, o hospital universitário. Por outro lado, por ser um filme sobre uma parcela da juventude ignorada pelo cinema, jovens que gostam de estudar, de ler, de saber o que passa no mundo, pensei que o Paulo conheceria essa época, maio de 1968, da qual seria um admirador.

Como foi surgindo esta história

Sou muito interessado no Brasil, como tema. A juventude é outro tema que me interessa. Vejo muito cinema. E o que vejo sobre a juventude me desagrada. Acredito que foi inventado um “jovem” inexistente, mas que na cabeça de muito cineasta e de algum público se tornou real. Esse jovem existe no cinema dos Estados Unidos e em parte do europeu. Ele não tem ética; é perverso, cruel, amoral, sem afetos. Penso que ele seja “cinematográfico”, nem por isso o considero “real”. Nada no cinema é “real”, mas o que me interessa pôr na tela é a realidade que vejo. Queria, em Proibido proibir, colocar no centro da história a Universidade, outorgando-lhe a importância que merece, como formadora dos nossos jovens. Não existiria esta história não fossem eles estudantes universitários. Por isso, a desenvolvo como tema, com maior força, na segunda parte do filme, para que se sinta, mais claramente, que o que ocorre com a vida deles está vinculado à passagem pela Universidade, que os leva a compreender o mundo e o lugar em que vivem. Não são heróis, apenas jovens cheios de energia que vão ficando sem muitas opções, na medida em que a realidade do país vai revelando algo próximo deles, que lhes diz respeito. Seria o primeiro passo para se tornar um bom cidadão e um profissional ético. A amizade e a lealdade são também um tema que o filme aborda.

Tenho viajado muito e debatido em diversos países este filme. Em todos, tenho encontrado uma juventude inquieta, curiosa com o mundo, aparentemente e perfeitamente comum, como a daqui. Na Suíça e na Itália, jovens universitários me disseram palavras semelhantes: as personagens do filme seriam muito semelhantes a eles, mas o contexto dos países radicalmente diferente. Não tenho pretensão nenhuma ao começar um projeto. Diria que sou movido pela curiosidade. Sei que o resultado é produto do trabalho intenso. Não considero o resultado dos filmes que fiz produto do talento, mas do trabalho. Certamente que tenho dedos para tocar esse piano que chamado cinema. Por último, queria filmar o Rio que mais gosto, que é o da zona norte. A zona sul é confortável, porém, em termos de cinema, prefiro bairros populares, não necessariamente favelas, lugares sofridos e difíceis. Os bairros de classe média da Zona Sul, Ipanema, Leblon acho sem interesse estético, sem drama, de uma arquitetura anódina.

IHU On-Line - Qual é a sua visão sobre o slogan “É proibido proibir”?
Jorge Durán
- Acho interessante, porém ambíguo. Vale para maio de 1968. Hoje em dia é uma bela frase.
 
IHU On-Line - Na obra, os três jovens são universitários, o que nos remete a uma idéia de situação financeira estável, tendo em vista a questão do acesso à educação no Brasil. Neste sentido, o que move os jovens a se interessarem pela situação do país, sendo que esta não seria sua responsabilidade?

Jorge Durán - Qualquer estudante de sociologia faz pesquisa de campo. Para construir o personagem Leon, que estuda sociologia, me fiz assessorar por meu filho, Paulo Durán, que me informou sobre o cotidiano de alguns estudantes de ciências sociais. O filme não os coloca como militantes de alguma causa, ou movimento político ou social, apenas conscientes do que vêem. Difícil um estudante de medicina não reparar na miséria do brasileiro, na precariedade da vida que vivemos. Difícil uma estudante de arquitetura não reparar na cidade degradada em contraste com a paisagem exuberante de Rio de Janeiro. Impossível ignorar as favelas, não somente no seu significado urbanístico, mas também no seu significado social e político, finalmente. Não é preciso ser militante, para se sensibilizar diante destes problemas. Qualquer universidade, para ser respeitada, tem a obrigação de fazer seus alunos olharem para o país em que vivem. Mesmo sem que o façam, o próprio estudo, a própria teoria e a convivência cotidiana com os problemas do país, podem levar um estudante a ficar consciente. Daí a fazer alguma ação concreta é outro passo que somente alguns dão. Não é incomum saber de estudantes de comunicações que fazem algum tipo de trabalho comunitário. Eu escolhi trabalhar sobre as pessoas que me interessam. Por exemplo, policiais e bandidos não me interessam. Não considero que jovens que fumem maconha sejam traficantes e devam ser colocados na mesma prateleira que traficantes profissionais.

IHU On-Line - Jovens preocupados com as questões sociais compõem o retrato da juventude brasileira? Como você define os jovens de hoje?
Jorge Durán
- Os jovens que vejo parecem concentrados nas suas vidas, nos seus problemas. Estão atentos ao acontecer, de forma distante, e descrentes da possibilidade de intervir na coisa pública. Para mim, é claro que não só o jovem, mas o cidadão brasileiro tem uma importância mínima para o homem publico brasileiro, que não seja como massa de manobra para eleições.

IHU On-Line - Quais são as marcas que a juventude do Brasil de hoje carrega daquele maio de 1968?
Jorge Durán
- A mesma de sempre: energia, romantismo, humanidade, afeto, lealdade, fraternidade. Tudo isto exposto de maneira menos evidente. É que eu acho que o jovem, em geral, nasce com tudo isto dentro dele, e o perde nessa mixórdia que é o mundo hoje.

IHU On-Line - O que se pode esperar para o futuro do país, diante dos jovens que a sociedade está formando hoje?
Jorge Durán
– Tudo, ainda mais quando apareçam oportunidades de trabalho e de crescimento pessoal. São os jovens que vão mudar algo no país. A educação e a saúde são fontes de energia que faltam demasiadamente.

IHU On-Line - O que o processo de produção do filme agregou a você, profissionalmente e pessoalmente?
Jorge Durán
- Como gosto de fazer cinema, este filme me deu a possibilidade de dizer o que penso do país e do cinema. Fiz o filme com uma estética realista, em oposição à estética dominante, que pinta e mascara, inventa até encher o saco uma realidade que não tem âncora no mundo que vivemos; que nasce do mundo inventado em outros filmes. Se ficou bom ou ruim, sobre o que reflito constantemente, respondo para mim que trabalhei muito e acredito fundamente no que afirmo.

Quem é Jorge Durán

Chileno, Jorge Durán vive no Brasil desde 1973. Em 1978, dirigiu seu primeiro longa metragem, intitulado A cor do seu destino, o qual foi premiado em inúmeros festivais e exibido em diversos países, tanto na televisão quanto no cinema. Ficou conhecido pelos roteiros de Lúcio Flávio - O passageiro da agonia (1977), Pixote – A lei do mais fraco (1981) e O beijo da mulher-aranha (1984), os três dirigidos por Hector Babenco, e Gaijin, caminhos da liberdade (1979), de Tizuka Yamasaki. Proibido proibir, lançado em 2006, marca o retorno de Durán à direção, após duas décadas. Patrocinado pela Petrobras, com o apoio do Programa Ibermedia – Fundo Ibero-Americano, que visa estimular a co-produção de filmes para cinema e televisão, Proibido proibir ganhou o concurso para filmes de baixo orçamento do Ministério da Cultura, além do prêmio oficial do júri no Festival de Havana, de melhor filme no festival de Biarritz e de melhor ator no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira, em Portugal, entre outros. Para televisão escreveu, entre outros, episódios do seriado Mulher (1998) e A Justiceira (1997), e foi co-roteista da minissérie Amazônia (2007). Atualmente, é coordenador do Departamento de Roteiro e professor no Curso de Cinema da Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, e professor de roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Tem sido consultor em Seminários de roteiro do Sundance Institut, de Casa de América - Espanha, e de universidades e empresas de cinema no Brasil e no exterior.

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