Edição 251 | 17 Março 2008

Maria de Lurdes Dutra Vargas

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Graziela Wolfart

A vida ensinou para Maria de Lurdes Dutra Vargas, de 52 anos, que a trajetória humana é feita de altos e baixos. “Com a idade, vamos aprendendo sempre coisas novas. Nascemos para morrer, somos uma vela no mundo. Assim como estamos acesos, já apagamos”, reflete ela, na conversa que teve com a IHU On-Line, em visita à redação da revista, oportunidade na qual contou-nos sua história. Mesmo abalada pela dramática experiência de perder dois filhos, Maria de Lurdes continuou a lutar por dias melhores, sempre colocando a família em primeiro lugar. Acompanhe, a seguir, a lição de vida que esta senhora nos proporciona.

Nascida na localidade de Segredo, município de Sobradinho, no Rio Grande do Sul, Maria de Lurdes Dutra Vargas aprendeu, desde cedo, como é a vida no interior. Precisava trabalhar na roça e não estudou porque, naquele tempo, conta ela, não era obrigatório ir para a escola e os pais queriam que os seis filhos ajudassem no trabalho braçal da lavoura. O pouco tempo que freqüentou o colégio lhe proporcionou o aprendizado básico, para que pudesse escrever o próprio nome. “Fui de família pobre e minha mãe se juntou com outro homem e meu padrasto bebia, incomodava. Tivemos uma vida sofrida”, lembra.

Com o passar dos anos, Maria conheceu Sandro Roberto Vargas, que veio a se tornar seu marido. Casaram-se e, cansada de trabalhar na roça, ela propôs a mudança para uma cidade maior. O primeiro destino foi Cachoeira do Sul, onde moraram por 20 anos. Chegando lá, o marido de Maria de Lurdes conseguiu emprego no cultivo de arroz, pois Cachoeira do Sul é a capital do arroz, diz Maria. Ela foi trabalhar como doméstica. “Também fui camareira de motel, com carteira assinada. Trabalhei em tudo o que é serviço, até cortando mato de lenha de acácia e em trabalho temporário de colheita de nozes”, conta.  

Nosso perfil popular desta semana teve oito filhos: quatro homens e quatro mulheres. Depois de duas décadas morando em Cachoeira do Sul, a família mudou-se para São Leopoldo. Tomaram a decisão, pois onde estavam era difícil conseguir emprego para os homens. Quando começaram a construir a estação de trem em São Leopoldo, o marido de Maria conseguiu emprego para ele e para os guris mais velhos.

O lugar onde Maria e sua família construíram morada fica no bairro Rio dos Sinos. Ela conta que a localidade pertencia à prefeitura de São Leopoldo, sendo considerada “área verde”. “Daí meu marido fez uma casinha ali, bem pequena, só para ele e os guris pararem enquanto estavam trabalhando. A gente achou que não ia dar problema nenhum, porque era área verde. Decidimos vender a casa lá em Cachoeira e vir toda a família para São Leopoldo”. A casinha inicial construída por Sandro tinha duas peças. Quando viram, várias pessoas começaram a construir casas ali também. Depois da ocupação, foi formada a Cooperativa Progresso, para lotear os terrenos. Começaram a pagar as prestações e faz dez anos que a família de Maria e Sandro mora ali. “Foi bom criar a cooperativa, para a gente ficar mais descansado”, recorda Maria. “Daí a gente tinha certeza de que não ia sair mais despejo, pois antes viviam nos ameaçando”, desabafa. “Agora sabemos que o terreno é da gente, tudo medido”. Depois de quatro anos de trabalho na cooperativa foi instalada a rede de luz e o encanamento de água. “No início foi tudo um sacrifício”.

Tristeza
No entanto, viver sem água, luz e na insegurança do desabrigo não foi tudo o que Maria de Lurdes precisou enfrentar. O maior drama de sua vida foi perder os dois filhos homens mais novos. Um morreu afogado na praia de Torres, há dois anos. Tinha 23 e deixou um gurizinho de 3 anos. E o outro, há sete meses, morreu de infarto, com 22 anos. Maria de Lurdes tem 10 netos e se sente a “segunda mãe” das crianças. “Esse menino do meu filho que faleceu era muito apegado comigo. Eu pedi para a mãe da criança não me deixar longe do meu netinho, que é um pedacinho do meu filho que ficou na terra. Mas ela começou a afastar ele de nós”, lamenta. 

Maria conta que se sente muito bem no convívio com as pessoas da cooperativa. “Lá sempre tenho uma palavra amiga. Tem gente companheira, que se ajuda nas horas mais difíceis”. Ela começou a se entrosar com os vizinhos depois que perdeu o primeiro filho. “Eu andava muito nervosa e abatida e, para não ficar em casa, só pensando, comecei a fazer um curso de padaria. Lá tem uma psicóloga que conversa com a gente uma vez por semana. E foi ali que levantei meu astral e me animei de novo”. Mais tarde, entrou em outro curso promovido pela cooperativa, desta vez de corte e costura, com a ajuda da Unisinos e do Programa Tecnosociais. “Fiquei muito contente. Eu tinha uma máquina em casa e nem sabia colocar linha na agulha. Hoje, nós trabalhamos com o grupo do curso. Temos encomendas de camisetas para entregar e ganhamos nosso dinheiro”, garante, animada. O marido de Maria de Lurdes poderia estar trabalhando na cooperativa também, construindo casas novas. Mas ele optou por trabalhar em uma olaria, “porque lá eles assinam a carteira”, explica ela.

A criação dos filhos: valores e fé
Sobre a criação dos filhos, Maria conta que, em Cachoeira do Sul, utilizou o recurso do patronato, uma espécie de colégio interno. “Quando eu via que meus filhos estavam rebeldes, eu os colocava lá, onde tinham hora para comer, para brincar, para estudar e para dormir”. Todos seus filhos foram engraxates em Cachoeira do Sul. Eram chamados de “pequenos operários”. “Eu sempre ensinava para eles não pegarem nada dos outros sem perguntar antes. Criei eles assim. Graças a Deus nunca tive problema com meus filhos. Eles saiam de casa de manhã para engraxar e já perguntavam ‘mãe, o que está faltando?’ e traziam o que eu pedia com o dinheiro que eles faziam no trabalho”.

Maria de Lurdes é evangélica, pertencente à Igreja Evangélica Assembléia de Deus Gideões Missionários, de Pelotas/RS. “Acredito muito em Deus, porque se não fosse Ele eu não estava em pé, em razão de tudo isso que eu passei”, diz. O grande sonho de Maria de Lurdes é levar os filhos para dentro da igreja, para seguir a religião que ela e o marido seguem. “Peço para Deus que não quero morrer sem ver todos meus filhos dentro da igreja. Quero partir tranqüila, em paz, sabendo que deixei meus filhos dentro da igreja, onde não tem perigo. A única solução para fugir do perigo do mundo é estar dentro da igreja”.

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