Edição 251 | 17 Março 2008

Adriana Zapparoli

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André Dick

Editoria de Poesia

A poeta Adriana Zapparoli nasceu em 1969 e é natural de Campinas (SP). Fez doutorado em Farmacologia, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e em 2007 lançou seu livro de estréia, A flor-da-Abissínia (São Paulo: Lumme Editor), depois de publicar poemas em revistas impressas, como ET Cetera, A Cigarra e Poesia Sempre, e eletrônicas, como Zunái e Mnemozine. Prepara, para breve, o livro O leão de Neméia.

Numa espécie de revitalização do barroco, Zaparolli faz poemas essencialmente musicais, com imagens estranhas e muito bem trabalhadas. Suas imagens botânicas criam uma analogia sobretudo com o corpo humano. Ou seja, é muito comum em sua poesia que esteja falando de seres humanos quando fala sobre plantas, utilizando, inclusive, nomes científicos, raros. Vejamos um poema como “yoni”: “na camarilha de orvalho o cenário. / perla seria por uma concha envolta em pétalon de orquídea. / ela a doçaina, o neter, o fundo contrário. uma flor no inferno / levamente molhado. / a sua parte  mais fina, flogística, em límpida essência turmalina”. Em “hieros gamos”, a poeta escreve: “falo eletrocutado / no direito do acólito, / do êxtase em botos de lótus. / / dentro dela, os bulbos / de tulipas estão mais próximos”. Em “tirso”, Adriana esclarece melhor esse traço amoroso: “era a mulher que o defendia. vestida com o linho e a amálgama a / sua pele de corça pintalgada. o ofídio na cintura. um chamariz na conversão, atraindo-o para a vida. fescenino o sentimento na / necessidade do íntimo”. No poema “neméia”, não incluído em A flor-da-Abissínia, por sua vez, há um sentimento de abandono: “abraçar a divindade masculina. esguia. gerar o seu filho e / abandoná-lo. agora”. Com isso, parece que Adriana trata sempre de um ambiente em que a vida e a morte estão entrelaçadas, talvez pelo tom científico, ligando-as a uma tensão que remete a corpos visualizados e descritos com rara elaboração.

Em “Scorpione”, Adriana, por exemplo, procura uma espécie de metalingüística, com algumas imagens desautomatizadas e um contato com o deus da medicina entre os romanos e os gregos, numa aproximação com a mitologia (procurada em outros poemas seus): “a andarilha do deserto negro abandonava, algumas vezes, os seus olhos lagartos ao respirar a essência daquelas sílabas. a gramática monossilábica daquele pensamento escorpião de palpos compridos, demasiado horrendo e paralisante, demorava-se em sua mente. [...] com suas cascas em ecdise atravessou mais uma porta de fechar atrás de si. e foi então que ele, cheio de coragem, levantou-se ofídico, Asclépio, à margem daquelas águas”.

Dentre os nomes, no Brasil, que se aproximam de sua poética está certamente o de Josely Vianna Baptista. Ambas têm um trabalho elaborado, estrutural, que mantém um diálogo com um certo “desregramento de sentidos” de Rimbaud, ou seja, não é possível esperar uma leitura previsível em seus versos. O próprio título do primeiro livro de Zapparoli remete a Rimbaud: a Abissínia é a região em que o escritor francês se refugiou depois de decidir nunca mais escrever poesia, a fim de fazer tráfico de escravos e armas. Nessa dissolução entre prosa e poesia, Adriana também desenvolve um caminho seguido por Claudia Roquette-Pinto, sobretudo em Zona de sombra. O verso, se assim pode ser chamado, de Zapparoli, no entanto, é mais elíptico, mais quebrado.

Por vezes, é uma poesia que parece estar sendo exagerada e até mesmo romântica quando está trabalhando em camadas diferentes de linguagem, além de se caracterizar por um humor sutil, sempre oblíquo e desviado pelo tom científico de algumas proposições. No entanto, por trás disso, parece haver, junto com a sintaxe rebuscada, as elipses e fragmentações, uma procura por certa completude que inexiste, mas que insiste em ser buscada. Adriana enviou especialmente à IHU On-Line três poemas inéditos, com algumas das características que encontramos em seus poemas anteriores. 

baunilha-dos-jardins
 
mata-calado d'água quente. sua língua é uma linha em louça, um riacho bacântico. surpreende-me quando o vejo no canto, nas filas verdes do pedaliáceo, do alto, por debaixo. naquele quarto em branco e preto.
o bácaro está contido no mastro e sobre as coisas que penso - você: num vão do espaço, no túnel do tempo, no banco de madeira sob o jato, no óleo da semente, nas palavras aos pedaços...
são os fragmentos que o trazem. numa linguagem de aço
e
mutante é o caminho para o receptáculo em flores-de-baunilha.

 

 

mudras: te peço de bela, enfim, te peço falo e todas as miçangas mudas. orvalhando em cadência, misturam-se as runas, as rimas e
as rugas dentro do colo do útero. pois  motriz é o  fluxo-menta. então durma, por sobre o conforto deste chafariz, que mesmo assim, me culpo-calêndula...
por que trava a guia, o estame da vida... se te peco aos anjos, tão temente e latejante, liame e liana, de cabeça- incorporo-
corpo flambando lantejoula de dicotiledônea e tendo receio dos calos que me alcançam à retina, samsara, em dor-mente-clorofila. e se ao vê-lo,
tornar-me melódica em cascata então, transponha-me com o corpo-falo que eu lhe devolvo a chibata da guiza a carburar esta prata. mais tarde,
e quanto mais...
em tarde de ramachandra e sita.


dI.

aderida à patela ou na calda de esperma pelo mundo de argos. o gáudio é vindo, feito ruído do sol sobre a traição decorrente

dII.

na forma da tração  de quatro dentes de um camaleão-curupira

dIII.

que na confusão flerta com uma identidade, ainda, sonora.
com um dito num retrato, por um caminho tecido em bico-de-pena de inspiração ameríndia

dIV.

e nesta ilha, a imagem (sua) é dum bálano bordado com pêlo ouro-camurça para (meus) olhos de hino do tipo esquizóide, que por um momento teria sido de lóris-arco-íris

dV.

entretendo todo o lance destes fragmentos, sobre o toldo de zinco, tendo-lhe num tipo variado...  ”currente calamo em curto-circuitar”...

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