Edição 248 | 17 Dezembro 2007

Jesus de Nazaré: um fascínio duradouro

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Faustino Teixeira

O artigo a seguir é de autoria do teólogo Faustino Teixeira, colaborador da presente edição da IHU On-Line. Comentando a presente edição, Teixeira destaca que “a experiência do mistério de Jesus é radicalmente desinstaladora: provoca o exercício essencial de ruptura com os círculos fechados e de abertura a novos horizontes relacionais”.

Faustino Teixeira, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora - PPCIR/UFJF -, Minas Gerais, enviou o artigo que segue, por e-mail, sobre Jesus. Teixeira é doutor e pós-doutor em Teologia, pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. Ele é autor de vários livros sobre a teologia do diálogo inter-religioso. É um dos grandes parceiros do IHU. Entre suas obras, citamos os livros, por ele organizados, Nas teias da delicadeza (São Paulo: Paulinas, 2006) e As religiões no Brasil: continuidades e rupturas (Petrópolis: Vozes, 2006), este em parceria com Renata Menezes. Pierre Sanchis fez uma resenha deste livro que foi publicada na revista IHU On-Line, número 195, de 11-09-2006. Confira, também, uma entrevista com Faustino na edição 209 da IHU On-Line, com o tema “Por que ainda ser cristão?” e uma entrevista sobre a Teologia da Libertação, publicada edição número 214 da IHU On-Line, de 02-04-2007. Na nossa página eletrônica, está disponível também, a entrevista “Rûmi: um dos místicos mais abertos à cortesia e hospitalidade inter-religiosos”, publicada na edição 242, Rio dos Sinos, um ano depois da tragédia. Ainda é possível salvá-lo?, de 05-11-2007.

A equipe da IHU On- Line oferece nesse natal um presente muito especial aos leitores dessa revista que tem sido uma luz singular na dinâmica de reflexão brasileira. O número especial sobre Jesus foi sendo gestado nesse tempo de advento, que é tempo de delicadeza. Dentre os inúmeros teólogos e teólogas convidados para dar entrevistas sobre o tema, alguns responderam prontamente ao desafio e nos brindam com um pensamento vivo, inovador e dinâmico. Estão conosco nesse precioso número, dando o seu testemunho, os seguintes autores: Claude Geffré, Elizabeth Johnson, Elisabeth Parmentier, Maria Clara Bingemer, Felix Wilfred, Gavin D´Costa, Joseph Moingt, Joseph O´Oleary, John Hick, Michael Amaladoss, Peter Hünermann e Reinhold Bernhardt. São todos nomes de destaque no cenário da reflexão teológica contemporânea e expressam posições diversificadas sobre tema tão delicado e provocador.

As entrevistas revelam-nos diversas facetas desse Jesus profeta e libertador que continua ao longo do tempo encantando corações e mentes. Nesse tempo de pluralismo religioso, surge o desafio de destacar Jesus como “figura de diálogo”, cuja mensagem evangélica não toca apenas núcleos cristãos privilegiados, mas a todos os povos, religiões e culturas, no profundo respeito às diferenças que são sagradas e irrevogáveis. Os cristãos não precisam se envergonhar de anunciar essa mensagem de vida, mas o devem fazer não por um “mandato”, mas pelo desejo irremovível de compartilhar com os outros o amor profundo por Jesus e seu Reino: um amor que tomou conta do coração e trasbordou para todo canto. É esse Jesus que encantou Rãmakrishna, Gandhi, Dalai Lama, Tich Nhât Hanh e tantos outros. E encantou pelo fato de trazer à tona uma “fragrância” de amor e espiritualidade que não se prende a crenças particulares, mas que desvela qualidades especiais, que estão presentes e vivas em nossa história humana. Com sublinhou com acerto Felix Wilfred, “Jesus é alguém tão fascinantemente humano que não se pode deixar de amá-lo. Ele pertence a toda a humanidade. Ele não é monopólio de algum grupo, comunidade e religião. Nele aprendemos a gramática do que é ser humano. Sua vida e seus ensinamentos são também uma janela para o incompreensível mistério divino”.

Infelizmente, ao longo da história, nem sempre o cristianismo soube anunciar esse Jesus portador de vida. Ficou mais preso à obsessão de explicitar os “mecanismos” que estruturam o seu ser, em vez de traduzir aos povos o seu significado e mistério. A experiência missionária na Ásia, ao longo de quinhentos anos, é um exemplo dessa dificuldade de traduzir um rosto de Jesus que cativa e hospeda os outros. Todo o trabalho realizado não conseguiu falar senão a 2,5% dos cristãos na Ásia. Para Felix Wilfred, “se a obra missionária não produziu os resultados esperados, é porque, excluindo algumas exceções, a maioria dos missionários apresentou Jesus a partir de outros pressupostos e o relacionamento com povos de outras crenças foi negativo e apologético”. Hoje, busca-se recuperar a “experiência de Jesus”, tão bem delineada nos escritos do Segundo Testamento. Privilegia-se os métodos narrativos, e Jesus ganha novos delineamentos: é o mestre de sabedoria, o libertador, o guia espiritual, o ser iluminado, o amigo compassivo, o peregrino e o dançarino.
 
A questão que acompanhou todas as perguntas foi bem simples e direta: “quem é Jesus”? As respostas traduziam as elaborações teológicas particulares e diversificadas, trazendo em seu bojo muita riqueza e criatividade. Um dos entrevistados sublinhou o traço de contingência que envolve o mistério da encarnação. Jesus traz consigo a afirmação da “vulnerabilidade de Deus e da eminente dignidade do corpo humano” (C.Geffré). Como assinalou Christian Duquoc, em texto clássico sobre o tema, ao se revelar em Jesus, Deus não absolutizou uma dada particularidade, mas quis sublinhar que nenhuma particularidade histórica pode pretender-se absoluta, e, em virtude mesmo desta relatividade, Deus também pode ser encontrado nas inusitadas malhas de nossa história real.

Os cristãos encontram em Jesus o caminho de acesso ao mistério maior. Jesus é percebido como alguém que envia ao mistério de Deus. Alguém em cujas pegadas os cristãos encontram orientação da vida para Deus (Joseph Moingt). Para os cristãos, ele é vivenciado como constitutivo da salvação, por ser o mediador da vida no Espírito. Esta é uma experiência existencial e de caráter confessante, partilhada pelos cristãos em comunidade, mas não pode ser entendida em sendo objetivante, de validez universal. Em verdade, Jesus não encerra a história das religiões nem o movimento revelador de Deus. A história continua sendo palco da incessante comunicação do mistério gratuito de Deus, por caminhos que são misteriosos. Como indica Geffré, “a pluralidade dos caminhos que levam a Deus continua sendo um mistério que nos escapa”.

A percepção cristã da singularidade de Jesus não exime o ousado exercício de buscar captar a presença da graça multiforme de Deus em toda a história. E não apenas na história das religiões. Segundo Joseph O´Leary, “a tendência de afirmar que ´já temos a plenitude da verdade em Cristo, de modo que não se requer nenhum diálogo com religiões estranhas é, de fato, não cristã. A Bíblia nos mostra como o encontro com os outros (...) amplia a compreensão de Deus e derruba prévias estreitezas”. Há que resgatar hoje, e com intensidade, o traço da hospitalidade como algo essencial que resulta do encontro com Jesus. A experiência do mistério de Jesus é radicalmente desinstaladora: provoca o exercício essencial de ruptura com os círculos fechados e de abertura a novos horizontes relacionais.

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