Edição 245 | 26 Novembro 2007

Márcia Miranda

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Aos 10 anos de idade, Márcia Miranda ingressou no Movimento Bandeirante, um grupo feminino de escoteiros. E não era muito entusiasmada com os estudos. Sob a ameaça de sua mãe, de estudar ou deixar o Movimento, ela passou a se interessar pela rotina de estudante. Tanto que durante dois anos cursou duas faculdades: História e Economia. Desde 1991, Márcia integra o corpo docente da Unisinos, no curso de Ciências Econômicas. Para ela, a marca da Unisinos é o trabalho coletivo. Conheça um pouco mais da professora, através desta entrevista, concedida à revista IHU On-Line:

Origens e família - Minha família é de Porto Alegre, minha cidade natal. Minha avó materna era norte-americana, e o meu avô materno era alemão. Meu avô paterno era porto-alegrense, e a minha avó era de Guaíba, o que hoje é Eldorado do Sul. Um lado da família é muito antigo no Rio Grande do Sul e o outro lado chegou ao Estado pela década de 30. Estou com 42 anos e sou a filha do meio. Tenho uma irmã, de 43, e um irmão de 37. Nós sempre nos entendemos bem. Havia mais atrito com o meu irmão, porque a diferença de idade era maior. Mas, à medida que a gente foi envelhecendo, as diferenças relacionadas à idade foram diminuindo. Sou solteira, não tenho filhos, mas tenho uma relação muito próxima com os meus sobrinhos. Ajudei a cuidar deles, quando eram pequenos.

Infância – Tive uma infância muito boa. Tinha aquela coisa de brincar muito na rua, de conhecer as pessoas da rua onde eu morava, uma coisa que hoje, em Porto Alegre, não existe mais. Era uma rua razoavelmente tranqüila no bairro Petrópolis. Então, a gente brincava muito na rua, andava de bicicleta, patins. Minha avó materna morava muito perto, e nós jantávamos todos os dias na casa dela. Sempre gostei de ler, acho que por incentivo e exemplo de meus pais. Quando era pequena, eu lia enciclopédias, gostava especialmente de biografias e romances. Lembro que adorava quando minha mãe nos levava à loja das Edições de Ouro, localizada na Avenida Ipiranga, para comprar livros.

Estudos – Eu não gostava de estudar. Logo que eu entrei no colégio, no 2º ano do 1º Grau, a psicopedagoga verificou que eu tinha deficiência motora. Apesar de haver iniciado tratamento, ela sugeriu à minha mãe que eu repetisse a 2ª série primária. Continuei os estudos sem grandes dificuldades, mas meu desempenho não era dos melhores, o que inspirava certa preocupação dos meus pais. Mas, quando eu tinha 10 anos de idade, estava na 5ª série, entrei no Movimento Bandeirante, como se denominava o movimento escoteiro feminino, no Brasil. E, para ingressar no Movimento, era preciso fazer uma série de provas, para as quais eu estudei muito. E a minha mãe chegou à conclusão de que eu não estudava porque eu não queria, e me fez uma ameaça: ou eu começava a estudar ou eu ia sair do Movimento Bandeirante. A partir daí, eu me tornei uma boa aluna, passei a estudar e a gostar do resultado.

Graduação – A escolha foi difícil. Desde que eu estava no 1º Grau, eu queria estudar História, o que não era muito bem visto pela minha família, uma vez que limitava as minhas possibilidades de atuação no mercado. Mas eu tinha certeza de que eu queria cursar História. Então, quando eu estava no 2º ano do 2º Grau, fiz vestibular para a UFRGS e passei. E, quando eu fui fazer o vestibular de verdade, a minha mãe sugeriu que eu fizesse para outra área também. Fiz para História na UFRGS e Economia na PUC, passei nas duas universidades e, durante dois anos, estudei também em ambas. Mas não estava muito satisfeita com o curso de Economia. O currículo que vigorou até 1984 tinha um básico de dois anos de disciplinas comuns aos programas de Administração, Economia e Contábeis. Era um curso fraco, superficial e eu estava extremamente descontente. Então, quando voltei de uma excursão da disciplina de arqueologia nas Missões, do curso de História, eu cheguei em casa e falei para a família que eu estava largando o curso de Economia, porque eu estava odiando. Só que dois anos depois, às vésperas da minha formatura, eu resolvi fazer vestibular para a UFRGS e entrei no currículo novo do curso de Economia. Concluí o curso de Economia já trabalhando como professora, dando aulas de História, na rede estadual.

Trabalho – Fiz alguns estágios na área de Economia, mas meu primeiro emprego foi como escriturária, aos 26 anos, no último ano da faculdade de Economia, na Cooperativa Central de Crédito Rural do Rio Grande do Sul. A idéia era de que, quando eu me formasse, eu fosse efetivada como técnico. Só que, nesse meio tempo, eu passei no concurso do magistério estadual, e cheguei à conclusão de que eu queria ser professora. A experiência no magistério não foi muito boa. Fui dar aula na Escola Estadual Augusto Severo, em Canoas, mas não estava preparada para lidar com a realidade social da escola, dos alunos e com o dia-a-dia da escola pública. Com isso, cheguei à conclusão de que eu não queria ser professora de 1º Grau para o resto da vida. Lecionei na rede pública pouco mais de um período letivo. No mesmo ano em que fui nomeada, fiz o concurso para o cargo de historiógrafo do quadro técnico científico do Estado do Rio Grande do Sul e fui nomeada para trabalhar no Arquivo Histórico, onde fiquei durante sete anos. Depois, trabalhei no Museu Júlio de Castilhos, e, neste ano, passei a trabalhar no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Mas eu sempre quis voltar a dar aulas. E a idéia de continuar estudando, fazer mestrado, construir uma carreira acadêmica, me atraía muito. Só voltei para a docência, quando entrei para a Unisinos, em 1991M.

Unisinos – Quando eu estava concluindo o mestrado, foi colocado um anúncio no jornal para o processo seletivo para professor da disciplina de Economia Brasileira, e eu enviei um currículo me candidatando. Havia vários candidatos, a maioria com experiência docente. A seleção envolvia entrevista e prova didática e até me admirei quando fui selecionada. Como eu sempre estudei em universidade pública, eu não conhecia a Unisinos. E fiquei admirada com a estrutura e com a organização da universidade. Gostei muito de ter vindo trabalhar aqui, de lecionar no curso de Economia. Na Unisinos, a gente tem um coleguismo e um objetivo comum que é muito diferente dos outros lugares. Quando reformulamos o currículo da Economia, nós tínhamos por objetivo tornar o curso uma referência. E isso aconteceu. Nos dois últimos provões, tiramos conceito A. O que há de mais marcante aqui é o trabalho coletivo, o que não é comum em outras universidades.

Mestrado - Fiz mestrado em Economia na UFRGS, sobre a História Tributária no Rio Grande do Sul. Quando fui fazer doutorado, eu já estava lecionando na Unisinos. Fui para Campinas (SP) estudar no Instituto de Economia da Unicamp, na área de concentração de História Econômica. Nos primeiros tempos, foi difícil, porque sempre morei em Porto Alegre e só tinha estudado na UFRGS, em termos de educação superior. Então, estranhei o clima, o lugar, as pessoas, a forma de elas falarem. Tive a oportunidade de fazer um concurso e de lecionar no curso de Economia da Unicamp, o que foi uma experiência importante, já que a realidade da uma universidade pública do centro do País é muito distinta. Fiquei dois anos em Campinas, e lecionei durante um ano e meio. A experiência de estudar fora foi importante, especialmente para mim, que havia feito toda minha formação na mesma universidade. Por outro lado, integrar grupos de pesquisa com indivíduos de várias procedências e as novas relações que se pude estabelecer ampliaram minhas perspectivas e enriqueceram meu trabalho.

Educação dentro e fora do Estado – São duas realidades diferentes. Tenho certo receio pelo futuro da educação superior, com as mudanças muito rápidas que estão acontecendo. Não acho que a universalização do ensino superior seja negativa, mas está sendo feita com uma rapidez exagerada, sem muita reflexão. Em São Paulo, ao entrar em contato com a Unicamp e a Usp, pude perceber a importância do investimento estatal em educação, principalmente aquele relativo ao financiamento. E aqui o investimento na educação e pesquisa é pequeno, o que cria uma série de dificuldades para a participação em congressos, organização de eventos e limita o acesso a bolsas de mestrado e doutorado. Em São Paulo, principalmente através FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), há uma grande quantidade de recursos destinados à pesquisa, a bolsas, à publicação, o que faz diferença no resultado. Por isso, a maior parte dos Centros de referência estão em São Paulo e não no Rio Grande do Sul, apesar de termos potencial para isso.

Lazer – Quando posso, gosto de viajar. No verão, estive em Iguape, um dos primeiros pontos de colonização portuguesa em São Paulo. Existem lugares muito lindos no Brasil, que a gente não conhece. Também gosto muito de ler romance. É difícil dizer o autor de que eu gosto mais. Um livro do qual gostei muito foi O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago. Gosto muito de ler romances históricos, se bem que o modismo atual não tem produzido obras que eu considere de qualidade. Gosto de assistir a filmes de ficção e romance, mas tenho pouco tempo para ir ao cinema.

Política brasileira – É preocupante. Não sei se porque eu vivi o período em que existia uma perspectiva de que tudo mudaria para melhor, não só com as Eleições Diretas, mas com a Constituinte. E, agora, parece que só o voto e as garantias dos direitos dos cidadãos não são suficientes. Na verdade, é preciso mudar a política, o Congresso e a Presidência. Tudo o que tem acontecido é extremamente preocupante, mas, mesmo assim, eu não me dou ao direito de não votar ou de simplesmente anular o meu voto, mesmo que as alternativas não me pareçam das melhores. Precisamos exercer o direito, mas tem que haver um pouco mais de reflexão para mudar alguma coisa. 

Instituto Humanitas Unisinos – Como trabalho com as disciplinas História do Pensamento Econômico e Formação Econômica do Brasil, sou privilegiada pela programação do Humanitas, especialmente pelos ciclos “Repensando os Clássicos da Economia”, “Fundamentos Antropológicos da Economia” e “Interpretações do Brasil: dos clássicos às novas abordagens”. Sempre que possível, procuro participar trazendo os meus alunos. Acho extremamente importante essa perspectiva de promover ciclos de reflexão de temas específicos, os quais não fazem parte dos programas das disciplinas dos cursos e que, sem dúvida, contribuem para a formação do aluno. O Humanitas tem criado oportunidades de trazer interpretações alternativas e estabelecer reflexões específicas sobre temas atuais de grande importância. 

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