Edição 245 | 26 Novembro 2007

“Em vez de reduzir a influência do fundamentalismo, Dawkins está piorando as coisas”

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IHU Online

Dawkins faz uma crítica simplista à religião que terá apelo a muita gente. “Dawkins quer que as pessoas acreditem que a religião é intrinsecamente violenta, em parte porque isso compensa seus argumentos intelectuais muito fracos contra a crença em Deus. Uma vez que Dawkins é incompetente para mostrar que a crença em Deus é intelectualmente errada, ele tenta mostrar, em vez disso, que a religião é má”. A invectiva é endereçada a Richard Dawkins por seu colega de Oxford, Alister McGrath, que, em parceria de sua esposa Joanna, escreveu a obra O delírio de Dawkins. Uma resposta ao fundamentalismo ateísta de Richard Dawkins (São Paulo: Mundo Cristão, 2007).

Numa entrevista exclusiva, concedida por e-mail à IHU On-Line, McGrath foi categórico ao dizer que Dawkins oferece a seus leitores em Deus, um delírio, uma manipulação de fatos e pouca análise científica. O resultado é que, “em vez de reduzir a influência do fundamentalismo, Dawkins está piorando as coisas”. Dawkins, que será entrevistado em breve pela IHU On-Line, precisará fazer algumas peripécias teóricas para responder às críticas de McGrath.

Ex-ateu nascido em Belfast, Irlanda do Norte, McGrath é professor de teologia histórica da Universidade de Oxford e pesquisador sênior do Harris Manchester College. Ele garante que não somos acidentes cósmicos nem “resultados indesejados de um processo aleatório. Cada um de nós importa para Deus, e no conhecer Deus, encontramos o verdadeiro propósito da vida”. Ele também é doutor em biofísica molecular e teologia pela Universidade de Oxford. Seu interesse principal se concentra na história do pensamento cristão, com ênfase particular na relação entre as ciências naturais e a fé cristã. Em seu site http://users.ox.ac.uk/~mcgrath/ é possível conferir detalhes sobre seu pensamento, publicações e trajetória acadêmica.

IHU On-Line - Quais são suas principais contestações às concepções de Dawkins sobre a religião?
Alister McGrath -
Dawkins está interessado apenas em criticar a crença em Deus, não em compreendê-lo. Dawkins mostra a religião sob a pior luz possível, mostrando erroneamente suas idéias e práticas. Ele parece assumir que seus leitores sabem tão pouco sobre fé e prática religiosas que irão aceitar suas más representações sem questionar. Por exemplo, Dawkins sugere que não seja permitido que os pais ensinem mais as crianças sobre a “verdade da Bíblia” que “arrancar os dentes de seus filhos”.

IHU On-Line - Em seu ponto de vista, aproximar religião e violência como corolários é um dos equívocos de Dawkins. Por que ele faz essa aproximação?
Alister McGrath -
Porque é uma crítica simplista da religião que terá apelo para muita gente. Dawkins quer que as pessoas acreditem que religião é intrinsecamente violenta, em parte porque isso compensa seus argumentos intelectuais muito fracos contra a crença em Deus. Uma vez que Dawkins é incompetente para mostrar que a crença em Deus é intelectualmente errada, ele tenta mostrar, em vez disso, que a religião é má.

IHU On-Line - Porque o senhor afirma que há pouca argumentação científica no livro de Dawkins?
Alister McGrath -
Dawkins oferece a seus leitores uma altamente seletiva manipulação dos fatos para um pensamento cuidadoso e baseado em evidências. Curiosamente, há pouca análise científica em Deus, um delírio. Há muita especulação pseudocientífica, muita da qual baseada em sua própria idéia de “meme” , a qual não é levada a sério pela comunidade científica.

IHU On-Line - Você e Dawkins traçaram rumos intelectuais distintos – você era ateu e se tornou cristão, e Dawkins era cristão e se tornou ateu. Como chegaram a conclusões tão diferentes com base na reflexão sobre o mesmo mundo?
Alister McGrath -
Porque nem a razão humana nem o mundo natural nos forçam a ser ateístas ou cristãos. São ambos ambíguos, e podem ser interpretados de modo cristão ou ateu. A meu ver, o cristianismo dá muito mais sentido à razão humana e ao mundo natural que qualquer outra coisa. É a “melhor explicação” daquilo que observamos. Eu costumava achar que o ateísmo era a melhor explicação para as coisas, mas não acredito mais nisso. Em parte, isso se deve ao meu profundo entendimento da filosofia das ciências, a qual me ajudou a perceber que o tipo de abordagem ateísta da ciência natural que encontramos em Dawkins não pode se sustentar.

IHU On-Line - Que livros o senhor leu que o despertaram de seu “sono dogmático” ateu? Porque usa essa expressão, em específico, tributária de David Hume , um ateu declarado?
Alister McGrath -
Usei a figura do “sono dogmático” para criar a idéia de que eu estava travado em um modo ateísta de pensar, e fiquei tão acostumado com isto que interpretei o mundo automaticamente em categorias ateístas. Foi falar com cristãos, especialmente aqueles que são cientistas naturais, que me fez perceber que havia outras formas de ver as coisas. Mais tarde, comecei a ler importantes livros cristãos, incluindo alguns do escritor C. S. Lewis .

IHU On-Line - Como podemos entender a tentativa paradoxal de Dawkins de combater o fundamentalismo religioso através de um fundamentalismo ateísta?
Alister McGrath -
Isto é um processo complicado. Dawkins está tão certo de suas próprias crenças e tão convencido de que qualquer um que acredite em Deus esteja iludido, que acaba se tornando o próprio fundamentalista. O que precisamos é  de menos fundamentalistas de qualquer tipo, sejam religiosos ou anti-religiosos. Em vez de reduzir a influência do fundamentalismo, Dawkins está piorando as coisas. Alguns ateus/ateístas argumentam que o ateísmo não pode ser fundamentalista - mas isso é ignorar a idéia de que o fundamentalismo envolve certas convicções psicológicas absolutas, o que leva as pessoas a tratar aqueles com crenças alternativas [outras crenças] como irracionais, mentalmente doentes, ou moralmente degenerados. Essa é a abordagem que encontramos em Deus, um delírio de Dawkins.

IHU On-Line - E como compreender a seletividade dos argumentos de Dawkins? Podemos dizer que ele procede como Nietzsche em O anticristo, onde usa apenas duas passagens da Bíblia para construir toda a sua crítica?
Alister McGrath -
Dawkins é altamente seletivo, apenas citando evidências que confirmem seus propósitos, e minimizando ou ridicularizando contra-evidências. Sua relação com a Bíblia é fatualmente incorreta e muito desapontadora, e demonstra pouco conhecimento de como os cristãos interpretam o texto.

IHU On-Line - Se Dawkins não se baseia em Freud para dizer que Deus é uma infantilidade, esse é um argumento gratuito? Há alguma influência de Feuerbach nos escritos de Dawkins?
Alister McGrath -
Dawkins não cita nem Freud nem Feuerbach, mas seus argumentos são claramente dependentes dos deles. Seus próprios argumentos altamente artificiais e não-persuasivos são apresentados como se fossem baseados em evidências científicas. Na verdade, suas teorias das origens biológicas da religião são exageradamente especulativas. Seus argumentos são altamente inconsistentes e especulativos, e muito pobremente embasados em evidências.

IHU On-Line - Com base nas idéias de Gould, poderia explicar como a natureza pode ser interpretada como teísta ou ateísta, ambas interpretações possibilidades intelectuais genuínas para a ciência? Então Deus e ciência são compatíveis?
Alister McGrath -
Gould argumenta que a ciência é simplesmente incompetente para interpretar a questão de Deus. A ciência não pode demonstrar que haja um Deus nem demonstrar que não haja. Essas decisões devem ser tomadas em outros níveis. Dawkins defende que as ciências naturais levam ao ateísmo. Ele, portanto, tem que acreditar que todos os verdadeiros cientistas sejam ateus, o que é claramente impossível de defender. Este é amplamente considerado como sendo um de seus mais não-persuasivos e insatisfatórios argumentos. Como muitos proeminentes cientistas têm mostrado, não é difícil integrar fé e ciência. Muitos cientistas ateus acreditam que Dawkins esteja desacreditando tanto a ciência quanto o ateísmo com sua insistência dogmática a respeito da ciência ser hostil à fé.

IHU On-Line - O senhor poderia explicar com mais detalhes sua idéia sobre a importância da fé cristã como propósito da vida por detrás do universo e da vida de cada indivíduo?
Alister McGrath -
A ciência esclarece mecanismos, mas não descobre significados. Ela não responde às grandes questões da vida como “por que estamos aqui?” ou “qual o propósito da vida?”. Estas são questões importantes, e elas importam para as pessoas. O cristianismo nos dá um novo modo de enxergar as coisas - a nós mesmos e o mundo no qual vivemos. Nos mostra que somos especiais aos olhos de Deus, que somos importantes para ele. Nos ajuda a compreender o que há de errado conosco, e o que podemos fazer para transformar as coisas. Para mim, o Salmo 8 é um dos mais importantes ditos a respeito da identidade e propósito humanos, e o acho imensamente útil quando penso nessas coisas. Ele nos fala de um Deus que nos criou e se importa conosco - um tema que é desenvolvido ainda mais adiante no Novo Testamento. Não somos acidentes cósmicos. Não somos resultados indesejados de um processo aleatório. Cada um de nós importa para Deus, e no conhecer Deus, encontramos o verdadeiro propósito da vida. Uma prece do grande teólogo cristão Agostinho de Hipona [Santo Agostinho] é muito útil aqui: “Tu nos fizeste para ti, e nosso coração é inquieto até que encontre repouso em ti”. Como o Filho Pródigo, voltamos para a casa para Deus de nossas “terras distantes”, e encontramos aceitação, perdão, repouso e paz.

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