Edição 242 | 05 Novembro 2007

Os desafios das mulheres leopoldenses na busca por espaço

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IHU Online

Encontros de Ética

A assistente social Carolina Cerveira é enfática ao afirmar que “atualmente 70% das pessoas pobres no mundo são mulheres, o que significa a impossibilidade de acesso à terra, à moradia, ao trabalho, à renda e à participação política. Em relação à inserção no trabalho, apesar da crescente participação feminina entre a população economicamente ativa, as mulheres ainda são minoria no mercado de trabalho e estar inseridas não significa garantia de obtenção de emprego, visto que estão sujeitas a trabalhar em postos mais vulneráveis que os homens”. Suas considerações adiantam alguns dos aspectos que irá abordar nesta segunda-feira, 05-11-2007, nos Encontros de Ética, falando sobre Histórias de participação e empoderamento de mulheres em São Leopoldo.

Cerveira é graduada em Serviço Social pela Unisinos com a monografia Protagonismo de mulheres: ações e repercussões do processo de assessoria em Serviço Social. Desde janeiro deste ano atua na Associação Meninos e Meninas de Progresso, em São Leopoldo e desde março é representante institucional da Rede Mulher de Educação junto à Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e do Caribe (REPEM).
Entrevista com Carolina Cerveira

Os desafios das mulheres leopoldenses na busca por espaço

IHU On-Line - Quais são as principais dificuldades vividas pelas mulheres em São Leopoldo nas suas histórias de participação e empoderamento?
Carolina Cerveira -
Primeiramente, destaco as dificuldades relacionadas às desigualdades econômicas inerentes ao sistema capitalista. Conforme relatórios das Nações Unidas, sabemos que atualmente 70% das pessoas pobres no mundo são mulheres, o que significa a impossibilidade de acesso à terra, à moradia, ao trabalho, à renda e à participação política. Em relação à inserção no trabalho, apesar da crescente participação feminina entre a população economicamente ativa, as mulheres ainda são minoria no mercado de trabalho e estarem inseridas não significa garantia de obtenção de emprego, visto que estão sujeitas a trabalhar em postos mais vulneráveis que os homens. A proporção de mulheres com vínculos de trabalho precários, sem garantia de acesso a nenhum benefício social (sem carteira assinada, autônomas que prestam serviços domésticos e trabalhadoras familiares não remuneradas), é superior a dos homens.

Na mesma direção, há a ausência de políticas públicas, que respondam às necessidades práticas e estratégicas de gênero, garantindo acesso, de forma equânime a mulheres e homens, a direitos sociais, de acordo com a demanda, mas que também apontem à construção de relações igualitárias entre mulheres-homens, mulheres-mulheres e homens-homens.

Outra grande barreira, atualmente com maior visibilidade, refere-se à violência contra as mulheres, que se constitui num impeditivo de participação e protagonismo. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará,1994) define violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada'. Estabelece que esta violência pode ocorrer ‘no âmbito da família ou unidade doméstica, ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não da mesma residência com a mulher, incluindo, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual’; ‘na comunidade e cometida por qualquer pessoa’ e, ainda, pode ser 'perpetrada ou tolerada pelo Estado e seus agentes, onde quer que ocorra” .

O município de São Leopoldo, desde 2006, conta com o Centro Jacobina de atendimento e apoio à mulher, demanda antiga do movimento de mulheres, que presta assistência social e psicológica e assessoria jurídica às pessoas acolhidas. Desde o início das atividades, entre setembro e dezembro de 2006, foram registrados 98 casos; e 207 casos no primeiro semestre de 2007.
Por fim, uma cultura política centralizadora, machista, racista e classista, muito resistente à partilha de poder.

IHU On-Line - Que conquistas destacaria como mais significativas nessa trajetória?
Carolina Cerveira -
O processo de organização das mulheres, que antecede a atuação da universidade na cidade, vem tecendo conquistas pessoais, para o movimento e para a cidade. Descobertas, construção de saberes coletivos, identificação, organização, atuação nas comunidades, reflexão sobre o fazer, são conquistas pequenas e grandiosas na vida de cada mulher implicada nesse processo. Muitas delas, ao reconhecerem sua trajetória e sua importância na vida de outras pessoas e das comunidades onde atuam, experimentam o que definimos como empoderamento, uma nova compreensão de poder, “que enaltece potencialidades, que valoriza as pessoas, que liberta, constrói, respeita, inclui, garante acesso, informação, dignidade, cidadania” (CORTIZO; OLIVEIRA, 2004), despertando a esperança ativa das mulheres de entrar em cena.

Além disso, uma importante conquista refere-se à constituição do Fórum de Mulheres de São Leopoldo (FMSL), a partir de maio de 2000, resultante do VII Encontro de Mulheres, realizado na cidade em 1999. Os encontros aconteceram na década de 1990, objetivando a integração e o intercâmbio de vivências e a discussão de assuntos relevantes para as mulheres.

A atuação da Unisinos, através do Serviço Social – Assessoria a Movimentos de Mulheres e Organizações Comunitárias, também pode ser considerada como um investimento da universidade e uma conquista das mulheres, que podiam contar com a assessoria de profissionais e acadêmicas/os em sua organização. Além da universidade, outras organizações não governamentais também investiram na formação de mulheres em São Leopoldo.

 Mais recentemente, a partir da administração da Frente Popular Humanista, em 2005, obtivemos alguns avanços como a criação da Coordenadoria Municipal da Mulher, do Centro Jacobina, a implantação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim) e a realização das Conferências Municipais da Mulher. Além disso, há algumas iniciativas de diálogo entre políticas como assistência social, habitação e desenvolvimento social, buscando a implementação de programas e serviços que incluam e/ou priorizem as mulheres. Apesar desses avanços, perguntamo-nos se a centralidade das políticas nas mulheres não estaria reproduzindo papéis: mãe, cuidadora e responsável pela família.

Por fim, destaco o fato de as mulheres assumirem espaços, em diferentes setores da administração pública, o que representa o reconhecimento seu público, enquanto atores políticos do município, dotados de ativos, como o apoio de outros grupos e de organizações de mulheres, a disposição para trabalhar pela melhoria da qualidade de vida e pela ampliação do seu espaço na sociedade, a participação na proposição de políticas públicas, o controle social, realizado pelo Fórum de Mulheres nos últimos anos, e a capacidade de articulação e de mobilização. 

IHU On-Line - O que essa participação e empoderamento confere às mulheres em termos práticos?
Carolina Cerveira -
Constatamos que a participação das mulheres em grupos pequenas nas suas comunidades, assim como em espaços mais amplos e politizados, confere-nos, primeiramente, o empoderamento pessoal, ou seja, o reconhecimento dos ativos presentes e daqueles necessários para o desenvolvimento de nossas ações. A busca da formação através da educação formal, de grupos de estudo e das reuniões e dos encontros de mulheres, que são espaços formativos. Além disso, há o “desabrochar” enquanto mulher, que tem sentimentos, vontades, desejos, prazeres, dores, desapontamentos, esperanças, e a possibilidade de compartilhar essas experiências com um grupo.

 Além disso, existem as melhorias concretas nos bairros, nas vilas e na cidade, provocadas pela organização e participação das mulheres nos grupos, associações de bairro, grupos de geração de trabalho e renda, orçamento participativo, ONGs e centros comunitários, através dos quais criam-se espaços de discussão e atendimento a demandas diversas.

IHU On-Line - Quais são os lugares sociais ocupados por essas mulheres e seu papel junto às comunidades de onde vêm?
Carolina Cerveira -
As mulheres com quem atuamos, através do Serviço Social – Assessoria a Movimentos de Mulheres, operavam em diversas frentes: educadoras, promotoras legais populares, integrantes de grupos de mulheres ou associações de bairros, catequistas, agentes comunitárias, integrantes do movimento negro, profissionais e acadêmicas da universidade, profissionais de ONGs, conselheiras de direitos, integrantes de cargos de governo, todas muito implicadas, desempenhando papéis diferenciados, conforme o espaço ocupado.

IHU On-Line - Quais são as barreiras que permanecem no modelo de sociedade atual para o efetivo empoderamento e participação?
Carolina Cerveira -
Há muitos fatores impeditivos à participação das mulheres no atual modelo societário ocidental, no qual estamos inseridas. Como já citado inicialmente, existem as desigualdades econômicas, a exploração e precarização do trabalho feminino e a ausência de políticas estratégicas de gênero são fundamentais. Além disso, a cultura machista, centralizadora e violenta na qual vivemos tende a excluir e desvalorizar os “diferentes”, os não homens, não brancos, não ricos, não ocidentais. Estes são aspectos discutidos em diferentes âmbitos e integram as agendas de movimentos sociais e organizações internacionais de mulheres e homens que aspiram um “outro mundo possível”.

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