Edição 242 | 05 Novembro 2007

A nascente do Sinos clama por salvação

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

IHU Online

Com uma área de 3.820 km², a bacia hidrográfica do Rio dos Sinos abastece cerca de 1,3 milhões de pessoas, em 32 municípios. A atual concentração humana na região do Vale do Sinos, explica o professor Milton Strieder, “não permite que a recuperação do Rio se mantenha na dependência das mudanças climáticas”. O seu estado crítico, acrescenta, “exige investimentos e esforços dirigidos, no sentido de se conseguir resultados concretos de melhoria da qualidade da água e do ambiente”.



Em entrevista concedida à IHU On-Line, por e-mail, Strieder disse que “é muito triste ver que os diversos arroios e banhados, principalmente no trecho inferior do Rio, se transformaram em ambientes de esgoto a céu aberto, isso quando não se encontram canalizados e encobertos para esconder a sujeira”.

Strieder é graduado em Biologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com especialização em Zoologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O pesquisador cursou mestrado e doutorado em Biociências pela mesma universidade. Atualmente, ele atua como docente da Unisinos.   

Eis a entrevista:

IHU On-Line - Quantos municípios o Rio dos Sinos atravessa, desde a sua nascente até a cidade de São Leopoldo?
Milton Strieder -
A bacia hidrográfica do Rio dos Sinos tem uma área de 3.820 km² e envolve, total ou parcialmente, 32 municípios, com cerca de 1,3 milhões de pessoas. Além dos diversos arroios, que compreendem uma malha hídrica de 3,317 mil quilômetros, o Rio dos Sinos tem como principais formadores o Rio Rolante  e Paranhana . Seu curso d’água principal tem uma extensão aproximada de 190 Km, situa-se na região meridional da Serra Geral no Rio Grande do Sul, e as nascentes estão localizadas nos municípios de Caraá  e Osório , a cerca de 600 metros de altitude, correndo no sentido leste-oeste até a cidade de São Leopoldo, onde muda para a direção norte-sul, desembocando no delta do Rio Jacuí entre as ilhas Grande dos Marinheiros e das Garças, a uma altitude de 12 metros. 

IHU On-Line - Qual é a situação das nascentes do Rio dos Sinos, atualmente?
Milton Strieder -
O Rio dos Sinos ainda tem a vegetação nativa e pequenos banhados conservados na área das nascentes, mas, de uma forma geral, a cobertura vegetal da bacia está muito reduzida. As nascentes do Rio Rolante e Paranhana já apresentam significativos impactos ambientais. A região superior do Rio apresenta baixa densidade populacional, com pequenas propriedades rurais, cuja agricultura é diversificada, com feijão, milho, cana de açúcar, hortaliças e cultura de arroz. A pecuária também é pouco desenvolvida: existem pequenas criações de gado leiteiro, de suínos e aves.

IHU On-Line - Como são as regiões ribeirinhas do Rio, desde a sua nascente até nas cidades mais populosas como São Leopoldo e Canoas?
Milton Strieder -
Nas áreas de encosta com alta declividade, ainda existe a maior parte da vegetação ciliar conservada e predomina a agricultura de subsistência. Nas áreas de transição de relevo, ocorrem pequenas e médias propriedades, com pecuária e agricultura de subsistência. Nas áreas planas e com banhados alagáveis, ocorre o cultivo de arroz e a pecuária extensiva. Enquanto isso, na região inferior, a grande área está densamente urbanizada e apresenta grande concentração industrial.

IHU On-Line - Em que ocasião as nascentes do Rio dos Sinos poderão ser prejudicadas?
Milton Strieder -
A degradação ambiental das nascentes pode aumentar à medida que loteamentos são aprovados sem sistemas de tratamento de esgoto e enquanto os Planos de Saneamento Municipais não forem efetivamente implementados. A degradação aumenta à medida que os investimentos para tratamento de esgotos não forem priorizados, os domicílios não manterem fossas sépticas, ou não se ligarem em redes coletoras de esgoto, as matas ciliares não forem recuperadas e as áreas próximas dos cursos d’água não receberem a devida proteção.
 
IHU On-Line - Como o senhor descreve a fauna e a flora que permeiam o Rio dos Sinos? Como elas vão se modificando ao longo do Rio?
Milton Strieder -
De forma geral, ainda existe uma grande diversidade biológica na bacia do Rio dos Sinos, com ocorrência de pelo menos 100 espécies de peixes, em torno de 300 espécies de aves e uma grande diversidade de macroinvertebrados aquáticos, com representantes de pelo menos 100 famílias, cada uma com várias espécies, como a família Simuliidae, que tem o registro de 23 espécies. Isso permite concluir que existem pelo menos 1.000 espécies de macroinvertebrados nos diferentes mananciais aquáticos da bacia dos Sinos. Durante as últimas décadas, boa parte dessa diversidade biológica está sendo significativamente afetada pelos impactos antrópicos, com maior intensidade na região inferior da bacia, devido à grande concentração humana e a degradação ambiental. A distribuição e a abundância das diferentes espécies nativas ao longo dos cursos d’água seguem as características geomorfológicas que variam  ao longo do gradiente longitudinal, destacando-se a importância da preservação das condições naturais no curso superior, médio e foz. As alterações causadas nas comunidades biológicas pelos efeitos prolongados da exposição aos poluentes permitem avaliar as mudanças ocorridas no ambiente nos diferentes trechos do Rio.   

IHU On-Line - A recuperação do Rio está muito restrita e dependente das mudanças climáticas?
Milton Strieder -
Para se compreender o grau de fragilidade do Rio dos Sinos, é necessário considerar os diversos fatores climáticos, geológicos, biológicos e antrópicos que atuam em toda a bacia hidrográfica. A atual concentração humana na região do Vale do Sinos não permite que a recuperação do Rio se mantenha na dependência das mudanças climáticas. O seu estado crítico exige investimentos e esforços dirigidos, no sentido de se conseguir resultados concretos de melhoria da qualidade da água e do ambiente. Na implementação de um programa integrado e sustentável, toda a bacia precisa ser considerada como unidade fundamental para o planejamento do uso e conservação dos recursos hídricos. O nosso sonho é que no futuro possamos conviver e ver os arroios, como o Portão , João Correia , Luiz Rau , Pampa , Kruze , Peão , Sapiranga , Funil  e, em especial, o nosso Rio dos Sinos com saúde ambiental e boa qualidade de água.
 
IHU On-Line - Como planejar e executar ações para melhorar a qualidade dos arroios na bacia dos Sinos?
Milton Strieder -
É muito triste nós vermos que os diversos arroios e banhados, principalmente no trecho inferior do Rio, se transformaram em ambientes de esgoto a céu aberto, isso quando não se encontram canalizados e encobertos para esconder a sujeira.  Todos esses afluentes devem ser recuperados, visando à restauração da saúde ambiental e o restabelecimento da diversidade biológica. Se não recuperarmos esses afluentes, a qualidade da água no Rio dos Sinos não vai melhorar e, conforme o ciclo das chuvas, poderemos ter outros eventos de mortandade de peixes, com a mesma gravidade do ano passado. Além dos urgentes investimentos necessários para a instalação dos sistemas de tratamento de esgoto, é preciso a colaboração de toda a população para manter em funcionamento as fossas sépticas ou ligar os domicílios às redes coletoras de esgoto, além de arcar com o ônus desses tratamentos coletivos. A preservação e a recuperação da mata ciliar ao longo dos cursos d’água, assim como a desocupação das margens por moradias, também devem ser incluídas nas ações de recuperação da qualidade do ambiente. Programas de educação ambiental devem manter a população consciente sobre os problemas que influenciam na qualidade das águas, como o esgoto orgânico e químico, a alteração da estrutura natural dos rios, a degradação ambiental e a redução da diversidade biológica.

IHU On-Line - Depois do acidente, foi implementado um Plano de Saneamento da Bacia hidrográfica do Rio dos Sinos?
Milton Strieder -
Não. Existe uma tentativa de agregar os municípios para que eles possam cumprir com as suas atribuições legais em relação ao esgoto, lixo, abastecimento público, drenagem etc. O Plano de Bacia Hidrográfica ainda está esperando recursos para ser implementado. A Portaria nº 095/2006 da Fepam determina que os municípios não aprovem mais licenciamentos ambientais com médio e alto potencial poluidor, o que impede a instalação de empreendimentos novos, ou mesmo a ampliação de existentes no Vale do Rio dos Sinos. 

IHU On-Line - Que medidas públicas e administrativas deveriam ser tomadas para resolver a falta de tratamento nos esgotos a céu aberto?
Milton Strieder -
São necessários grandes investimentos em obras de saneamento, especialmente para o tratamento de esgotos e dos arroios degradados. Além da instalação das estações de tratamento, é necessário criar condições para que as fontes poluidoras sejam efetivamente ligadas nas redes coletoras. Ações de preservação da qualidade da água e saneamento ambiental devem ser priorizadas pela administração pública, deve haver maior vontade política, com envolvimento de toda a sociedade nas medidas coletivas, que devem ser aplicadas para resolver esse problema. Os gastos com as obras para tratamento do esgoto e o seu efetivo funcionamento são da responsabilidade de toda sociedade. Medidas educativas devem aumentar a responsabilidade das pessoas com os ambientes aquáticos.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição