Edição 241 | 29 Outubro 2007

Nanovigilância: qual é o limite?

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IHU Online

Cresce o debate sobre a importância e ao mesmo tempo, a preocupação com as nanotecnologias. Que elas farão parte, com muita intensidade, do futuro humano, não temos mais dúvidas, mas até que ponto as nanopartículas não se tornarão intrusas em nossas vidas? Para Gérson Neves Pinto, Prof. Dr. de Bioética do Curso de Direito da Unisinos, nesse campo de pesquisa, dois aspectos importantes devem ser observados. O primeiro, esclarece, diz respeito às questões dos direitos do indivíduo à intimidade, que segundo ele, podem ser ameaçados pela “nanovigilância”.

Em segundo lugar, estão os problemas de ordem social. O professor destaca a possível perda de controle na produção de nanoprodutos, que podem gerar danos ao consumidor e ao meio ambiente. Assim, explica, “o Direito terá como função assegurar a dignidade da pessoa humana e encontrar o equilíbrio possível entre a liberdade de investigação científica e o respeito pelos direitos fundamentais do indivíduo”.

As declarações fazem parte do artigo a seguir, concedido com exclusividade à IHU On-Line.  

Sabemos o quanto Freud, no início do século XX, provocou a maior estupefação no meio médico de então, ao afirmar que a sexualidade infantil é algo constitutivo da neurose humana e que esta descoberta não deveria ser algo tão surpreendente e repulsiva, pois, na realidade, ele simplesmente estava recuperando aquilo que os gregos já sabiam há muito tempo e que está maravilhosamente narrado na tragédia de Sófocles, Édipo Rei: o destino inelutável do ser humano. Do mesmo modo, podemos imaginar que, nos dias de hoje, com o advento da nanotecnologia, estejamos, novamente, diante de uma nova irrupção daquilo que os Gregos já haviam prefigurado: a “caixa de pandora”, aquilo que simboliza, uma vez aberta, a causa das maiores catástrofes, pois que nela se encontravam todos os males da humanidade. Outros dirão que a nanotecnologia se constitui numa “caixa de Pandora” às avessas, pois seria a redenção do ser humano no que diz respeito aos segredos da vida e, sobretudo, a possibilidade de transcender o humano, enquanto mortal, atingindo assim, o pós-humano ou o pós-natural.

Seja como for, a nanotecnologia já é uma realidade e ela diz respeito a todos os setores da atividade humana: a medicina e os medicamentos, cosméticos (protetores solares), a indústria têxtil, automobilística e eletrônica, a robótica, a indústria bélica e militar. Enfim, a “caixa de Pandora” já foi aberta, para o bem ou para o mal. Isto é, a nanotecnologia está no nosso presente e estará, sem dúvida, no nosso futuro. O desafio agora é saber como devemos nos conduzir para uma adequada utilização destes descobrimentos e ter a consciência de que as nanotecnologias podem originar problemas de ordem ambiental, socioeconômicos, éticos que, fundamentalmente, dizem respeito às liberdades individuais. É uma discussão, portanto, que transcende o plano meramente técnico e científico, dizendo respeito ao conjunto da sociedade que se vê frente à possibilidade de sofrer benefícios e malefícios.

O que a nanotecnologia traz de novo no século XXI é algo parecido com o que aconteceu no século XX com a genética: as técnicas inovadoras provenientes da genética deslocaram a fronteira entre a base natural indisponível e o chamado reino da liberdade, como afirmou o filósofo Habermas  em seu livro O futuro da natureza humana . A intervenção das tecnologias naquilo que até então era absolutamente natural ou por acaso (fecundação, gestação, mutações etc.) fez com que ocorresse uma ampliação do âmbito de intervenção do homem naquilo que era “natural”, modificando, assim, a estrutura geral de nossa experiência moral. Isto também é denominado de “deslocamento moral” por Ronald Dworkin , em seu livro A virtude soberana, como sendo uma crise dos valores de nossa tradição ético-moral ocidental para tratar e compreender melhor as questões e problemas trazidos pelas rápidas mudanças na ciência genética e as aplicações desta nos diagnósticos, prognósticos e terapias médicas. Este novo horizonte nos coloca frente a uma desafiante reformulação de problemas morais, jurídicos e políticos que o avanço destas novas tecnologias produzirá num futuro bem próximo. Destaca o autor que, diante de temas tão intensos, frente a inovações científicas que acarretaram mudanças, modificam-se os valores de um extremo para outro. Deste modo, um período de estabilidade moral foi substituído pela insegurança moral, o que faz com que alguns atribuam o termo “brincar de Deus”, ao fato dos cientistas desvendarem elementos da ciência capazes de lhes conferir poder sobre a natureza. Deste modo, a ética, a moral e o direito, a partir deste novo quadro situacional, de novas tecnologias, têm que formular novos limites e proteção jurídica na regulação, produção e utilização destes nanoprodutos. Destaca-se, ainda, a necessidade de maiores informações aos consumidores destes produtos, a fim de que sua opção seja consciente e, para ilustrar, cita-se como exemplo, o caso de alguns protetores solares, que hoje são nanoprodutos, contudo, os consumidores não têm conhecimento dos prováveis malefícios e possíveis danos futuros. Neste sentido, faz-se necessário uma legislação que discipline todos os aspectos que envolvem a pesquisa, utilização e comercialização destes nanoprodutos. Na questão da legislação, temos um antecedente histórico parecido, no caso dos transgênicos: sabemos que a Europa dispõe de uma legislação eficaz acerca dos transgênicos, sendo que, no caso do Brasil, existe tal legislação, mas não é efetivamente aplicada.

Os questionamentos pertinentes aos impactos da nanotecnologia na vida das pessoas, em especial, nas questões que envolvem o direito, devem atentar para a definição de nanotecnologia dada pela COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (2004), como sendo “a ciência e a tecnologia à escala nanométrica dos átomos e das moléculas e os princípios científicos e as novas propriedades que podem ser compreendidos e controlados ao trabalhar neste domínio”.  No caso da nanotecnologia, a Europa inicia um debate tentando delimitar estas questões, na Comissão acima aludida e na Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina, firmada em Abril de 1997. Temos dois eixos importantes a serem observados: em primeiro lugar, a questão dos direitos do indivíduo à intimidade, liberdade de expressão, os quais podem ser ameaçados pela “nanovigilância”. Em segundo lugar, os problemas de ordem social, tais como as possíveis contaminações, perda de controle na manipulação de nanoprodutos e danos ao meio ambiente. O Direito, assim, terá como função assegurar a dignidade da pessoa humana e encontrar o equilíbrio possível entre a liberdade de investigação científica e o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo.

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