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Em 1990, ao encerrar sua carreira na Universidade, Hans Küng lançou o Projeto de Ética Mundial. A proposta pretendeu fundamentar, a partir da pesquisa científica sobre o teor ético de cada uma das religiões mundiais, um ethos mundial capaz de responder aos desafios do mundo globalizado – não sob a égide da dominação ou hegemonização econômica e cultural, mas a partir do diálogo intenso entre culturas e nações diferentes. O debate alcançou grande repercussão. Em 1995, graças à doação de alguns recursos financeiros pelo Conde K. K. von der Groeben, tornou-se possível a criação da Fundação de Ética Mundial, sediada em Tübingen, na qual atua uma equipe executiva e de pesquisa científica . Por exemplo, a Fundação vem levando a Tübingen desde 2000, para conferências sobre Ética Mundial, intelectuais e líderes prominentes como Tony Blair (antes das guerras), Kofi Annan , Mary Robinson , Horst Köhler , Shirin Ebadi e Jacques Rogge . Entre outras atividades educacionais e na mídia, a Fundação produziu exposição composta de 12 grandes painéis explicativos sobre as religiões mundiais, já exibida em versão inglesa no hall de entrada do edifício da ONU em Nova York; produziu também, em cooperação com a grande emissora de tevê alemã SWR, uma série de sete filmes documentários sobre o tema, acompanhada de livro ilustrado. Essa obra impressa foi recentemente traduzida no Brasil , mas os episódios televisivos permanecem inéditos.
Recentemente, em setembro de 2005, inclusive o papa Bento XVI surpreendeu a opinião pública mundial ao receber Hans Küng para uma longa conversa amigável, na residência de Castel Gandolfo. Nada das divergências doutrinárias do passado: o encontro de ambos foi marcado pelo reconhecimento que Joseph Ratzinger dedica à contribuição de Hans Küng ao diálogo entre as religiões e ao diálogo entre ciência e fé . Os dois antigos colegas (supostos antagonistas, até então) ocuparam juntos o noticiário alemão e mundial tão logo o Vaticano divulgou nota à imprensa sobre o encontro. Prevaleceram, sobre divergências doutrinárias e desencontros institucionais de décadas, a clarividência teológica e a urgência de contribuir para a solução de questões da ordem do dia, em nível internacional.
Também no Brasil a obra de Küng Projeto de Ética Mundial (1990) foi marco fundador de uma discussão que, pela premência dos fatos, frutificou rapidamente e continua a angariar apoio. Seguiu-lhe a publicação de Uma Ética Global para a política e a economia mundiais (1999). Nessa obra, a partir da análise criteriosa do pensamento de figuras chave para a economia e política internacionais recentes (Henry Kissinger , por exemplo), Küng discorre sobre assuntos como o livre mercado e o equilíbrio social, a ecologia e a consciência ética, a globalização e o estado de bem-estar social em crise. A obra seguinte publicada no Brasil, em co-autoria com Helmut Schmidt , ex-chanceler da República Federal da Alemanha, intitula-se Ética Mundial e responsabilidades globais: duas declarações (2001). A publicação encerra versão comentada de dois documentos expedidos respectivamente pelo Parlamento Mundial das Religiões (a “Declaração de ética mundial”, de 1993) e pelo InterAction Council (a “Declaração dos deveres da humanidade”, de 1997, assinada por dirigentes mundiais como Helmut Schmidt, Jimmy Carter , Giscard d’Estaing , Mikhail Gorbatchov , Shimon Peres , além de especialistas como Hans Küng, Hassan Hanafi e Richard Rorty). A “Declaração de Ética Mundial”, a propósito, teve pronto acolhimento, e em 1995, por exemplo, publicou-se um volume intitulado Ja zum Weltethos (Sim à ética mundial). No livro, sem tradução para o português, um dos capítulos tem autoria de D. Paulo Evaristo Arns (“O ethos da paz”, p. 204-217), que integra a coletânea ao lado de outras celebridades como Desmond Tutu , o rei Hassan da Jordânia, os escritores Lev Kopelev e Elie Wiesel .
Do empreendimento iniciado por Küng participam outros pesquisadores alemães, entre os quais se pode destacar Karl-Josef Kuschel , titular da cátedra de Teologia da Cultura e do Diálogo Inter-Religioso na Universidade de Tübingen e doutor honoris causa da Universidade de Lund, na Suécia. No âmbito do Projeto de Ética Mundial, já em 1996 Kuschel assumiu a vice-presidência da Fundação de Ética Mundial e, entre outras, a tarefa de refletir teologicamente sobre possibilidades de diálogo entre islamismo, judaísmo e cristianismo . Autor de livros voltados ao estudo interdisciplinar de Teologia e Literatura , o pensador esteve em visita ao Brasil, Argentina e Chile em 1999, para diversas conferências. Com a proposição de uma teologia abraâmica, Kuschel põe-se à procura de um caminho de fraternidade entre as três grandes religiões monoteístas – marcadas em nosso tempo muito mais pela discórdia do que pelo parentesco de uma origem comum que as deveria aproximar.
Construtores de uma anti-Babel global, sólida, horizontal e tão inclusiva quanto possível, Hans Küng e parceiros como Karl-Josef Kuschel crêem, como outros, que a multiplicidade de línguas, culturas e religiões presta-se a preservar e respeitar diferenças, bem como construir respeito e paz.
Fonte: IHU Fórum On-Line, www.unisinos.br/ihu