Edição 237 | 24 Setembro 2007

Perfil Popular - Sônia Gomes Chaves

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A história de vida de Sônia Gomes Chaves, 49 anos, é emocionante e inspiradora. Ao relatar a sua trajetória, marcada por desafios e superações, ela não segurou as lágrimas, principalmente ao falar do pai e dos filhos, Thiago e Leandro, criados praticamente sozinhos por ela. Assim também ao falar da mãe, Terezinha, que está com 74 anos e tem uma disposição invejável. Por motivos de doença, Sônia não trabalha mais, e a saída que encontrou para complementar o benefício do INSS foi juntar latinhas e garrafas plásticas para vender. Confira, a seguir, a entrevista concedida à revista IHU On-Line, na casa de Sônia, em Canoas:

Origens – Gaúcha, da capital, Sônia conheceu diversos bairros de Porto Alegre, enquanto morou na cidade, até os 19 anos. “Sempre que o aluguel da nossa casa aumentava, a gente se mudava.” Com 49 anos, Sônia é a mais velha de três filhos, duas mulheres e um homem. Ela conta que seu pai era taxista, e a mãe, dona-de-casa. “Quando o salário do meu pai já não era mais suficiente, a minha mãe começou a lavar roupas para fora. Até hoje, ela é lavadeira.”

Infância – Marcada pela humildade, a infância de Sônia lhe proporcionou momentos de diversão. “Como o pai não tinha condições de dar brinquedos para nós, eu e a minha irmã catávamos saquinhos de leite, para uma promoção que tinha, até nos riachos. Nós lavávamos e trocávamos os saquinhos por bolas ou bambolês.” Numa das mudanças, Sônia morou no bairro Caldre Fião, em Porto Alegre, perto da Rede Bandeirantes. Ela lembra que eram feitas promoções em que eram distribuídos canetas ou cadernos, para quem se dedicasse mais às aulas. “Eu queria conhecer os homens do rádio, e conseguia boas notas boas no colégio, naquele mês, para ganhar os brindes.”

Relação com pais e irmãos – Da relação com os irmãos, Sônia tem boas recordações. “Como a minha mãe tinha muita roupa para lavar para fora, eu ajudei a criar o meu irmão mais novo.” No entanto, com o pai, o convívio foi marcado por decepções e desentendimentos. “Ele bebia, e eu achava que ele não precisava beber para trabalhar. Mas ele achava que trabalhava melhor quando estava bêbado. Eu queria trabalhar para ajudar em casa, porque via as coisas faltarem, e ele não deixava.”

Datas marcantes – Houve uma comemoração de ano novo que marcou bastante para Sônia. Ela lembra que todas as famílias já estavam preparando a janta, e nada de o seu pai ir para casa. “Ele chegou eram 23h50 com a lentilha e queria que ficasse pronta à meia-noite. Comecei a guardar mágoa dele, porque estavam todos adiantando a ceia e ele chegou naquele horário e bêbado.” A casa em que Sônia morava com a família não tinha chuveiro, e o banho era tomado em uma bacia. “O pai pediu para eu colocar água na bacia para ele tomar banho. Em seguida, ele dormiu, nem viu a virada do ano.” O aniversário de 15 anos é outra data que passou em branco. “Meu pai não pôde me dar uma festa. Por isso, quero muito festejar os meus 50 anos. A única coisa que ganhei de 15 anos foi um tecido branco com morangos azuis, da minha avó. Minha tia me fez uma saia e uma blusa, e foi o meu presente.”

Trabalho – Sônia começou a trabalhar aos 19 anos, como balconista de uma loja de roupas, em Porto Alegre. “Fiquei lá por oito meses. Depois, a loja fechou. O irmão mais novo da minha mãe ia se casar e me convidou para ser madrinha. Como os meus patrões não tinham dinheiro para me pagar, eles me deram roupas. Foi assim que consegui um vestido para ser madrinha do casamento.” Passado um tempo, Sônia trabalhou em uma empresa de autopeças, e, com a morte do pai, parou para ficar com a mãe. “Depois, voltei a trabalhar e fiquei oito meses em uma fábrica de baldes. Por causa do trabalho, comecei a ter dores no braço direito e na coluna. Fui trabalhar na limpeza de uma transportadora, em Porto Alegre. Sentia dores novamente, mas, mesmo assim, ia trabalhar.” Há seis anos, ela cuidou de crianças, em sua casa. “Parei porque os vizinhos começaram a dizer que eu não tinha mesinhas para crianças, e que a fiscalização poderia bater à minha casa. Quando fui morar em Canoas, trabalhei de novo com limpeza, em Cachoeirinha, por um ano e três meses. Parei, porque, de novo, estourou a coluna e surgiu uma tendinite.”

Ida para Canoas – Sônia conta que seus avós cuidavam de uma chácara em Canoas, e, como o seu avô ficou doente, a sua avó chamou a mãe dela para ficar lá. “Meu pai continuou morando em Porto Alegre. Meu tio ganhou umas casinhas em Guaíba, e a minha avó foi para lá. Eu, minha mãe e meus irmãos fomos morar no estacionamento da Ulbra, onde ficamos durante 15 anos.” Quando a sua avó faleceu, eles continuaram morando onde a ela morava. “A Ulbra pediu a casa, e, então, nós compramos um terreno aqui, no bairro São Vicente, em Canoas, e vai fazer 12 anos que moramos aqui.”

Reciclagem – “Começou como uma brincadeira, e já faz doze anos que eu trabalho com isso. Na época, o pai do meu segundo filho, o Leandro, ainda morava comigo, e resolvemos começar a juntar o material para vender.” Desde então, Sônia levou a sério o trabalho de juntar, amassar e separar latinhas e garrafas plásticas. “Trazia da praia e comecei a pedir latinhas e garrafas para as vizinhas. A minha mãe começou a fazer caminhada e dizia para as companheiras que eu estava juntando. Daí, todos os dias ela vinha com sacolinhas cheias.” Mesmo depois de separada, ela não deixou de juntar o material. “Quando eu não pego na rua, os vizinhos juntam para mim. As crianças que moram do lado da minha casa brigam para tocar uma garrafa para o meu pátio.” Sônia explica que, para ter um rendimento considerável, é preciso juntar latinhas e garrafas durante três meses. “Consigo cerca de R$ 120,00. Na última vez que vendi, comprei passagens para os meus filhos e ainda paguei uma conta de R$ 25,00.” Por causa da tendinite no braço direito, ela não trabalha fora e recebe um benefício INSS. Além de complementar a renda, a venda do material reciclável é uma terapia. “Se estou agoniada, eu vou amassar as garrafas e passa.”

Filhos – Aos 28 anos, Sônia foi mãe solteira. “Criei o Thiago, 21 anos, até os quatro anos, sozinha. Depois, o pai do Leandro, 15 anos, veio morar comigo. Tenho muito pelos meus filhos, e ciúme também, principalmente do mais velho que, aos 14 anos, foi trabalhar para me ajudar.” Sônia ressalta que os filhos são tudo para ela. “Eles não gostam que eu junte garrafas, mas, faço isso mais por eles do que por mim.”

Estudos – Devido às mudanças, que dificultavam o acesso à escola, Sônia pôde estudar até a 4ª série. “Eu não era muito estudiosa, perdia o entusiasmo e deixava os estudos de lado.” Há dois anos, Sônia voltou a estudar, mas “como o Thiago estava no quartel e trazia as calças cheias de barro, eu tinha que lavar num dia para secar no outro. Às vezes, secava atrás da geladeira ou com o ferro. Por causa disso, estudei uma ano e parei.”

Mãe guerreira – Terezinha é o maior espelho de Sônia. “Minha mãe é uma heroína. Ela está com 72 anos e ainda lava roupas para uma família de Porto Alegre. Como eles moram em apartamento, ela lava e passa as roupas mais grossas em casa e vai entregar para eles.” A vitalidade e a disposição da mãe impressionam Sônia. “Gostaria de chegar à idade dela, assim. Ela nunca esteve doente, uma vez fez um tratamento nos ouvidos, e melhorou. Para mim, ela é um exemplo de mulher.”

Lazer – Ficar em casa é uma das preferências de Sônia. “Adoro limpar a casa. E, como a mãe não sai, eu fico com ela, assistindo televisão, mas também gosto da rua, de caminhar e conversar com as vizinhas.”

Política brasileira – Tamanhos são os escândalos que mancham o cenário político nacional que Sônia admite: “Vou ver quem são os candidatos no fim da propaganda. Desligo a televisão e o rádio, porque é muita tragédia.” Sobre segurança, sua visão também é negativa. “Meus filhos saem para trabalhar e estudar, e não sei se eles vão voltar para casa.”

Religião – Católica, mas não praticante. É assim que Sônia se define. “Vou à missa e acredito muito Naquele lá de cima.” Os pedidos de Sônia são de que Ele a ajude, dê forças e que não deixe sua mãe ficar doente. “Quando a gente tem fé, a gente tem esperança.”

Momentos marcantes – Mãe coruja e fã número 1 dos filhos, Sônia afirma: “O momento mais feliz da minha vida foi o nascimento dos meus filhos.” Apesar das mágoas, ela sente a falta do pai, que morreu por problemas com a bebida, quando ela estava com 21 anos. “Foi muito triste ter perdido ele. Cheguei perto do caixão e pedi perdão para ele, e ele também.”

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