Edição 237 | 24 Setembro 2007

Para onde vamos? Os rumos da Teologia hoje

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IHU Online

A Teologia precisa “reinventar seu tradicional diálogo com as outras ciências em bases muito mais árduas”, afirma Afonso Maria Ligorio Soares, presidente da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter). Segundo ele, a Teologia sempre esteve em diálogo com a ciência do seu tempo, mas a cibernética tem exigido que o discurso e a prática científica sejam recolocados em um novo patamar. 



Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Soares aponta para a necessidade de construir “uma teologia pluralista não confessionalmente cristã, mas transreligiosa, pluri-religiosa, macro-ecumênica ou inter-faith”. 

Afonso Maria Ligorio Soares é mestre em Teologia Fundamental, pela Universidade Gregoriana, de Roma, doutor em Ciências da Religião, pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), e pós-doutor em Teologia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Atualmente, é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e é chefe do Departamento de Teologia e Ciências da Religião. Confira a entrevista:

IHU On-Line - Quais são os principais cenários que desafiam a reflexão teológica nesta época da pós-modernidade? Levando em conta a caminhada da Soter, quais são os horizontes que se destacam como importantes para o avanço teológico?
Afonso Maria Ligorio Soares -
Alguns cenários são evidentes e me parecem inevitáveis seus desdobramentos e implicações para a reflexão teológica. O primeiro destaque a ser feito é ao cada vez mais incontornável pluralismo religioso e cultural de nossos dias. O veio pluralista cresce entre religiões distintas e mesmo no interior de uma mesma tradição religiosa. O curioso é que tal fenômeno conviva bem com o rolo compressor do capitalismo globalizado, que nos faz desejar os mesmos bens de consumo, criando uma supercultura cibernética que permeia os pluralismos (re-)emergentes.

Essa supercultura – e este é meu segundo destaque – recoloca em novo patamar o discurso e a prática científica, exigindo da teologia que reinvente seu tradicional diálogo com as outras ciências em bases muito mais árduas.

O terceiro destaque é a sustentabilidade integral; estamos hoje fabricando um planeta insuportável para nossos netos. E algumas decisões a serem tomadas agora são, literalmente, de vida ou morte para os seres vivos da Terra. Este é o tema – urgente – do próximo Congresso Nacional da Soter (julho 2008) e também do próximo Fórum Social em Belém (janeiro, 2009).

A reação das autoridades cristãs – especialmente, da alta hierarquia católica – a esse novo quadro poderia caracterizar um quarto destaque: a igreja católica parece apostar num iminente naufrágio do presente estádio da sociedade ocidental e já antecipa o antídoto: nada de pensamento débil ou consensos construídos; é preciso retomar a unidade em torno de uma apresentação clara e firme da doutrina tradicional.

Nesse contexto, a tarefa teológica é delicada, mas, como sempre, necessária enquanto consciência crítica ad extra e ad intra. Ad extra porque lhe compete evidenciar sempre o quanto algumas realizações humanas podem contradizer e/ou manifestar o Evangelho; ad intra porque é sua missão instigar os cristãos a estarem sempre alerta contra fáceis acomodações às modas da vez.
 
IHU On-Line - Fala-se hoje que a Teologia está numa época de exílio. Que perspectivas se apresentam?
Afonso Maria Ligorio Soares -
Há diversas estratégias de se passar pelo exílio. A mais perigosa e contraproducente é fingir que não há exílio e que a palavra teológica é ouvida e acatada. Mas há exílio!

E bem-vindo seja, pois a experiência de nos encontrarmos de novo no areópago, ouvidos por meia dúzia de curiosos e sendo alvo da zombaria dos novos poderosos, fará bem à nossa saúde teológica. O lema conciliar de dar atenção aos sinais dos tempos não é figura de linguagem. A Teologia é chamada a se redizer em categorias não mais gregas, sintonizada com um pensamento científico que passou pela crítica da filosofia da ciência, convocada a não ser omissa diante de questões urgentes, como as que citamos acima, e pronunciada por novos sujeitos (mulheres, negros, jovens) que, muitas vezes, nem serão cristãos.
 
IHU On-Line -  Considerando o pluralismo religioso, cultural e de valores vigente no atual contexto histórico, quais são as principais contribuições da Teologia e das igrejas para uma boa convivência humana em sociedade?
Afonso Maria Ligorio Soares -
A Teologia já fará muito se refletir criticamente sobre a tradição cristã à luz das contribuições oferecidas pelos novos sujeitos culturais. O desafio do Pluralismo Religioso provocou uma aproximação que já vem sendo chamada de Teologia Pluralista. Mesmo a Teologia Latino-americana da Libertação acabou cedendo em seu esquema social (pobres econômicos) e ampliou seu raio de preocupação para a cultura e as outras religiões do povo. Um dos saldos desse esforço é, por exemplo, a coleção “Pelos caminhos de Deus”, editada pela ASETT, cujo 5º e último volume chama-se exatamente Teologia mundial inter-faith do pluralismo religioso.
 
IHU On-Line - Como avalia o diálogo da Teologia com as outras ciências? Até que ponto a ela vem sendo capaz de assumir a transdisciplinaridade em sua metodologia?
Afonso Maria Ligorio Soares -
A Teologia sempre esteve em diálogo com a ciência de seu tempo. E, desde Santo Tomás , essa intenção é explícita. Mas o diálogo sempre foi crítico.
Hoje não é diferente. Como sempre, há os casos de teólogos disfarçados de cientistas e cientistas em pele de teólogos. Para dialogar, é preciso ter claro o que é próprio de cada interlocutor. Um teólogo que não dialoga com a ciência de seu tempo nem teólogo é, mas precisará ter presente sempre que seu ponto de partida é místico, seu saber é sabedoria e, como tal, não se conforma à leitura científica.

Um exemplo recentíssimo desse esforço dialogal da parte da teologia é o que vem sendo chamado por alguns de nós de “Teologia inter-faith” (entre-fés). Seria possível construirmos juntos uma teologia pluralista não confessionalmente cristã, mas transreligiosa, pluri-religiosa, macro-ecumênica ou inter-faith? É possível uma teologia “não-confessional”, fruto de uma nova epistemologia e de uma nova exploração do tema?

IHU On-Line - Que leituras podemos fazer de situações como a notificação de Jon Sobrino, o resgate da missa em Latim? Qual a influência desses fatos no campo teológico?
Afonso Maria Ligorio Soares -
Bem, basta ver os cenários descritos acima e uma proposta como a citada “teologia inter-faith” para deduzir quais temores eclesiásticos subjazem às notificações vaticanas  e à ressuscitação do velho latim. Também é curioso que a notificação contra a cristologia de Sobrino  anteceda o lançamento mundial da cristologia do papa-teólogo.

No entanto, o intelectual religioso não se impressiona muito com isso (à parte, é evidente, as dores e contratempos do jogo político aí embutido). Visões e versões não coincidentes acerca da interpretação da fé sempre existiram. O cristianismo nasceu plural e assim permanece até hoje. Mas, de tempos em tempos, os diferentes com menos poder costumam sofrer além do razoável com a intolerância de seus críticos. Por sorte, não é tão fácil, na sociedade atual, eliminar totalmente uma idéia mais ousada ou criativa.

IHU On-Line - Qual é a sua apreciação da Teologia que permeia o Documento de Aparecida ? Que implicações isto tem para se pensar a presença da Igreja na realidade latino-americana?
 Afonso Maria Ligorio Soares -
Talvez não haja grandes elogios a serem feitos à Teologia de Aparecida. O maior ganho foi não termos perdido algumas palavras-chave de nossa prática eclesial das últimas décadas (CEBs, pobres, inculturação). No entanto, é um documento feito – ao que parece – para não desagradar demais a ninguém. E isso é muito pouco para quem tinha diante de si o compromisso de vislumbrar a próxima década da América Latina, e animar a caminhada do povo de Deus em determinada direção. Todavia, o principal a ser destacado é que as melhores intuições de nossa igreja seguem valendo e não há por que esmorecer no testemunho a que somos chamados.

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