Edição 237 | 24 Setembro 2007

Barragens: energia para quê e para quem?

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IHU Online

A água e a energia não podem ser vistas como mercadorias e devem “estar a serviço e sob o controle do povo brasileiro”. A opinião é de Marco Antonio Trierveiler, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Trierveiler lembra que o Brasil paga a quinta maior taxa de energia do mundo. Segundo ele, os custos de produção da energia elétrica ficam em torno de seis centavos por kw. No entanto, a população paga de 30 a 63 centavos por kw consumido.



Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ele critica a construção de novas hidrelétricas e relata exemplos de populações atingidas pelas barragens. Trierveiler questiona também a produção de energia no País e pergunta: precisa ou falta energia para quê ou para quem? Quem se beneficia da energia? Se faltar energia, qual será a melhor forma (técnica) de produzi-la? 
Outras entrevistas sobre a matriz energética nacional podem ser conferidas na edição 236, de 17-09-2007, intitulada Energia para quê e para quem? A matriz energética do Brasil em debate. A revista pode ser acessada através do  sítio do IHU (www.unisinos.br/ihu). Eis a entrevista:

IHU On-Line – Quem lucra com a energia produzida no País?
Marco Antonio Trierveiler –
É importante dizer que 32 % de toda energia elétrica produzida no Brasil é utilizada pela chamada indústria pesada, ou ainda conhecida com indústria eletrointensiva (celulose, alumínio, ferro-gusa, minérios, petroquímica, cimento). Essas empresas, além de gastarem muita energia, geram poucos empregos, são muito poluidoras e produzem basicamente para exportação (com esta política, o Brasil voltou a condição semelhante ao modelo agroexportador superado após a crise de 1929, só que agora exporta minérios e produtos primários).  Por esse motivo é que estas indústrias são instaladas em países periféricos, pois elas procuram mão-de-obra barata, exploração dos recursos naturais e mercadores consumidores. A riqueza e o desenvolvimento que geram é privado, ou seja, somente quem ganha são as próprias empresas. 

Para ilustrar esta situação de geração de lucro, podemos pegar o exemplo de uma das barragens já construída, a Hidrelétrica de Barra Grande . Esta usina teve um custo de 1,366 milhões de reais (mais de 770 milhões financiados pelo BNDES). Tem como donas a ALCOA, a CPFL,  a Votorantim, a Camargo Correa, a DME e a Companhia Brasileira do Alumínio-CBA, e produzirá anualmente 3.334.000 MWh, ao preço de R$ 123,80/MW  (preço da venda no leilão de energia), o que renderá anualmente R$ 412.749,200,00. Assim, em pouco mais de três anos toda a obra estará paga. Como ela tem concessão de 30 anos e um custo de manutenção baixo, nos 27 anos restantes terá lucro limpo.

IHU On-Line - Em que sentido as populações ribeirinhas são mais influenciadas pelas hidrelétricas brasileiras?
Marco Antonio Trierveiler -
O Brasil e a maioria dos países do mundo vivem em sociedades capitalistas, nas quais poucos e grandes grupos econômicos dominam os setores da indústria, e buscam também controlar os recursos energéticos do planeta. Estes grupos, para expandir seus lucros, buscam a expansão da produção com aumento da exploração da mão-de-obra e com aumento à exploração das riquezas naturais e à exploração da natureza, causa da humanidade estar enfrentando uma crise ambiental sem precedência na história da humanidade.

Geralmente, as decisões de construir uma barragem são tomadas dentro dos escritórios dessas grandes empresas nacionais e internacionais. Eles decidem em que determinado local do rio existem condições técnicas (geralmente viabilidade financeira) para construir uma hidrelétrica.  Tomada a decisão de construir, o povo e os recursos naturais existentes na região onde a obra será construída são “problemas” a serem resolvidos ou eliminados, para facilitar o andamento da construção.

Prejuízos

Os agricultores, pescadores, sem-terra, posseiros, minerador, quilombolas, indígenas foram historicamente sendo “empurrados” para as terras ribeirinhas ao Rio e permaneceram ali como forma de resistência, mas desassistidos de qualquer política pública. Com a construção de hidrelétricas, eles perdem a relação de vida e de sustento com o Rio, perdem suas terras, seu trabalho, sustento, dignidade e renda. Pescadores, pequenos comerciantes, dragueiros, balseiro, professores, puxadores do leite, pequenos transportadores também tem suas atividades paralisadas. 

Antes de as obras serem construídas, começam os problemas como a falta de informações corretas; falta de incentivo dos bancos, que negam financiar as lavouras, pois as terras serão alagadas; o desânimo de fazer melhorias nas propriedades etc. Com a obra, surgem também novas doenças, prostituição e aumento da violência. Acirram as disputas pelas já precárias condições nas áreas da saúde, educação, moradia e de outras infra-estruturas básicas. Muitos devem perguntar se estes problemas não são “mitigados”. A resposta vem num exemplo: apesar dos efeitos serem sentidos por toda a região, poucos moradores são considerados “atingidos” pela obra. De cada 10 famílias, os dados demonstram que sete delas não são reconhecidas, e por causa disso não recebem nenhum tipo de indenização.  As empresas só consideram atingidas aquelas pessoas que são deslocadas por causa do enchimento do lago e que possuem título de propriedade. Então, muitos moradores saem expulsos pela água, indo engrossar as favelas das cidades.
 
IHU On-Line - Quais são as conseqüências ambientais, para o ecossistema, de uma hidrelétrica?
Marco Antonio Trierveiler -
As barragens inundam terras extremamente férteis que abrigam ecossistemas diversos. Boa parte da fauna e da flora que vivem nessas áreas não conseguem sobreviver em outras regiões. As barragens trazem problemas para as “rotas migratórias” de muitos animais; causam alteração e piora na qualidade da água, pois há mudança na temperatura e na composição química.

Nos primeiros anos de uma barragem, a decomposição da vegetação acarreta na redução do oxigênio na água e liberação de gases tóxicos. Estas alterações causam enormes prejuízos, causando a redução de peixes, proliferação de mosquitos e diminuição de espécies.

IHU On-Line - Como fica o abastecimento de água principalmente para a população mais pobre?
Marco Antonio Trierveiler –
Aqui, podemos citar pelo menos dois aspectos. O primeiro é que as barragens privatizam além da energia, também a água. Em muitos casos, as empresas cercam os lagos, dizendo o que pode ou não ser feito. 

Temos como exemplo a barragem de Acauã-PB . A população da região, na grande maioria camponeses, foi desalojada e deslocada para favelas rurais, onde não há terra para trabalhar, nem infra-estrutura básica (escola, água, saneamento básico, posto de saúde). Essas famílias disputam com os animais a água para tomar nos banhados. Após a inclusão da barragem, o acesso à água para a pesca, para o banho, para o gado beber e para a irrigação fica restrita à vontade das empresas.

Por mais estranho que pareça, a falta de água é um dos maiores problemas da população ribeirinha. O excesso das detonações durante a construção das barragens cria fissuras nas rochas, o que faz sumir as vertentes e secar nascentes de água.

No relatório da Comissão Mundial de Barragens - CMB  (World Commission on Dams-2000) -, há alguns dados interessantes. Por dois anos foram feitos estudos, que resultaram num relatório que apresentou critérios para construir barragens. O material diz que das 45.000 grandes barragens construídas no mundo, dois terço delas estão em países ditos “pobres”. Além disso, as informações revelam que as barragens atingiram diretamente 80 milhões de pessoas e degradaram e fragmentaram 60% dos cursos d’água. No Brasil, 34 mil km² (3,4 milhões de hectares) de terra foram alagadas pelos reservatórios, muitas delas terras férteis para agricultura.
 
IHU On-Line - Com que olhos o senhor vê a construção de usinas no Rio Madeira?
Marco Antonio Trierveiler -
Buscamos discutir o que tem por trás destas barragens que terá sua energia leiloada agora no dia 30 de outubro de 2007, conforme anúncio do Ministério de Minas e Energia. Como disse inicialmente, os grandes grupos econômicos estão interessados em aumentar sua exploração na Amazônia e em toda América Latina (recursos naturais, energia, minérios, madeira, terra, biodiversidade - principalmente para indústria financeira). Para que essas indústrias possam se instalar no País, elas precisam criar uma rede de infra-estrutura básica (energia, portos, hidrovias, redes de transmissão de energia, estradas, ferrovias), o que  possibilitará a elas transportar mercadorias para fora do país. 

O complexo do Rio Madeira  estaria a serviço dessas empresas. Há dados de que, com a construção de uma hidrovia, o preço da soja que está sendo vendido para a China diminua em 30 dólares a tonelada, favorecendo principalmente os maiores plantadores do produto, a Família Maggi.

Outra grande disputa que está sendo feita por grandes grupos econômicos como a Alstom , da França e Voith-Siemens , da Alemanha, é referente aos 28 bilhões de reais, valor estimado para a construção das obras.

Com base nesses dados, fica claro que este modelo econômico e energético exemplificado nas barragens do Rio Madeira  não trará desenvolvimento entendido como melhoria de vida da população local. Pelo contrário, aprofundará o abismo existente entre os ricos e pobres.

IHU On-Line - Qual é a melhor forma de energia alternativa para as populações ribeirinhas, na opinião do MAB? 
Marco Antonio Trierveiler -
Reforçamos que tão importante quanto debater quais são as melhores formas de produzir energia é discutir conjuntamente a necessidade de construir uma nova sociedade. O Brasil é muito rico em diversas fontes energéticas: solar, eólica, biomassa, hidráulica. A pior opção de energia é a atual, onde a hidroeletricidade é responsável por mais de 80% de toda energia elétrica produzida, ou seja, temos um modelo mono-gerador. Devemos aproveitar as outras fontes que possuímos. Os técnicos dessas áreas dizem que é necessário diminuir as perdas operacionais e técnicas. Para o padrão internacional, os níveis normais de perdas devem ficar em torno de 6%, e no Brasil temos 15% de perdas. Outra alternativa seria a repotencialização das usinas já existentes, ou seja, modernizar e melhorar o equipamentos e sistemas das barragens já existentes. 

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