Edição 236 | 17 Setembro 2007

Biodiesel: uma alternativa para a matriz energética?

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IHU Online

Um projeto energético adequado para o Rio Grande do Sul requer novos cultivadores adaptados às condições ecológicas do Estado. Essa é a opinião de Juan Algorta Plá, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em entrevista feita por e-mail à IHU On-Line. Ele explica que alimentos como a mandioca e a batata doce poderão ser promessas para a produção de álcool no futuro. De acordo com Plá, essas medidas irão contribuir para “elevar a renda no meio rural e para preservar a qualidade do meio ambiente”. Mas o professor ressalta que o “aproveitamento destas matérias-primas alternativas requer pesquisas tecnológicas”.

Juan Algorta Plá é graduado em Agronomia, pela Universidad de La Republica, no Uruguai, mestre em Economia Agrícola, pela University of Wisconsin – Madison, EUA, e doutor em Economia, pela UFRGS, onde atualmente leciona. É autor de inúmeros artigos e trabalhos técnicos.

IHU On-Line - Que fatores levaram à construção do projeto biodiesel Brasil?
Juan Algorta Plá -
O encarecimento do petróleo no mercado mundial é visto como conseqüência do esgotamento das reservas naturais, assim como das exigências dos países produtores, organizados no cartel da OPEP. Esses eventos estimularam a busca de novas fontes de energia no mundo todo. A produção de gases do efeito estufa, junto a outros poluentes, por parte dos derivados do petróleo, vem despertando cada vez maiores receios. A longa tradição na produção de cana-de-açúcar no Brasil, junto à disponibilidade de terras e clima favorável, estimularam o desenvolvimento de programas de produção de biocombustíveis, inicialmente o etanol e, mais recentemente, o biodiesel.
 
IHU On-Line - Quais são as potencialidades vislumbradas para o País, com a introdução do biodiesel na matriz energética?
Juan Algorta Plá -
O biodiesel é um combustível obtido a partir da combinação de óleos ou gorduras (de origem vegetal ou animal) com um álcool (etílico ou metílico) e deve ter a mesma qualidade, independentemente da matéria-prima usada. Esse combustível possui elevado conteúdo energético e, quando respeitadas as especificações de fabricação e de uso, ele tem vantagens em relação ao diesel tradicional (ele causa menor desgaste nos motores).

A produção de biodiesel poderia aproveitar parte do óleo vegetal que o País vem exportando. A utilização do biodiesel se vê facilitada porque ele pode ser misturado com o diesel de petróleo em qualquer proporção, sem causar inconvenientes ao funcionamento dos motores, o que facilita a sua introdução na matriz energética.

IHU On-Line - O biodiesel pode ser considerado um subsídio energético capaz de manter a energia em grande escala, substituindo os derivados de petróleo?
Juan Algorta Plá -
O biodiesel vem sendo adicionado ao óleo diesel na proporção de 2%, em forma obrigatória, de acordo com a Lei 11097/05, sendo que, a partir de 2013, a obrigatoriedade aumentará para 5%. Pensa-se que, no futuro, a utilização de biodiesel possa alcançar níveis de participação maiores. A limitação para a produção de biodiesel está na disponibilidade de óleo e de álcool, que no Brasil é muito grande.

IHU On-Line – O que a inserção do biodiesel representa nos âmbitos econômico e ambiental?
Juan Algorta Plá -
A utilização do biodiesel permitirá poupar importantes volumes de divisas que o Brasil atualmente gasta na importação de diesel. O biodiesel permitirá, também, evitar em parte, a elevada carga de poluentes que vem sendo lançada na atmosfera, pela combustão de derivados do petróleo, como os gases do efeito estufa, como o CO2, já que ele é oriundo de processos de fotossíntese, que absorvem gás carbônico da atmosfera. O biodiesel dará ao Brasil maior capacidade de barganha nas negociações internacionais, já que ele é de origem totalmente nacional. O biodiesel contribuirá para gerar renda nas áreas deprimidas do interior, melhorando o bem-estar dos agricultores.

IHU On-Line – O senhor apresentou várias vantagens à utilização de biodiesel na matriz energética brasileira. Isso quer dizer que essa matéria-prima não causará problemas ao meio ambiente?
Juan Algorta Plá -
O biodiesel ajudará a contornar problemas graves que derivam do uso extensivo do petróleo. A princípio, o uso do biodiesel não deverá trazer problemas. No entanto, é necessário permanecer atento para o adequado gerenciamento do programa, de forma a contornar dificuldades que possam se apresentar.

IHU On-Line - A produção de biodiesel poderá afetar a agricultura familiar, originando a monocultura de, por exemplo, cana-de-açúcar, mamona e eucalipto? Que impactos socioeconômicos essa atitude causará, caso venha a ocorrer?
Juan Algorta Plá -
A expansão das culturas energéticas deverá ser conduzida com o cuidado de evitar as monoculturas, através da implementação de adequados sistemas de rotação de culturas, tecnicamente corretos e socialmente equilibrados. O grão de soja dá origem a óleo de soja e ao farelo, que é fonte de proteínas para as rações de suínos e aves. A produção de biodiesel é realizada a partir do óleo, liberando o farelo para produzir as rações. Assim, o biodiesel deverá contribuir para gerar mais alimentos melhorando o bem-estar da população. Ele pode ser produzido em pequena escala, o que permite que as cooperativas de agricultores possam produzir seu próprio combustível a partir de matérias-primas locais, assim evitando elevadas despesas com seu frete.

IHU On-Line - O biodiesel pode ser inserido de forma auto-sustentável na matriz energética brasileira?
Juan Algorta Plá –
Isto, de fato, já vem sendo feito. Os óleos vegetais, que se destinam à exportação, freqüentemente encontram mercados mundiais deprimidos e fortemente protegidos. Esses óleos poderiam ser utilizados, com vantagem, na produção doméstica de combustíveis. O álcool também poderá ser exportado ou aproveitado no País.
  
IHU On-Line - As novas normas do Programa Gaúcho de PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), estipuladas pelo Comitê Estadual de Energia, buscarão diversificar a matriz energética do Estado, ampliando o percentual de biomassa, etanol e energia eólica. Esse modelo irá garantir o desenvolvimento sustentável a longo prazo para o Estado?  
Juan Algorta Plá -
A sustentabilidade dos programas de produção de biocombustíveis está associada com a introdução de novas espécies oleaginosas de alto rendimento, como o girassol, a mamona e outras, assim como com o aproveitamento de gorduras de origem animal (sebo, banha e óleo de peixe). Este programa vem se mostrando como altamente conveniente do ponto de vista econômico, político e ambiental.

IHU On-Line – Mas essa proposta irá garantir a sustentabilidade energética ao Estado, tendo em vista que 60% da energia gaúcha é importada?
Juan Algorta Plá -
O nosso Estado tem condições de produzir combustíveis em larga escala, tornando-se um exportador de álcool e biodiesel.

IHU On-Line - Qual seria o projeto de desenvolvimento energético adequado ao Rio Grande do Sul?
Juan Algorta Plá -
O álcool, apesar de incipiente, já é uma realidade no Rio Grande do Sul. A expansão da produção de cana-de-açúcar, visando à produção de álcool, já está acontecendo (especialmente na região das Missões). Será necessário, no entanto, desenvolver novos cultivares adaptados às condições ecológicas do Rio Grande do Sul. Fontes alternativas para a produção de álcool, como a mandioca ou a batata doce, constituem ainda promessas para o futuro. Outra possibilidade que vem sendo cogitada é o aproveitamento da folha da cana e do bagaço para, através de processos de hidrólise, produzir etanol (o que duplicaria a quantidade de etanol produzida por hectare). O aproveitamento destas matérias-primas alternativas requer, no entanto, de novas pesquisas tecnológicas.

O biodiesel já vem sendo produzido no Rio Grande do Sul (fábricas em Veranópolis e em Passo Fundo), esperando-se a instalação de novas unidades fabris para os próximos meses. A expansão e a diversificação da produção de oleaginosas é uma perspectiva quase certa para o futuro, que deverá contribuir para elevar a renda no meio rural e para preservar a qualidade do meio ambiente.

IHU On-Line – A utilização de alimentos para a produção de álcool poderá gerar, por um lado, mais renda para os agricultores e qualidade ao meio ambiente. Mas, por outro lado, poderá encarecer os alimentos, trazendo desvantagens para o consumidor final?
Juan Algorta Plá -
O consumidor final deverá resultar favorecido, já que a matéria-prima para os biocombustíveis são o álcool e os óleos, que se produzem atualmente em quantidades excedentes, destinando-se à exportação, enquanto que os alimentos consumidos pela população, como a carne de frango ou de suíno, deverão ficar mais abundantes e baratos pela maior disponibilidade de farelo, que acompanhará a produção de biocombustíveis.

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