Edição 235 | 10 Setembro 2007

Computação quântica

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III Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: o admirável e o desafiador mundo das nanotecnologias

O propósito final da computação quântica é “construir um computador impensavelmente mais rápido do que os computadores que dispomos hoje em dia”, afirma o físico Renato Portugal. Mas isso não quer dizer que os antigos computadores deixaram de existir ou funcionar. O professor explica que eles vão “coexistir”, já que o novo computador precisa do modelo clássico para funcionar. Assim, a computação quântica “é uma extensão da clássica”, enfatiza. A íntegra de suas afirmações pode ser conferida a seguir, na entrevista exclusiva que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Ele adianta aspectos que abordará em sua palestra nesta quarta-feira, sobre Computação Quântica, no III Ciclo de Estudos Desafios da Física para o Século XXI: o admirável e o desafiador mundo das nanotecnologias.

Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é mestre e doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) com a tese Modelos cosmológicos em regime de magnetohidrodinâmica. É pós-doutor pelas universidades de Waterloo e Queen’s University at Kingston, ambas no Canadá. Escreveu Introdução à programação em Maple (Rio de Janeiro: Editora CBPF, 1996) e é um dos autores de Uma introdução à computação quântica (São Paulo: SBMAC, 2004).

Agilidade: computação quântica

Entrevista com Renato Portugal

IHU On-Line - O que é a computação quântica?
Renato Portugal -
A computação quântica é uma nova área da investigação científica que muda profundamente nossas concepções sobre computação. O propósito final é construir um computador impensavelmente mais rápido do que os computadores que dispomos hoje em dia. Para isso, um ingrediente totalmente novo tem que ser introduzido: o uso de fenômenos quânticos. Uma vez que a mudança é paradigmática, toda a estrutura da computação deve ser revista, modificada e ampliada para esse novo contexto. O mundo quântico tem algumas características notavelmente diferentes do mundo clássico. No mundo clássico, as diferentes possibilidades não podem coexistir, dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo, um automóvel não pode dobrar a esquina e seguir à frente, ao mesmo tempo, e se jogarmos uma moeda ou ela dá cara ou coroa. No mundo clássico, ou acontece isso ou acontece aquilo, de forma excludente ou seqüencialmente. Um carro pode seguir reto e depois dobrar a esquina, seqüencialmente. Temos a opção da computação paralela, que é adquirirmos dois carros: um deles dobra a esquina e o outro segue reto. Nesses dois casos, temos que usar muitos recursos. No primeiro caso o processo leva muito tempo, pois precisa ser feito seqüencialmente, e, no segundo caso, o processo ocupa muito espaço, pois temos que duplicar os recursos. No mundo quântico, as diversas possibilidades podem coexistir. Um “carro quântico” pode ir em frente e dobrar a esquina ao mesmo tempo. Uma “moeda quântica” pode dar cara e coroa ao mesmo tempo. Essa característica nos parece à primeira vista estranha e não natural. Mas podemos nos perguntar como ela pode nos ajudar na computação? Vamos voltar à imagem do carro quântico que segue em frente e dobra a esquina ao mesmo tempo. Veja, temos agora duas versões do carro quântico, cada uma indo numa direção. Cada uma delas pode novamente encontrar uma esquina, e passamos a ter quatro versões. Na próxima vez, teremos oito versões, e, em pouco tempo, passamos a ter um número exponencialmente grande de possibilidades coexistindo. Será que cada versão pode executar uma tarefa? A resposta é positiva. Na computação quântica, é possível realizar uma quantidade exponencialmente grande de tarefas simultaneamente. Por exemplo, cada uma das possibilidades pode fazer um cálculo. Porém, nem tudo são flores. Após a execução dos cálculos simultâneos, é preciso extrair a informação desejada. Isso não é uma tarefa simples, pois toda vez que tentamos extrair a informação que está no nível quântico para nosso mundo clássico, ocorre uma grande perda, inevitavelmente.

IHU On-Line - Quais são suas principais aplicações?
Renato Portugal -
Essa pergunta pode ser formulada de outra forma. Quais são os problemas que o computador quântico resolve mais rapidamente do que o computador clássico? O computador quântico é muito mais caro do que o clássico. Se for possível resolver um problema eficientemente no computador clássico, ninguém vai querer comprar o quântico para resolver esse problema. O que se sabe hoje em dia é que o computador quântico resolve alguns tipos de problemas de forma exponencialmente mais rápida do que o computador clássico, enquanto que para outros tipos de problemas o ganho não é tão significativo. A grande maioria dos problemas ainda está na incógnita. Não sabe se o computador quântico será muito mais rápido ou não. Isso é tema de pesquisa de ponta atualmente na área de algoritmos quânticos. De forma concreta, atualmente, podemos garantir que os computadores quânticos podem quebrar os códigos de criptografia usados correntemente e em contrapartida eles fornecem outros métodos criptográficos muito mais seguros. Eles ajudam resolver problemas de otimização envolvendo grande quantidade de dados que não podem ser ordenados. Eles podem ser usados para simular sistemas moleculares com uma enorme gama de aplicações práticas, como, por exemplo, na área de bioinformática. O aumento na capacidade de comunicação através de canais quânticos também é uma realidade.

IHU On-Line - Quais seriam as maiores diferenças entre a computação quântica e a computação clássica?
Renato Portugal -
Aqui é importante ressaltar que a tecnologia quântica não veio para tomar o lugar da clássica, como o CD substituiu o disco de vinil e o DVD substituiu as fitas de vídeo. O computador quântico precisa do clássico para funcionar. Eles vão coexistir. O quântico só será usado naquilo que ele realmente é mais rápido. Podemos pensar então que a computação quântica é uma extensão da clássica, pois novas características foram incluídas sem as antigas serem jogadas fora. Uma das características já foi mencionada. É possível fazer uma quantidade exponencialmente grande de tarefas simultaneamente sem onerar os recursos disponíveis. No entanto, extrair a informação desejada não é uma tarefa fácil, pois a maior parte das tarefas pode se perder se não for especificado um método inteligente para finalizar o processo. Uma segunda característica importante é o uso do emaranhamento. Os sistemas quânticos possuem uma correlação não local. Isso quer dizer que as diferentes partes do computador quântico estão interligadas de um modo totalmente diferente do que ocorre no caso clássico. Essa característica, que é muito conhecida como o ingrediente principal para a teleportação, pode também ser usada para realização de cálculos computacionais sem equivalente clássico.
 
IHU On-Line - Em que aspectos a propriedade da sobreposição representa um ganho à computação quântica?
Renato Portugal -
A sobreposição ou superposição é uma outra forma de se falar da coexistência das possibilidades. Este é o primeiro ingrediente a ser usado para que um algoritmo quântico tenha ganho sobre o clássico. Porém, isso não é garantia. Não existe uma receita para extrair a informação desejada de um estado de sobreposição. Cada problema tem sido analisado individualmente. Em alguns, a sobreposição permite acelerar as tarefas, enquanto que em outros não se sabe ainda como proceder. Vale a pena lembrar que o emaranhamento é outra característica que permite ganhos computacionais. O emaranhando tem uma natureza diferente da superposição. O emaranhamento só pode ocorrer em sistemas quânticos compostos. A correlação ocorre entre as partes do sistema.

IHU On-Line - Como se relacionam a computação quântica e as nanotecnologias?
Renato Portugal -
A computação quântica pode ser vista como uma área da Nanotecnologia. Porém ela tem que ser vista como o maior desafio da Nanotecnologia. Sabemos que hoje em dia os laboratórios conseguem lidar com dimensões da ordem de 10 a 100 nanômetros. Veja, por exemplo, os nanotubos de carbono. As aplicações práticas da manipulação nessa escala são infindáveis. No entanto, para construir o computador quântico e fazê-lo funcionar adequadamente, é necessário manipular dimensões inferiores a 1 nanômetro. O diâmetro do átomo de Hidrogênio é da ordem de um décimo do nanômetro. O mundo do quântico é dessa escala. Ainda é um desafio. A teoria nos diz que vale a pena investir. Aplicações práticas? Temos que ter paciência. Podemos pensar também no sentido inverso, como a computação quântica pode influenciar a Nanotecnologia. A computação quântica é capaz de simular sistemas moleculares eficientemente e isso ajuda muito na Nanotecnologia. Não é simples dizer como isso irá se dar.

IHU On-Line - A partir dessa conexão, que invenções estão por surgir nos próximos anos?
Renato Portugal -
Difícil saber, mas certamente a manipulação a nível molecular e a computação quântica estão muito relacionadas. No momento que os princípios básicos são entendidos, naturalmente surgem aplicações. Daí seguem as invenções e as patentes. Mas ainda estamos tentando entender os princípios básicos. Os problemas são muito complexos.

IHU On-Line - Como essas invenções alteram ou complementam as concepções e descobertas que a Física vinha fazendo até agora?
Renato Portugal -
As novas descobertas na Física geralmente ocorrem numa escala bem inferior à escala nanométrica, por exemplo, nas experiências usando os grandes aceleradores de partículas. Já se sabe que a mecânica quântica tem limitações e outras teorias mais fundamentais são usadas para explicar os fenômenos observados nos aceleradores. Todas a invenções e aplicações a nível nanométrico vem sistematicamente confirmando as previsões da mecânica quântica, de forma que a contribuição para modificar a teoria está apenas nos detalhes. Por outro lado, o uso de princípios quânticos na computação mudou fundamentalmente a Teoria da Computação.

IHU On-Line - A computação quântica é uma ferramenta para compreendermos a Teoria da Complexidade? Por quê?
Renato Portugal -
É importante distinguir a Teoria da Complexidade Computacional da Teoria de Sistemas Complexos. A computação quântica está mais próxima da primeira nesse momento. A Teoria da Complexidade Computacional estuda como quantificar a dificuldade de resolver os problemas computacionais. Os problemas são divididos em três classes. A classe P contém os problemas que podem ser resolvidos eficientemente. A classe NP contém os problemas da classe P e os problemas para os quais existe alguma chance de serem resolvidos eficientemente, mesmo que no presente ainda não saibamos como. A terceira classe consiste nos problemas que não podem ser resolvidos eficientemente, nem hoje nem nunca. Os computadores são usados no dia a dia para resolver os problemas da classe P. Por exemplo, soma e multiplicação de números. Todos os dias, os computadores resolvem problemas que usam soma e multiplicação. Os problemas da classe NP que não estão na classe P são os preferidos dos pesquisadores. Todo pesquisador na área de computação quer saber se esses problemas, ou se apenas alguns deles, têm solução eficiente. Todas essas questões devem ser repensadas à luz da computação quântica. Voltando à pergunta: a computação quântica não ajuda na compreensão da Teoria da Complexidade Computacional: pelo contrário, a teoria fica mais complexa do que já é.

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