Edição 234 | 03 Setembro 2007

A luta pelo império luso-brasileiro: equilíbrio e a autonomia

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IHU Online

A Independência do Brasil não foi desejada “por homens como José Bonifácio”, afirma a professora Isabel Lustosa, em entrevista à IHU On-Line, por e-mail. Ela ressalta que o político “achava que a solução para o Brasil deveria vir do alto, de preferência com ele”. Entre outras afirmações, a pesquisadora destaca que se o Brasil tivesse se tornado sede do império, teriam ocorridos mais incentivos ao comércio, à indústria e às universidades.

Isabel Lustosa é graduada em Ciências Sociais, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e mestre e doutora em Ciência Política, pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). No doutorado, ela produziu a tese Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência, e, em 2003, publicou O nascimento da imprensa brasileira (Jorge Zahar, 2003). Isabel dirigiu a área de pesquisas do Museu da República e atuou no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Atualmente, ela é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, co-editora da re-edição da coleção do primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense 1808/1822. Eis a entrevista:

IHU On-Line - Qual foi o papel e a participação da imprensa na Independência do Brasil?
Isabel Lustosa -
A imprensa teve papel decisivo no processo de nossa Independência. Desde a publicação do Correio Braziliense, em Londres, iniciada em 1808, passando pelos jornais que começaram a ser publicados no Rio em 1821, começaram a se difundir idéias de maior autonomia econômica e política para o Brasil. Depois da Revolução Constitucionalista do Porto (1820) e do início dos trabalhos das Cortes em Lisboa, os debates entre deputados portugueses e brasileiros, repercutiam na imprensa e contribuíam para acirrar os ânimos. Os jornais brasileiros foram fundamentais para que D. Pedro  decidisse pelo Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822 e pela Constituinte Brasileira, em 3 de junho de 1822, etapas que levaram ao 7 de setembro.

IHU On-Line - A Independência do Brasil foi feita ao acaso? Se dependesse de Bonifácio, como esse procedimento teria ocorrido?
Isabel Lustosa -
A Independência foi produto de uma série de fatores e da ação de alguns homens. Como um processo que obedeceu às injunções históricas ela não foi planejada. Ela não era sequer desejada por homens como José Bonifácio que tinham o desejo de preservar o grande império luso-brasileiro, mantendo o equilíbrio e a autonomia entre a parte americana e a parte européia desse império. Com o início dos trabalhos das Cortes, ficou claro que não era isso que queriam os portugueses. Insatisfeitos com o grande atraso econômico no qual Portugal mergulhara depois da partida de D. João e vendo esse atraso como causado pela maior autonomia que o Brasil adquirira, desejavam fazer o Brasil voltar ao sistema anterior. Foi a isto que reagiram os brasileiros.

IHU On-Line - Que vantagens o País teria se tivesse se tornado sede de um grande império português, como propunha Bonifácio?
Isabel Lustosa –
Certamente, o Brasil teria mais poder na Europa para negociar com outros governos e outros mercados. Seu prestígio também seria maior, pois, mesmo atrasado, Portugal fazia parte da tradição civilizada ocidental e assustava menos que o Brasil com sua enorme população de escravos e índios. Sendo a sede do império, o Brasil teria todas as repartições necessárias para o funcionamento da máquina do Estado, constituiria uma armada e um exército. Seriam estimulados o comércio, a indústria e as universidades em todo o País.

IHU On-Line – É possível vislumbrar progressos para o Brasil atual, no âmbito político, econômico e social, caso o País tivesse se tornado sede do império? O que seria diferente?
Isabel Lustosa -
Mais de duzentos anos separam o sonho de um império luso-brasileiro da atualidade. Ele já existia no tempo de Pombal. A viabilidade da manutenção de um sistema intercontinental com duas partes em equilíbrio me parece improvável. A Independência viria de qualquer maneira, declarada por um ou por outro lado.

IHU On-Line - As idéias liberais de Hipólito da Costa, transmitidas através do Correio Braziliense, foram sentidas no cenário político que estava se estabelecendo na época? De que maneira?
Isabel Lustosa -
Hipólito  chamava a atenção dos brasileiros para a importância das liberdades de imprensa, de religião, de parlamento e de comércio. Ele atacava os monopólios e a subserviência de Portugal à Inglaterra. Ele era contra a escravidão e os monopólios. Suas idéias influenciaram a geração que fez a Independência, mas estavam em contradição com os ideais de muitos dos políticos que participaram daquele movimento.

IHU On-Line - Como a senhora avalia a atividade de Bonifácio à frente de jornais da época?
Isabel Lustosa -
José Bonifácio era um autoritário que não acreditava muito nos ideais iluministas que animaram a Revolução Francesa. Ele achava que a solução para o Brasil deveria vir do alto, de preferência com ele. Enquanto esteve à frente do Ministério, José Bonifácio combateu duramente os jornais mais incendiários e comandou na imprensa subsidiada pelo governo campanhas violentas contra seus adversários. Depois de sua saída do ministério, seu grupo publicou um jornal, O Tamoio, que atacava duramente os portugueses que viviam no Brasil e indiretamente a D. Pedro I.

IHU On-Line – Em que consistiam essas críticas, principalmente as de D. Pedro I?
Isabel Lustosa –
A campanha antilusitana que agitou o Rio nos meses que antecederam à dissolução da Constituinte, em 12 de novembro de 1823, tinha por alvo os interesses de portugueses do grande comércio estabelecidos no Brasil que, mesmo depois da Independência, ainda estavam muito ligados a Portugal. No entanto, a parte mais fácil de ser atingida pelos ataques eram os militares portugueses que, tendo vindo ao Brasil a serviço de Portugal, aceitaram o convite do governo de se incorporarem ao Exército brasileiro. Foi um episódio envolvendo esses militares - amplamente explorado pela imprensa e no parlamento pelos dois Andrada mais novos, Antonio Carlos e Martim Francisco - o pivô da dissolução.

IHU On-Line - Qual é o papel exercido pela Maçonaria na agitação política entre Portugal
e Brasil?
Isabel Lustosa -
A Maçonaria foi uma força política de feição internacional que se desdobrava em várias tendências. No Brasil, a tendência predominante era a liderada por Joaquim Gonçalves Ledo  e se inspirava nos ideais da Revolução Francesa. Essa tendência adotou um republicanismo disfarçado em monarquismo constitucional e entrou em conflito com José Bonifácio e seu projeto político para o Brasil.

IHU On-Line - Qual era a ligação de Hipólito da Costa e José Bonifácio com a Maçonaria?
Isabel Lustosa -
Hipólito era maçom desde sua viagem aos Estados Unidos entre 1798 e 1800. Em Portugal, ele chegou a ficar preso por três anos por conta de suas práticas
maçônicas (1802 a 1805) e foi graças à Maçonaria que conseguiu escapar e se estabelecer em Londres. Lá, ele se tornou secretário do chefe da Maçonaria inglesa que era o Duque de Sussex e foi maçom até morrer em 1823. Quanto a José Bonifácio, não creio que suas ligações com a Maçonaria ultrapassassem os limites de seus ideais políticos. A criação do Apostolado, uma iniciativa sua, indica claramente que ele tentava se contrapor à enorme influência da
Maçonaria de inspiração francesa liderada por Joaquim Gonçalves Ledo.

IHU On-Line - O povo brasileiro da época da Independência era constituído de muitos analfabetos. Essa circunstância foi decisiva para que a impressa não divulgasse notícias a eles? Por que a imprensa da época não disseminava informações para a população, evitando seu envolvimento na luta pelos interesses brasileiros?
Isabel Lustosa -
Apesar de a população ser, em sua maioria composta por analfabetos, havia muitas práticas de leitura em voz alta em ambientes públicos. Não havia qualquer restrição por parte dos que escreviam as notícias com relação ao público leitor. Mas, certamente, havia um grande medo de que os escravos fossem levados a participar do movimento. Neste sentido, sim, mesmo os jornais mais radicais, evitavam o apelo à participação do elemento cativo. Temiam que se reproduzisse aqui o que ocorrera em São Domingos.

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