Edição 233 | 27 Agosto 2007

Perfil Popular - Anselmo Wolfart

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IHU Online

A estrada e a família são as paixões do motorista Anselmo Wolfart, o perfil popular da edição desta semana. Entrevistado pela filha, a jornalista Graziela Wolfart, do IHU, Anselmo conta sua história de vida e relata o que o mundo fora do ambiente familiar, no interior de Poço das Antas, lhe ensinou. Confira, a seguir, a trajetória deste motorista, que também é goleiro nas horas de folga:

Origens – “Eu nasci em Boa Vista.” Assim começa a contar sua história o motorista Anselmo Wolfart. Boa Vista é uma localidade pertencente ao município de Poço das Antas, no Rio Grande do Sul. Antes disso, pertencia a Montenegro, depois a Salvador do Sul e a Barão. Anselmo tem três irmãos e três irmãs. “Lá em casa, a nossa vida foi sempre simples. A gente trabalhava na roça, mas todo mundo foi estudar até a 5ª série. Todos ajudavam o pai a trabalhar, se criando juntos na roça, na colônia”, lembra, ao descrever a infância.

Trabalho – Aos 17 anos, Anselmo saiu de casa para trabalhar com um tio, na localidade de Boa Vista 27, que ficava perto de onde a família morava, só que já pertencia ao município de Garibaldi. “Lá, eu comecei a sentir como era o mundo, como são as pessoas. Antes eu não sabia, vivia só no interior. Eu não sabia como era a vida numa cidade maior, não saía quase nunca. Quando saí de casa pra trabalhar fora, por conta, eu comecei a ver que tinha mais diversões e vi que existia um outro povo lá fora”, conta. O tio de Anselmo tinha um armazém, que ele ajudava a cuidar. “Eu também recolhia leite dos colonos, passando de caminhonete nas propriedades, pegando leite e levando para um fabricante de queijo.” O jovem motorista ficou trabalhando quatro anos com o tio. Depois, mudou-se para Montenegro, quando tinha 21 anos. O motivo da mudança: Anselmo conheceu uma moça, uma “guria bonita”, como ele define, que se tornou sua namorada e depois sua esposa, Arnilda, que também é natural de Poço das Antas, da localidade de Paris Baixo, próxima à Boa Vista. Eles se conheceram num baile. Ela trabalhava e estudava em Montenegro e Anselmo quis ficar mais perto da namorada. “Fui procurar um serviço na cidade também, para ficar mais perto dela.” Chegando em Montenegro, ele conseguiu um emprego de motorista na empresa de ônibus da cidade. Pediu para sair depois de um ano e três meses, porque a empresa escalava os motoristas nos finais de semana também, e isso não estava certo para ele. “Arrumei uma namorada, e como eu ia namorar fim de semana se tinha que trabalhar?”, se explica. Logo conseguiu outro emprego de motorista na Comercial Montenegro, uma espécie de atacado de mercadorias diversas. A função dele era entregar material, de caminhão, para armazéns e rações para o interior. Depois de seis anos, trabalhou por conta, em casa, por cerca de meio ano. Foi quando conseguiu emprego como motorista na Tanac, onde está até hoje, completando 21 anos de empresa. Anselmo explica que a Tanac é uma empresa que trabalha com acácia. “É tirada a casca da acácia, e essa casca é moída, fervida, e é feito tanino desse líquido. O tanino é usado principalmente em curtumes, para curtir couro. Hoje, a Tanac exporta para mais de 70 países. Além disso, a empresa também faz muito produto para tratamento de água. É o tanfloc, um coagulante que também vem do tanino. A lenha da acácia é levada para Rio Grande, onde tem outra fábrica da Tanac que pica essa madeira, que depois vai toda para o Japão. Parece que eles usam essa madeira para fazer celulose”, conta. 

Ser motorista – Anselmo já está aposentado, mas não pode nem pensar em largar o volante. “É uma coisa em que eu me realizo. É um serviço que eu sempre fiz e, enquanto eu tenho saúde, prefiro sempre trabalhar. Gosto do meu trabalho porque hoje estou aqui, amanhã em outro lugar, vejo e conheço o mundo, outras pessoas, e ainda faz bem o dinheirinho”. 

Estudos – Enquanto ainda morava no interior, o motorista conclui os estudos até a 5ª série do ensino fundamental. Depois, já em Montenegro, a Tanac exigiu que os funcionários tivessem, pelo menos, o primeiro grau. “E daí eu terminei até a oitava série no Científico, uma escola de supletivo.” 

Casamento e família – Anselmo e Arnilda se casaram em janeiro de 1978. Depois de três anos casados, nasceu uma filha, a Graziela. “Ela sempre foi muito bonita. Começou a ir nas escolas, foi estudando, sempre se interessou pelos estudos, sempre foi muito conversadeira, gostava de falar e cantar. Começou a fazer faculdade de jornalismo e hoje ela trabalha na Unisinos, se formou nessa universidade e é uma jornalista. Agora, ela vai casar. Eu me sinto feliz, por um lado, porque ela está vendo o futuro dela, mas também fico triste, porque ela sai de casa, a gente perde um pedacinho, né?” O filho, Vagner, nasceu quase quatro anos depois da filha. “Veio o guri, mais um alemãozinho, bem gordo. Sempre foi sapequinha. E hoje está bem também. Ele estudou, mas não gostava muito, matava muita aula, as professoras chamavam o pai. Eu ia no colégio. Mas ele sempre foi muito inteligente. Hoje, ele mora em Porto Alegre. Fez vestibular em três faculdades particulares e passou. Mas ele botou na cabeça que não ia pagar a faculdade, que era muito caro. Ele decidiu que ia estudar na federal. Se esforçou e conseguiu. Hoje, ele estuda Administração de Empresas na UFRGS. Passou num concurso do Banrisul e é bancário. A família é tudo da minha vida.”

Lazer e esporte – Anselmo conta que gosta de esportes, principalmente de um “joguinho de futebol”. “Eu jogo como goleiro. Não tenho mais muito pique pra jogar em campo, então fico no gol.” O que ele também gosta é passear com a família: a esposa e os filhos.

Sonhos – Perguntado sobre os maiores sonhos, Anselmo não hesita: “Ver os filhos bem colocados e viajar com minha esposa”.

Fé e religião – “Acredito em Deus. Sou católico, vou às missas e acredito muito Nele”, diz. Para o motorista, a fé é muito importante sempre. “Temos que acreditar, porque nosso Deus é nosso mestre.”

Momentos marcantes – Dois momentos tristes marcaram a vida de Anselmo: “Foi quando perdi meu pai e meu sogro”. E os momentos que ele elege como felizes é “quando a família está toda junta, todo mundo feliz e contente, em festa, todos unidos”.

Política – Anselmo não gosta muito de política. E explica o motivo. “Tem poucas pessoas sérias. Hoje em dia não sei mais em quem votar, em quem se pode confiar, tem muita sujeira. Por isso, me desliguei da política. Quando eu tinha 18 anos, na primeira vez que eu votei, eu gostava de política. Depois, eu vi tanta sujeira e me desliguei, porque eu vi que quem entra na política tem que jogar sujo, ou não entra. Pode até ser gente boa. Mas se entrou na política, tem que jogar no time.”

Crença no ser humano – Para Anselmo, dá para confiar muito pouco nas pessoas. “Hoje em dia não se sabe mais em quem se pode confiar. Tu acha que tem uma pessoa do teu lado, um amigo, um vizinho e pensa: esse aí é meu amigo e, quando vê, tu te corta no dedo. Hoje, é muito difícil confiar numa pessoa e te entregar, com confiança.” 

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