Edição 233 | 27 Agosto 2007

“O pluralismo religioso atual é um novo paradigma para a Teologia”

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IHU Online

O teólogo paranaense Roberlei Panasiewicz concedeu a entrevista que segue por e-mail para a IHU On-Line refletindo sobre os rumos da teologia hoje.

Doutor e mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Roberlei é coordenador adjunto e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC Minas, coordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Teologia Pastoral da mesma Universidade, professor e membro da Comissão de Ética na Pesquisa (CEP) da Universidade Fumec, em Belo Horizonte. É também autor dos livros Diálogo e revelação: rumo ao encontro inter-religioso (São Paulo: Com Arte, 1999) e Pluralismo religioso Contemporâneo: diálogo inter-religioso na teologia de Claude Geffré (São Paulo: Paulinas, 2007).

IHU On-Line - Qual é a importância do pluralismo religioso desde o ponto de vista cristão? Pode-se afirmar que esse pluralismo tornou-se o horizonte da teologia do século XXI?
Roberlei Panasiewicz -
Acredito, com Claude Geffré , que o pluralismo religioso atual é um novo paradigma para a Teologia, pois proporciona releituras de todos os tratados da teologia cristã. Isso não coloca em risco sua identidade. Pelo contrário! Possibilita que o cristianismo tenha cada vez mais sentido e seja significativo para os homens e as mulheres de hoje. Essa releitura propicia percepções e retirada de coisas novas de seu antigo tesouro. Pensar o pluralismo religioso para além do pluralismo de fato (diversidade religiosa) é dar condições de averiguar a riqueza do mistério divino que transcende nossa finita racionalidade. Pensar, portanto, o pluralismo religioso como pluralismo de princípio ou de direito é permitir fluir os desígnios de Deus. Isso permite compreender que o Deus de Jesus Cristo transcende as doutrinas de qualquer tradição religiosa.  
 
IHU On-Line - Qual é o aporte da teoria Hermenêutica no pensamento teológico de Geffré para a compreensão do diálogo inter-religioso?
Roberlei Panasiewicz -
Penso que, por Geffré estar envolvido com a Teologia Hermenêutica, ele pôde refletir sobre a Teologia do Pluralismo Religioso com abertura desde o horizonte cristocêntrico. Contrapõe teologia hermenêutica à teologia dogmática. Enquanto esta última é metafísica e parte da autoridade do Magistério da Igreja Católica e, portanto, a verdade deve ser acatada, pois se funda nesta certeza, a teologia hermenêutica é diferente. Ela é histórica e está aberta ao risco da interpretação. Ao articular autor-texto-contexto-intérprete, ele propicia uma leitura dinâmica e atualizada do texto sagrado. A verdade, neste sentido, não está enclausurada na certeza dada pela autoridade, mas é fruto de um processo relacional. Aqui se encontra uma de suas grandes contribuições para o diálogo inter-religioso: pensar a verdade como sendo relacional. Quanto mais as tradições religiosas dialogarem entre si, maior será a percepção do Mistério que todas carregam em “vasos de barro”. 
 
IHU On-Line - Qual é a distinção que faz Claude Geffré ao falar voluntariamente de pluralidades e não tanto de pluralismos?
Roberlei Panasiewicz -
A pluralidade indica a variedade que existe na sociedade. Por exemplo, a pluralidade de culturas indica uma pluralidade de religiões. Refere-se à quantidade. Aponta para o externo. O pluralismo diz respeito às atitudes que acabam se desenvolvendo no interior destes diversos grupos ante as pluralidades. É uma disposição interna aos grupos. Por isso, Geffré diz que o pluralismo religioso é um novo paradigma teológico, pois estimula a teologia cristã a repensar seus tratados teológicos. A pluralidade externa provoca um pluralismo de respostas internas. Essas respostas podem ser inovadoras ou não. A pluralidade invoca o pluralismo. No caso do pluralismo religioso, as reflexões produzidas apontam para a riqueza do Mistério de Deus.

IHU On-Line - Quais são as referências para um diálogo profícuo, no qual se respeitem as identidades sem cair em um relativismo de valores éticos e religiosos?
Roberlei Panasiewicz -
Para qualquer tipo de diálogo há exigência de disposições. Por excelência, o diálogo inter-religioso exige abertura, hermenêutica constante da identidade e tolerância. Abertura em relação a si mesmo, ou seja, trata-se de querer dialogar; em relação ao outro, significa saber escutar; em relação à verdade, saber que é relacional; em relação ao Mistério, compreender que está para além das doutrinas. Uma hermenêutica constante da identidade significa estar em processo contínuo de construção, resguardando e aprimorando cada especificidade (irredutibilidade). A tolerância aponta para o direito sagrado que cada tradição tem de ser ela mesma, de ser diferente. Ser tolerante significa resguardar essa atitude. Essas disposições são fundamentais para qualquer forma de diálogo, seja no dia-a-dia, na troca mística (na oração), na luta por melhores condições de vida e na construção da paz (ética), seja ainda no diálogo entre especialistas (nível teológico). Tendo tais disposições, pode-se articular qualquer forma de diálogo sem cair no relativismo. Como diz o profeta Isaías, quando se quer ampliar a tenda, deve-se aprofundar as estacas. A abertura, a clareza de identidade e a tolerância propiciam amadurecimento das tradições em diálogo sem colocar em risco suas especificidades.   
 
IHU On-Line - O diálogo inter-religioso se apresenta como uma estratégia necessária para nossa cultura, ou como uma dimensão essencial da catolicidade ou do próprio Deus?
Roberlei Panasiewicz -
Para além da catolicidade e da própria cultura, penso que o diálogo, e, neste sentido, a troca simbólica, é uma dimensão essencial do ser humano. A felicidade humana só pode ser construída nesta troca simbólica. Quanto mais nos relacionamos, mais mergulhamos no mistério da vida e, paradoxalmente, mais encontramos sentido para nossa existência. Seguindo esse raciocínio, as religiões podem dar grande contribuição para a construção da felicidade humana fomentando diálogos. Assim, o diálogo inter-religioso pode propiciar novas descobertas do Mistério de Deus que as perpassa, favorecer na construção da felicidade humana através da troca simbólica e estimular os líderes e os adeptos a um convívio pacífico e almejar uma mudança de comportamento das lideranças políticas em prol do cuidado das pessoas e do cosmos. Penso, portanto, que o diálogo inter-religioso é de essencial importância para o cuidado do planeta.
 
IHU On-Line - Há possibilidade real de um humanismo islâmico-hebraico-cristão, a ser entendido como uma relevante ocasião para o futuro do nosso planeta...?
Roberlei Panasiewicz -
Geffré trabalha com a hipótese de que existe um irredutível em cada tradição religiosa, ou seja, cada tradição tem sua especificidade, sua experiência de Deus que não pode ser assumida ou anulada na outra tradição. Essa irredutibilidade é que a torna singular. O diálogo entre elas é de fundamental importância no auxílio ao cuidado com a vida das pessoas, sobretudo dos empobrecidos e os que estão com a vida ameaçada, e no debate sobre os rumos do nosso planeta. Por isso, nos últimos anos, tem havido uma grande aproximação entre Teologia do Pluralismo Religioso e Teologia da Libertação. Como o diálogo entre as religiões pode propiciar mais justiça social e menos miséria? E também o contrário, como a luta por melhores condições de vida pode aproximar as religiões e pode auxiliar novas experiências do Mistério que transcende a todas as tradições religiosas? (E nenhuma tradição religiosa tem o seu monopólio.) É nesse sentido que as três grandes religiões monoteístas têm contribuições valiosas para o futuro do planeta. Como elas têm um tronco comum, fala-se em “ecumenismo abraâmico”, visando transformar as rivalidades em entendimentos em prol de demarcações de identidades e construções de solidariedades e proteção planetária. O Criador, no processo da criação, tornou o ser humano um co-criador, portanto, co-responsável no cuidado com o universo. Oxalá tenhamos esse cuidado!    

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