Edição 229 | 30 Julho 2007

“A única esperança para a humanidade passa por incorporar maiores doses de solidariedade”

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De acordo com o sociólogo uruguaio, Pablo Guerra, a economia de seu país está sendo construída pelos setores populares, “muitas vezes excluídos do mercado capitalista de trabalho”. Ele afirma que o Governo Nacional do Uruguai ainda “não conta com políticas específicas dirigidas ao setor”.Ao lado da Economia Solidária, o sociólogo considera as questões ambientais fundamentais para o auto-sustentabilidade do planeta e pondera: “Se não mudamos a forma de fazer economia em todas suas variantes (desde a produção até o consumo), então as conseqüências ecológicas serão terríveis para toda a humanidade”.

Pablo Guerra é mestre em Ciências Socias do Trabalho e doutor em Ciências Sociais e Humanidades. Atualmente, é professor de Sociologia do Trabalho e Economia Solidária na Universidade da República do Uruguai e na Universidade Católica do Uruguai. De sua produção bibliográfica, destacamos as obras Sociología del trabajo (Montevideo: FCU, 1998. 2. ed., Junio de 2001); Construyendo economías solidarias (Montevideo: Cáritas, 2002); Trabajo, empleo y sociedad (Montevideo: Icudu, 2003); e Mujeres de vida fácil? Las condiciones de trabajo de la prostitución en Uruguay (Montevideo: FCU, 2006). 

Confira a entrevista, concedida por e-mail, à IHU On-Line:

IHU On-Line - Como se dá o desenvolvimento da Economia Solidária no Uruguai? Que tipo de ações são mais comuns nas práticas de Economia Solidária no País?
Pablo Guerra -
No Uruguai, o conceito de Economia Solidária não era praticamente usado até meados dos anos 1990, quando começamos a ministrar os primeiros cursos para organizações sociais e populares, coisa que ocorre paralelamente à sentença dos primeiros cursos e pesquisas, que também nos permitiu ministrar na Universidade da República. Nesses anos, a Igreja Católica, através da Cáritas , nos convocou, além disso, para realizar diversos encontros no interior do país. Haveria que esperar, no entanto, pelo Fórum Social Mundial, com seu lema “Outro mundo é possível”, que na Economia Solidária temos parafraseado como “Outra economia é possível”, para que numerosos grupos sociais começassem a desenvolver mais sistematicamente o trabalho de divulgação. Devemos destacar, nesse sentido, o papel desempenhado pelo Fórum Social Uruguaio, que terá na Economia Solidária um dos temas de maior convocatória. Logo em seguida, no ano 2000, a Cáritas desempenhou um papel relevante, ao convocar todos os grupos que se sentiam chamados por esta temática. É assim que surge a Feira Nacional de Economia Solidária, que, desde então, se realiza todos os anos no mês de setembro, e que convoca, sobretudo, os pequenos empreendimentos da economia popular, a maioria deles de caráter associativo. A partir desta experiência, nasce o Espaço de Economia Solidária. Isto coincidiu, na época, com a maior crise social e econômica de nosso país em sua história contemporânea: o começo do século nos encontra duplicando nossa pobreza, com empresas que quebram, e com trabalhadores que começam a buscar soluções muitas vezes no associativismo (clubes de troca, empresas recuperadas, organizações econômicas populares etc.).

Em 2006, por sua vez, como fruto das políticas públicas no Departamento de Canelones, se cria o Conselho Consultivo Departamental de Economia Solidária, que consegue mobilizar cerca de 50 empreendimentos associativos do Departamento, e que chama a uma coordenação maior, com o Espaço de Economia Solidária, certos setores do cooperativismo, e do Comércio Justo Uruguaio, para avançar em novas tarefas: uma feira de caráter regional (é assim que nasce a Feira Canária de Economia Solidária e Feira do Espaço MERCOSUL Solidário) e uma Tenda de Economia Solidária (que, no momento desta entrevista, estamos inaugurando). Neste momento, todos os grupos da Economia Solidária e o comércio justo trabalham em torno ao que se tem chamado de Mesa Nacional de Economia Solidária. Podemos dizer que, nestes anos, o movimento de Economia Solidária conseguiu convocar diversos empreendimentos populares (basicamente do setor artesanal), a Associação de Produtores Orgânicos e algumas cooperativas sociais de recente criação.

O movimento cooperativo, por sua vez, é mais antigo e de grande importância no Uruguai. Apesar de algumas atividades realizadas em comum, seus dirigentes ainda preferem evitar o conceito de Economia Solidária e são vistos, desde o setor solidário, muitas vezes como empresas com pouca projeção alternativa. O vínculo entre o velho cooperativismo e os novos movimentos sociais não deixa de ser um tema interessante para o caso latino-americano.

IHU On-Line - Qual é sua avaliação sobre as políticas públicas direcionadas à Economia Solidária no Uruguai? O governo federal apóia as iniciativas de Economia Solidária?
Pablo Guerra -
No Uruguai, o governo nacional ainda não conta com políticas específicas dirigidas ao setor. As primeiras políticas públicas em nosso país foram de caráter departamental. Refiro-me à Área de Economia Solidária do Governo Departamental de Canelones, que tive o orgulho de constituir em 2006. Desde então, realizaram-se cinco programas específicos: programa de capacitação, programa de comunicações, programa de comercialização, programa de Férias e programa de promoção. A novidade destas políticas é que estão inspiradas no modelo de empoderamento dos setores populares: as decisões são tomadas nas reuniões do Conselho Consultivo Departamental de Economia Solidária, onde participam delegados de todos os empreendimentos associativos do Departamento. Desde esta área, por exemplo, temos contribuído para fundar a Comissão de Economia Solidária da Rede Merco-Cidades. Creio que um dos desafios para os próximos anos é justamente pensar estas políticas públicas, mas agora de caráter nacional. Enquanto isso, o que o Governo Nacional oferece, hoje em dia, é um Departamento de Cooperativas Sociais e uma Oficina de Fundos de Iniciativas Locais para empreendimentos associativos (ambos dependentes do Ministério de Desenvolvimento Social), e uma Comissão Honorária de Cooperativismo, sem recursos, que assessora a Presidência da República, mas onde só está representado o movimento cooperativo.

IHU On-Line - Quem é o trabalhador de Economia Solidária no Uruguai? É o desempregado que não consegue mais espaço no mercado de trabalho formal e acaba fazendo da Economia Solidária um recurso para a sobrevivência? Ou a Economia Solidária é uma escolha dos trabalhadores por outros motivos?
Pablo Guerra -
Basicamente o primeiro. A Economia Solidária em nosso país, de fato, está sendo construída pelos setores populares, muitas vezes excluídos do mercado capitalista de trabalho. Aqui estão os casos dos empreendimentos populares, as empresas recuperadas etc. São poucas as experiências montadas a partir da convicção, e por parte de trabalhadores com importantes recursos de todo tipo.

IHU On-Line - Qual é a importância de valores sociais na economia? Isso funciona no mundo capitalista e globalizado em que vivemos?
Pablo Guerra –
Particularmente, tenho defendido sempre em meus escritos a necessidade de incorporar um olhar ético na economia. Isso soa à economia clássica já desde seus precursores do século XVIII. Baseado nestas convicções, insisto na necessidade de incorporar determinados valores ao processo econômico, basicamente valores como a participação, a eqüidade, a cooperação, o companheirismo, a honestidade, a transparência e a ajuda mútua.

IHU On-Line - Qual é a contribuição que a Economia Solidária pode trazer para o meio ambiente, para a ecologia?
Pablo Guerra –
A Economia Solidária também é um movimento de idéias. Nesse sentido, se caracteriza por questionar o modelo hegemônico e propor alternativas viáveis visando a um mundo mais justo e humano. A dimensão ambiental é, desse modo, fundamental. Se não mudarmos a forma de fazer economia em todas suas variantes (desde a produção até o consumo), então as conseqüências ecológicas serão terríveis para toda a humanidade.
 
IHU On-Line - Qual é contribuição das economias alternativas para a sociedade, para o mercado de trabalho e para a economia mundial hoje?
Pablo Guerra –
Vou resumir em um só conceito. A única esperança para toda a humanidade passa por incorporar maiores doses de solidariedade em cada um de nossos atos, incluindo os atos econômicos. A Economia Solidária cumpre, nesse sentido, um papel quase profético nos tempos que vivemos. 

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