Edição 229 | 30 Julho 2007

O caminho de afirmação de uma outra forma de economia

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De acordo com o professor Luiz Inácio Gaiger, muitos empreendimentos enfrentam dificuldades no desenvolvimento autogestionário e político. Nesse sentido, Gaiger explica que as novas pesquisas têm buscado verificar como “os elementos de cooperação solidária se articulam com os elementos de produtividade”, criando, assim, o que ele chama de “círculo virtuoso”, no qual o crescimento do empreendimento vai depender do desenvolvimento autogestionário.

Luiz Inácio Gaiger é graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Sociologia da Religião, pela Université Catholique de Louvain, e doutor em Sociologia da Religião e dos Movimentos Sociais, pela Université Catholique de Louvain. Atualmente, Gaiger é professor da Unisinos, onde coordena o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, mestrado e doutorado.

Confira a seguir, a entrevista concedida, por e-mail, à IHU On-Line.

IHU On-Line - Ao falar de Economia Solidária, quais são as diferenças entre teoria a prática?
Luiz Inácio Gaiger -
Teoria e prática nunca coincidem. Isto é natural, pois se referem a diferentes ordens da realidade. A teoria corresponde a uma ordem essencialmente mental, intelectiva, que estabelece os elementos explicativos fundamentais de funcionamento de uma realidade empírica (no caso de teorias analíticas) ou sustenta um corpo de valores e princípios (no caso de uma teoria política ou atinente à nossa intervenção na realidade). Acreditar que o movimento real, concreto, da Economia Solidária tende ou deve seguir a ordem das nossas propostas, isto é, nossas idéias, é recair num pensamento idealista. Nos despojarmos das idéias, por outro lado, nos retira os critérios necessários à nossa ação, assim como os objetivos dela. A Economia Solidária desenvolve um conjunto de princípios (teoria em atos) na prática das experiências, de modo muito variado, segundo as circunstâncias e os ideais de seus protagonistas efetivos. Ao mesmo tempo, muitas experiências aglutinam-se num grande movimento social, reunido no Fórum Brasileiro, que defende, por deliberação (isto é, escolha) política, um conjunto de valores e uma plataforma de ação. Naturalmente, o movimento cria uma visão projetiva de si mesmo, relacionada a um estado futuro desejável, ainda distante da realidade de muitas experiências. Como estudioso do tema, creio que não se pode dizer quais são as lacunas ou hiatos mais importantes, de modo geral, mas sempre aplicar um determinado método de análise (utilizando, por exemplo, indicadores), como temos feito em nossas pesquisas.

IHU On-Line - Que relação podemos estabelecer entre o mapeamento da Economia Solidária e as cadeias produtivas?
Luiz Inácio Gaiger -
O mapeamento levantou os dados indispensáveis a qualquer análise do perfil dos empreendimentos (por zona de implantação, território, setor econômico ou outros critérios) e a todo estudo sistêmico que tenha por objetivo favorecer a cooperação entre os empreendimentos. Nesse caso, entram as cadeias produtivas solidárias, cujo modelo atual pode ser encontrado na experiência da Justa Trama [www.justatrama.com.br]: vários empreendimentos associam-se, cada um assumindo uma etapa do processo produtivo, até a confecção do produto final, sempre com base em critérios ambientais e sociais de produção e comercialização. O mapeamento permite descobrir os nichos potenciais de cadeias ainda inexistentes.
 
IHU On-Line - Quais são as características básicas que deve ter um grupo da Economia Solidária? Quais os valores que devem pautar as práticas de um grupo de Economia Solidária?
Luiz Inácio Gaiger -
Naturalmente, não cabe a mim defini-lo, mas aos empreendimentos e atores da Economia Solidária. O que observamos é a partilha, inicialmente espontânea, de um certo número de valores e princípios, como a cooperação produtiva, a participação, a autogestão e o engajamento social dos integrantes dos empreendimentos. O Fórum Brasileiro, por sua vez, defende um conjunto de princípios, que certamente evoluirão com o tempo. Em nossas pesquisas, temos buscado verificar como os elementos de cooperação solidária se articulam com os elementos de produtividade, de modo a criarem um círculo virtuoso em que o crescimento econômico e material do empreendimento dependa do seu desenvolvimento autogestionário e político. Pode-se dizer que muitos empreendimentos sentem esse desafio e procuram justamente enfrentá-lo, sendo ele o caminho de afirmação de uma outra forma de economia.

IHU On-Line - Como está a Unisinos na pesquisa sobre Economia Solidária? Quais são os avanços e mudanças que vêm surgindo recentemente?
Luiz Inácio Gaiger -
A Unisinos exerce uma liderança nesse campo, do mesmo modo que no campo do cooperativismo. Temos pesquisas contínuas há mais de 12 anos sobre a Economia Solidária e contamos com o único Programa de Pós-Graduação no Brasil (Mestrado e Doutorado) que oferece uma Linha de Pesquisa específica. Além de pesquisas qualitativas, estamos trabalhando com os dados do Primeiro Mapeamento Nacional, em primeiríssima mão. Os resultados dessas pesquisas figuram no sítio do Grupo de Pesquisa: www.ecosol.org.br.
 
IHU On-Line - Quando uma cooperativa com base na Economia Solidária começa a crescer, ela passa a ser vista, muitas vezes, como uma cooperativa industrial, e assim sendo, é criticada. A partir de que momento ela deixa de ser entendida como um empreendimento da Economia Solidária?
Luiz Inácio Gaiger -
Não pelo fato de ter crescido. Crescer é natural e muitas vezes indispensável. O critério é o método empregado e o possível afastamento dos princípios solidários, como a participação democrática e a identidade entre associados e trabalhadores. Se uma cooperativa com 30 sócios passa a empregar assalariados em maior número, converte-se numa empresa baseada em relações de produção capitalistas: mesmo que os empregados sejam bem tratados e pagos, não desfrutam de nenhum poder, restrito aos sócios. O crescimento pode, no entanto, ocorrer com a admissão progressiva de mais sócios.

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