Edição 224 | 20 Junho 2007

Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia

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IHU Online

“Para ampliar os lucros é preciso aumentar os salários”. O pensamento de Michal Kalecki

Partindo dos estudos da Teoria da Dinâmica Econômica, do economista Michal Kalecki, o Prof. Dr. Carlos Águedo Paiva explica que para um setor econômico da sociedade ter sucesso, ele precisa estar ligado a outro. “O que Kalecki demonstra é que todos os setores estão imbricados”, enfatiza. Para obter lucros, ressalta o professor, a partir da teoria do economista polonês, é necessário aumentar o salário, uma vez que não há lucro se não houver demanda. Na teoria de Kalecki, não há conflitos entre salários e lucros e tão pouco entre setores. “Para ele, só existe crescimento quando todos os setores crescem”, esclarece o economista. 

Carlos Águedo Paiva é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas. Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas, atualmente é pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da Universidade de Santa Cruz do Sul.
Confira a entrevista concedida à IHU On-Line, na semana passada, por telefone.

IHU On-Line – Especialistas dizem que o modelo kaleckiano representa um importante marco teórico, no sentido de introduzir uma revisão das macroeconomias clássica e neoclássica e na tentativa de explicar a dinâmica capitalista. Quais são as inovações que ele propôs?
Carlos Águedo Paiva –
Quando Kalecki  começa a produzir, não há propriamente uma macroeconomia clássica. O que ele propõe é um desafio a um senso comum que não estava formalizado. Um senso comum que está associado à idéia de que os mercados são auto-reguláveis e nós podemos, através das ações das firmas e dos indivíduos consumidores, chegar a um equilíbrio pleno, a extrair da ordem capitalista o máximo benefício possível. O que  Kalecki propõe como primeira intervenção é uma reflexão sobre o bojo da crise de 1929. Ele tenta entender como é possível que exista uma crise que, simultaneamente, possibilita que máquinas, desempregados e terras fiquem ociosos. Todos os recursos produtivos estão ociosos, subutilizados. Isso ocorre porque não existe demanda para mobilizar esses recursos. A teoria dele, então, é uma tentativa de explicar como é possível ocorrer uma situação que o pensamento clássico jamais produziu uma leitura. Ele pretendia, sem nenhuma teoria propriamente constituída, mostrar que isso seria o absurdo. Para ele, não é possível que possa existir recursos disponíveis e não exista demanda para utilização desses recursos. Analisando essa realidade dos anos 1930, Kalecki passa a produzir uma teoria sistemática, surgindo, então, um objeto chamado macroeconomia, que é a determinação da situação do mercado como um todo. Surge uma macroeconomia que tentará responder aos desafios colocado por Kalecki. Existia, até então, uma ausência de reflexão sobre a macroeconomia, a qual foi proposta por ele. 
 
IHU On-Line - Nos estudos de Kalecki, pode-se constatar a influência de Marx, Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburg. A partir desses autores, Kalecki criou a Teoria da Dinâmica Econômica em 1954. Quais são as principais idéias desses autores que ele utilizou para a criação da Teoria da Dinâmica Econômica?
Carlos Águedo Paiva –
Do Marx ele tirou uma contribuição muito importante, uma vez que esse pensador fez uma reflexão da macroeconomia. O que Marx anunciava é que, à medida que o capitalismo se desenvolve, passam a ocorrer problemas em seu sistema, por sua capacidade muito maior de produzir do que a capacidade de consumo da população. Isso porque esta fica desempregada e perde condições de compra, enquanto as máquinas alavancam a capacidade de produção das empresas. Marx foi o segundo a dizer que esse sistema de capitalismo deveria ter problemas crônicos de superprodução. Kalecki apropriou-se dos elementos de Marx e sistematizou essa idéia.

Tanto Rosa Luxemburg  quanto Tugan-Baranovski  também se utilizaram dos indicativos de Marx. Ambos trabalharam em perspectivas opostas daquilo que Marx deixou inacabado. Ao estudar esses dois autores,  Kalecki percebe que ambos pegaram dimensões verdadeiras do pensamento de Marx, mas não perceberam a síntese de seus estudos. Assim, Kalecki faz a síntese dos pensamentos de Marx, Tugan-Baranovski e Rosa Luxemburg. Ao sintetizar as três idéias, ele demonstra em que circunstâncias o capitalismo pode ou não ter crises de superprodução.
 
IHU On-Line – Como, a partir da Teoria da Dinâmica Econômica, lucros e salários são determinados?
Carlos Águedo Paiva –
Quando o grau de monopólio é baixo, as empresas não tem muito poder de mercado. Nesse caso, elas são obrigadas a investir muito. Assim, a margem de lucro das firmas é baixo, e a taxa de salário real é mais elevado. Então, tudo está imbricado num mesmo processo. A dinâmica econômica do sistema é determinada pela margem de lucro e pela taxa de salário real.  
 
IHU On-Line – Na teoria de Kalecki, o sucesso de um setor está ligado ao de outro?
Carlos Águedo Paiva –
Sim. O que Kalecki demonstra é que todos os setores estão imbricados. Para ampliar os lucros, segundo ele, precisa-se aumentar os salários, porque não vai haver lucro se não tiver demanda, e não vai haver demanda se não existir salário. Ao contrário do que usualmente se pensa, não existe conflito entre salários e lucros e tampouco entre setores. Os setores precisam conviver uns com os outros. O Kalecki é contrário à idéia de que o sistema capitalista é caracterizado pelo jogo de soma zero, isto é, para alguém ganhar, um tem que perder. Para ele, só existe crescimento quando todos os setores crescem.

IHU On-Line – Kalecki dizia que quanto maior o grau de monopólio, maior é o preço que uma indústria pode cobrar por sua mercadoria em relação ao custo de sua produção. Como o senhor avaliava o monopólio das empresas?
Carlos Águedo Paiva –
Uma empresa pode estar sozinha no mercado, mas ela está exposta a vários concorrentes porque há uma capacidade de ingressos dos produtos vindos do exterior. Algumas economias, como a japonesa e a americana, têm um grau de monopólio formal aparente bastante elevado. Mas o grau de exposição dessas economias à concorrência externa é bastante grande. No caso brasileiro, o problema é um pouco maior, porque nós adotamos um padrão de industrialização em que o estado garantia e reforçava o grau de monopólio das empresas. Para atrair multinacionais, montadoras de automóveis, o Brasil se comprometia a erguer barreiras alfandegárias pesadas e dar para as empresas um conjunto de benefícios que tornava o monopólio delas inquestionável. Então, o grau de monopólio no Brasil, hoje, é muito maior do que a média.
Nós vivemos no Rio Grande do Sul, por exemplo, como em qualquer lugar. Para nos desenvolvermos, precisamos atrair as empresas; para atrair as empresas, precisamos dar benefícios. Se atrair uma empresa como a Brahma, com grandes benefícios fiscais, as empresas que produzem cerveja na região e não têm os benefícios não conseguem ter o mesmo lucro. Então, elas acabam tendo problemas de sobrevivência e vão à falência. Isso acaba alavancando o monopólio da Brahma. Qual é o resultado? A Brahma não precisa investir tanto e tampouco se modernizar.
Quanto mais se desenvolve o capitalismo, mais se desenvolve o monopólio. No caso do Brasil, o problema é que o estado, ao invés de lutar contra o monopólio das empresas, alavanca esse poder de monopólio e justifica isso, dizendo que é uma política de desenvolvimento. O estado é responsável pelo aprofundamento da lógica perversa do capital. Nos países capitalistas mais desenvolvidos, o estado tem um conjunto de leis que limitam as ações dos monopólios e estimulam as micro, pequenas e médias empresas. No Brasil, se faz o contrário. O estado estimula os grandes monopólios. Resultado: nós temos uma distribuição de renda péssima, uma taxa de investimento baixa e uma crise crônica de crescimento que vem se arrastando há mais de 25 anos.

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