Edição 223 | 11 Junho 2007

Segunda-feira ao sol, de Fernando Leon de Aranoa

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IHU Online

Ciclo de Filmes e debates - trabalho no cinema

“O filme conta a história dos personagens revelando os seus sentimentos e o acontece quando estão desempregados, como isso os afeta, o que acontece nas suas casa, como eles interagem com seus parceiros e com as suas famílias. Com isto, ele propicia uma discussão política e ética do que está no pano de fundo: o desemprego estrutural, a política do emprego, o sindicalismo.” As afirmações são da Profª. Drª. Rosângela Fritsch, da Unisinos,  ponderando aspectos a respeito do filme Segunda-feira ao sol, que debaterá junto com a Profª. Drª. Maria Clara Bueno Fischer, também docente na Universidade,  nesta quarta-feira, 13-06-2007, das 19h15min às 22h15min, na Sala 1G119 do IHU dentro da programação do Ciclo de Filmes e Debates – Trabalho no cinema.

Graduada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Rosângela é especialista em Administração e Planejamento de Bem Estar Social pela mesma instituição. Também na PUCRS cursou mestrado em Serviço Social e doutorado em Educação na Unisinos com a tese Travessias na luz a na sombra: as trajetórias profissionais de administradores de recursos humanos - os seus percursos de formação, de trabalho e de profissionalização no âmbito da gestão de pessoas. É autora do livro Planejamento Estratégico: um instrumento de intervenção (Porto Alegre: Da Casa, 1996).

Maria Clara é graduada em Pedagogia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Cursou doutorado em Educação na Universidade de Nottingham, Inglaterra, com a tese Radical trade union education in practice? A study of CUT´s education programme on collective barganing. É uma das organizadoras de Capacitação de conselheiros das comissões de trabalho e emprego : a experiência da CUT de 1998 a 1999 (Florianópolis - SC: Rocha, 2000) e Formação de formadores para educação profissional: a experiência da CUT 1998/1999 (Florianópolis: Rocha, 2000).

Ficha Técnica
Título Original:
Los lunes al sol
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 113 minutos
Ano de Lançamento (Espanha): 2002
Direção: Fernando León de Aranoa

Sinopse
Uma cidade costeira no norte da Espanha sofre com seu isolamento quando seus estaleiros começam a ser fechados, deixando vários trabalhadores desempregados à mercê de pequenas ocupações temporárias. Entre eles está Santa (Javier Bardem), um machão rebelde e auto-suficiente que se recusa a admitir o fracasso. Mas a verdade é que ele e seus companheiros, dos quais ele se torna uma espécie de líder, são perdedores completos, mergulhados no alcoolismo e em crises familiares.


Uma reflexão sobre o desemprego estrutural

IHU On-Line - Que conexões a senhora faz entre a situação de desemprego do filme e a que presenciamos no Brasil atual?
Rosângela Fritsch –
Eu começaria salientando que para além da situação de desemprego vai se revelando no filme o lugar e o sentido do trabalho para as pessoas. O trabalho como parte da essência, como valor. O caráter do trabalho como formativo e constituinte da identidade das pessoas. O trabalho como uma atividade humana e por essa razão é tão forte a sua influência psicológica e social na vida das pessoas na sua totalidade. O que quero registrar é que aqueles ex-operários metalúrgicos da indústria naval não perderam apenas, de forma irremediável, seu emprego no estaleiro Aurora, mas romperam com as identidades de trabalhadores e de classe. São obrigados a buscar empregos precários em outras atividades de trabalho e buscar estratégias de empregabilidade em atividades que não lhes fazem sentido. Bem, falar da situação do desemprego na Espanha ou no Brasil é preciso reconhecer as diferenças econômicas, sociais, políticas, culturais, educacionais, legais dos respectivos contextos. Ao mesmo tempo, ambas as realidades, leva a uma reflexão mais ampla sobre a lógica do mercado, da financeirização, da mundialização e da globalização do capital que são metamorfoses do capitalismo global, visíveis a partir da década de 1980 que implicam numa nova divisão internacional do trabalho e num novo modelo de produção (acumulação flexível) com impactos significativos no mundo do trabalho: aumento do desemprego em massa e do desemprego de longa duração e da precarização do trabalho. Um grande contingente de ex-operários foi obrigado a buscar inserções precárias no mercado de trabalho no setor de serviços em expansão, quando não ficaram dele excluídos. Neste contexto e com o crescente surgimento de novas empresas e a conseqüente competição entre elas o capital se reorganiza, agora internacionalmente, e busca na informática e em tecnologias de base micro-eletrônica formas de flexibilizar a produção para novos ganhos de produtividade e lucratividade gerando um desemprego estrutural e global.

IHU On-Line - Como essa situação de desemprego se reflete no psicológico do personagem Santa (Javier Bardem)? E na vida real, como essa realidade se faz notar entre os trabalhadores que perdem suas ocupações?
Rosângela Fritsch –
Esta é uma pergunta importante porque para mim possibilita falar sobre o que é central na proposta do filme. É um filme que trata e faz pensar sobre o desemprego estrutural. Todavia este tema vai se revelando na história de um grupo de pessoas que vivem esta situação. Isto, para mim, é a grande marca do filme, pois as angústias, as misérias e as desesperanças geradas pelo desemprego estrutural são apresentadas na perspectiva de quem as vive. É um filme sensível e emotivo porque são pessoas e suas histórias, suas singularidades, subjetividades e intersubjetividades. O filme conta a história dos personagens revelando os seus sentimentos e o acontece quando estão desempregados, como isso os afeta, o que acontece nas suas casa, como eles interagem com seus parceiros e com as suas famílias. Com isto ele propicia uma discussão política e ética do que está no pano de fundo: o desemprego estrutural, a política do emprego, o sindicalismo, etc. O personagem Santa, assim como os demais, Lino, José e Amador, apresentam através de suas histórias e dramas a função psicológica do emprego e também do trabalho na vida das pessoas. Em relação ao personagem Santa, que é um dos principais, temos um homem solitário, sociável e solidário. É ex-liderança sindical de base, de personalidade marcante, organizador e influenciador de um coletivo de trabalho desestruturado pela reestruturação produtiva. Ele representa um proletário industrial, ex-soldador metalúrgico, que trabalhou no estaleiro Aurora por quatro anos e conseguiu ser líder operário. Santa, para sobreviver ao sofrimento, cria estratégias de resistência divagando, fantasiando, gozando e transgredindo em situações concretas que vão acontecendo. Por exemplo, para cortejar Ângela, a moça vendedora de queijo suíço no supermercado, diz ser especialista em queijo e finge falar suíço. Santa diz saber pilotar um barco, apesar de só ter ocupado o posto de cozinheiro num barco. Brinca com os significados das palavras, dizendo conhecer sua etimologia. Logo no inicio do filme, entra no ferryboat sem apresentar o bilhete. Bebe sem pagar no bar Naval, utilizando-se inclusive do caça-níquel e come batatinhas fritas no supermercado. Santa simula e engana a dona da pensão, dizendo que a amante que freqüenta seu quarto na pensão, é sua irmã. Santa possui sonhos e cria fantasias para si e para os outros. Talvez não acredite nelas, mas elas traduzem a sabedoria própria de uma desilusão. Entretanto, é importante salientar que, sua simulação e mentiras não significam exploração do próximo, ele transmite valores humanitários. Tem um fato marcante na história deste personagem, trágico e cômico ao mesmo tempo: ele é obrigado, por ordem judicial, a ressarcir uma lâmpada destruída num ato de protesto contra o fechamento do estaleiro Aurora. O valor da indenização expõe o caráter disciplinar da justiça burguesa, pois na verdade Santa é obrigado a pagar menos pelo valor monetário em si e mais pela penalização do atentado contra a propriedade privada.

O advogado de Santa mostra-se incapaz de contra-argumentar e defender seu cliente e a lógica da argumentação do juiz expõe a justiça a serviço do capital. Como transgressão Santa retorna no local e quebra novamente a lâmpada. Na vida real temos muitas expressões de Santas, Linos, Josés, Amadores e dos demais personagens que de formas e maneiras singulares lutam, desistem, resistem, submetem-se.... e, com certeza, este é o conteúdo que faz com que os expectadores do filme emocionem-se. Em decorrência do lugar de destaque que o trabalho ocupa na vida das pessoas, sendo fonte de garantia de subsistência, de posição social e de constituição de identidades, a falta de trabalho ou mesmo a ameaça de perda do emprego geram sofrimento psíquico, pois ameaça a subsistência, a vida material do trabalhador e de sua família e ameaçam acima de tudo a sua condição de sujeito, abala o valor subjetivo que a pessoa se atribui, gerando sentimentos de menos-valia, angústia, insegurança, desânimo e desespero, caracterizando quadros ansiosos e depressivos.

IHU On-Line - Como o desemprego se relaciona com as crises familiares e o alcoolismo retratados pelo filme?
Rosângela Fritsch –
Se, como disse antes, o trabalho é central e estruturante na constituição das pessoas, a ausência dele e ou do emprego é, por sua vez, desestruturante. As crises familiares e o alcoolismo, retratados no filme, são expressões da função psicológica e social do trabalho na vida das pessoas. Não é possível separar a vida no trabalho da vida pessoal. Os estudos atuais têm mostrado o quanto são interdependentes as relações entre trabalho ou ausência dele com a o estado de saúde e ou doença das pessoas. No entanto, não é uma tarefa fácil estabelecer a relação causal entre trabalho e transtornos mentais e de comportamento, onde se enquadra o alcoolismo, foco do filme. Não existe uma relação direta, objetiva e linear de causa e efeito porque contribuem para isto outros determinantes e condicionamentos associados que geram determinadas condições de vida e fatores de risco (violências, inseguranças, medos, etc.), presentes nas diferentes interações com a sociedade, com a família, com a igreja, com a escola, com o trabalho. Visando subsidiar o diagnóstico e a estabelecer a relação causal o Ministério da Saúde elaborou uma Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, publicada na Portaria/MS n. 1.339/1999, também adotada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. De qualquer modo, este é um quadro muito preocupante. Existe carência de dados sobre sofrimento psíquico de trabalhadores e trabalhadoras que estão fora sem trabalho ou no trabalho informal. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde os transtornos mentais leves acometem 30% dos trabalhadores ocupados e os transtornos mentais graves 5 a 10%. No Brasil, os dados do Instituto Nacional do Seguro Social sobre concessão de benefícios previdenciários de auxílio doença, com incapacidade para o trabalho superior a 15 dias e de aposentadoria por invalidez revelam que os transtornos mentais e em destaque o alcoolismo crônico ocupam o terceiro lugar entre as causas destas ocorrências. Pontuo também que o álcool é uma droga que gera um efeito prazeroso e amortecedor.

IHU On-Line - Em relação aos empregos temporários, quais são as principais dificuldades encontradas pelo trabalhador atual?
Rosângela Fritsch –
O filme mostra frente ao desemprego estrutural a luta deste grupo de trabalhadores por trabalhos precários, de curta duração para garantir a sobrevivência. Mostra a cruel realidade das pessoas na condição de viverem em cordas bambas, sem saberem como pagarão as suas contas no fim do mês. Se o emprego formal vem sofrendo o fenômeno da precarização do trabalho que se caracteriza fundamentalmente pela perda de direitos sociais e trabalhistas, em tons muito mais cruéis se coloca o emprego precário que se caracteriza como trabalho temporário e informal. Este é um drama de muitas famílias e penso que além da condição de exploração e degradação do trabalho a grande dificuldade que se apresenta em relação aos empregos precários é a ausência total de proteção social.

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