Edição 223 | 11 Junho 2007

Antônio Cechin: 80 anos

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IHU Online

Antônio Cechin é professor e religioso da congregação dos Irmãos Maristas, de Canoas. Nasceu em 17 de junho de 1927, em Santa Maria, Rio Grande do Sul. Atualmente desenvolve trabalhos com os catadores e recicladores de lixo da cidade de Guaíba, Rio Grande do Sul.

Para comemorar o 80º aniversário do Irmão Marista Antônio Cechin, a equipe da IHU On-Line conversou com alguns de seus amigos, na semana passada. Colhemos depoimentos, por e-mail, de pessoas que atuaram com ele nas lutas populares do Rio Grande do Sul, como o advogado Jacques Alfonsin e o professor Nilton Bueno Fischer, que trabalha com os recicladores de lixo na região Metropolitana do Estado. Eugênio Cechin, irmão de Antônio Cechin, também contribuiu com essa homenagem, relatando fatos da convivência em família. Também participaram os amigos Ivo Fiorotti, Luiz Carlos Susin e o Frei Pilato Pereira, que nasceu no bairro Mathias Velho, em Canoas, uma das primeiras ocupações urbanas na região metropolitana do Estado.

Confira os depoimentos:

“Irmão ANTÔNIO, um revolucionário!”

Luiz Cechin (1900-91) e Romana Camilotto (1901-81) geraram 15 filhos. Agricultores pobres, em Santa Maria da Boca do Monte, mas extremamente religiosos, convictos, entendiam que sua missão era entregar os filhos (o maior número possível) ao serviço de Deus e da Igreja. Conseqüentemente, todos os filhos ingressaram em casas de formação religiosa (era, inclusive, a única maneira de possibilitar o ‘estudo’ para os filhos). Nove "emplacaram": quatro irmãos maristas, quatro religiosas e um padre diocesano. Os demais - mais novos - desistiram mais cedo da vida religiosa. Antônio é o quinto da escala. Cedo saiu de casa, como os mais velhos, para se dedicar à vocação religiosa. Por isso, pouco contato familiar tive com ele, na minha infância e adolescência (sou o décimo quarto da escala...). Passei a conhecê-lo mais de perto como Irmão Lourenço José, nome que assumiu como religioso marista  (é com este nome que o Moacyr Scliar dele se recorda, como seu professor de Português no Curso Ginasial do Rosário ). Claro, sempre tive o maior respeito, admiração e afinidade com o mano Antônio (o nome de batismo dos religiosos voltou, a partir do Concílio Vaticano II), de tal sorte que o tratamos por Tonico. Ele tem um coração que é pura mansidão. Incapaz de matar uma mosca. Mas sabe, também, ser rígido, quando necessário. Meu relacionamento pessoal mais próximo com o Tonico deu-se após o seu retorno da Europa (Paris e Roma). Voltou com idéias bem mais arejadas das que já detinha quando atuava junto à JEC (Juventude Estudantil Católica ) e à JUC (Juventude Universitária Católica ). Fundou o Centro Juventude de Cultura, com o qual colaborávamos diuturnamente, na construção de uma evangelização nova – o anúncio da Boa Nova à juventude (fichas catequéticas, cursos daqui e dali etc.). Dentro da nossa família carnal, o Antônio teve uma influência extraordinária. Inicialmente, até causava ‘escândalos’ com suas idéias avançadas, e até discussões ferrenhas ocorriam. Não é para menos: todos, por formação e tradição, éramos extremamente conservadores. A própria congregação dos maristas, por certo, nunca foi tão progressista. E o Antônio revolucionou nossa maneira de pensar e ver o mundo. Até os pais, Luiz e Romana, morreram completamente convencidos do acerto da sua visão de vanguarda, já pós-moderna. Ao empregar o termo ‘revolucionário’ para o Antônio, refiro-me à sua atuação pastoral e ao especial dom profético que tem de ler os sinais dos tempos. Desde algumas décadas, o Antônio dedica a sua vida no trabalho com os mais pobres e oprimidos – papeleiros, catadores, sem-terras, indígenas e outros -, muito antes que a Igreja anunciasse a opção preferencial pelos pobres. Percebeu, como poucos, que destes será o Reino dos Céus, como anunciado no Evangelho. A pequena burguesia... Esta já está perdida mesmo e sequer deseja a Salvação!”
Depoimento de Eugenio Cechin, irmão de Antônio Cechin e professor na Unisinos.  


“Antônio Cechin é marca de entrega aos outros, aos mais simples e despossuídos. É quase uma entidade!”
“O tempo vai desfilando em memórias que estão ligadas com catequese, com afetos, com inserção social, com entrega por inteiro aos projetos de solidariedade que contemplem os mais simples, os mais pobres, os mais despossuídos. Encontro Antônio por lembranças de minha mãe, quando falava com entusiasmo das suas aulas de religião em escola pública, nas quais os textos inspiradores tinham a marca desse homem de fé.  Nos tempos da ditadura militar, foram esses mesmos escritos que um ministro, em rede de TV nacional, julgou e condenou como sendo subversivos. Tempos que estavam ligados ao Colégio Rosário, no qual uma juventude se inquietava com as injustiças de uma sociedade desigual, injusta e excludente. Esse mesmo Antônio, para alguns com o acréscimo de ‘Padre’, para outros de ‘Frei’, é o Irmão Marista da mesma ordem religiosa que me ensinou lá pelo Pio XII  e São Jacó, ambos colégios de Novo Hamburgo. A opção em viver ‘fora’ dos espaços institucionais da ‘ordem marista’ fez dele um ser de muita circulação com profissionais, intelectuais, professores e tantos outros que se dedicavam a ‘refletir sobre a prática’ em tempos de forte repressão política. Pois é na inserção com as populações pobres da periferia de Canoas que escrevo minha tese de doutorado, e daí em diante foi como se tivesse recebido um ‘mandato’ junto aos homens e mulheres que trabalham com a reciclagem do lixo urbano, desafio que até hoje me ajuda na gana e entrega para ‘compreender e agir’ da mesma direção que o ‘mestre’ Antônio fez e faz. Um dia, teríamos que escutá-lo para sabermos como ele ‘metabolizou’, sua longa e determinada trajetória como cidadão e religioso, a experiência de ter sido parte do aparelho do Estado, quando assumiu a coordenadoria da ‘subprefeitura’ das Ilhas no período de 1989-1992 . Antônio é sinal de firmeza no que pensa e diz a partir de uma sólida, incessante e utópica prática pedagógica, inspirada em Paulo Freire , junto aos mais pobres e, em especial, com os recicladores de nosso Estado e da região metropolitana de Porto Alegre.”
Depoimento de Nilton Bueno Fischer, professor do PPG/EDU da UFRGS e do mestrado em Educação do Unilasalle. Fischer atua em projetos de Educação Ambiental e Economia Popular e Solidária, com recicladores que sobrevivem pela geração de renda em galpões de reciclagem na periferia de Porto Alegre.



“Tive fome e me destes de comer”

“Sempre que eu leio aquela passagem do Evangelho de São Mateus ‘Vinde benditos de meu Pai, recebei por herança o Reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me’ (Mt. 25, 34-36), pergunto-me que pessoa, com as quais convivo, é mais merecedora de tão consoladora acolhida, e não hesito em lembrar o nosso querido Irmão Antônio Cechin. Tive a chance de ser seu aluno no Colégio Rosário, e depois, como advogado, participar de várias das suas lutas em defesa dos direitos humanos das pessoas mais pobres aqui da Grande Porto Alegre. Sou-lhe muito agradecido e, na oportunidade em que se celebra o seu 80º aniversário, junto meu abraço ao da multidão de quanta/os, inspirados no seu exemplo de vida e de fé, que estão tentando, pessoal e profissionalmente, construir o Reino de Amor refletido naquela acolhida.”
Depoimento de Jacques Alfonsin, advogado, que atuou, junto com Cechin, nas lutas populares no Rio Grande do Sul.  Foi professor na Unisinos.



“Irmão Antônio e os pobres sonharam e fizeram acontecer!”

“Irmão Antônio Cechin e sua mana Matilde Cechin iniciam sua inserção pastoral nas favelas da Rua República e do Guabiju, em Canoas, na segunda metade da década de 1970. As visitas da santinha foram ganhando corpo com a reza do terço; as orações populares ficaram mais saborosas com a leitura da Bíblia. O mutirão da festa junina tornou-se permanente nos mutirões semanais das mães e das crianças que, no olhar da fé, faziam surgir, dos restos de roupa, os agasalhos e os acolchoados. O início da ocupação da Vila Santo Operário  foi a atualização da Boa-Nova natalina de 1979, sob o lema: ‘Jesus ocupou uma estrebaria para nascer e nós ocupamos a granja de arroz para viver’. O sino conclamava a união e a solidariedade para a resistência na Vila União dos Operários. Surgiam as primeiras Comunidades Eclesiais de Base, sob a proteção da Mãe de tantos nomes - Luz, Fátima, Saúde, Perpétuo Socorro, Aparecida, Romeiros - e de seu Filho Divino Mestre ou Operário. Os serviços nas comunidades desabrocharam: mutirões das mães na confecção vestuários básicos, o pão nos fornos comunitários, as verduras e legumes das hortas comunitárias, a segurança alimentar e nutricional na pastoral da criança, os clubinhos das crianças, a auto-estima da negritude com os agentes de pastoral negros.... mas também a organização de lutas pela água potável, pela luz elétrica, pela iluminação pública, pelo posto de saúde, pela linha de ônibus. Houve a solidariedade com os irmãos do campo, destacando a realização da Romaria da Terra  no berço das ocupações urbanas, em 1984, e a organização da Romaria Conquistadora da Terra, a grande marcha de cerca e 100 sem-terras da Fazenda Anoni até Porto Alegre, em 1987. A primeira colheita de feijão da Nova Ronda Alta que inaugurou a Comercialização direta de produtos dos colonos aos operários. A Associação dos Catadores, a Cooperativa das Massas e por aí vai... em tudo isto e muito mais,  o Irmão Antônio e os pobres sonharam e fizeram acontecer!”
Depoimento de Ivo Fiorotti

“Irmão Antônio Cechin, um homem de intuição, vigor e ternura”

“Talvez com o hibridismo de ser descendente de italianos nascido na região do mais genuíno pampa gaúcho, talvez a sua disciplinada formação marista e o desatar asas com a ‘renovação’ – renovação conciliar, renovação catequética, renovação política etc. -, o Irmão Antônio se tornou fonte de criatividade e resistência em inúmeras batalhas. Em primeiro lugar, destacam-se as suas intuições antecipando a criação de movimentos como o da terra, da água, da justiça social e da ecologia, dos pobres e da política, das comunidades de base e dos encontros com teólogos e bispos, das romarias e das reivindicações. Em segundo lugar, o homem do vigor, da determinação, perseverando com toda energia na perseguição de um horizonte e de uma paisagem nova, a do mundo transfigurado em Reino de Deus, como um profeta e mestre de profetas em direção a um mundo que há de vir. Em terceiro lugar, um homem de paixão e de sensibilidade para com a beleza da poesia e da música, da liturgia e das coisas simples e sinceras do povo, uma pessoa de grande ternura e contemplação, que muitas vezes começou o seu domingo olhando pela sua janela as ilhas do Guaíba e rezando um salmo em comunhão com o povo que iria encontrar por lá em seguida. Assim vejo Irmão Antônio Cechin, eu que também lhe sou devedor. Certamente, ele acharia tudo isso demasiado, talvez até reclame de exagero, mas sei que não estou sozinho. Há, inclusive, quem tenha mais autoridade do que eu para dizer estas coisas.”
Depoimento do Frei Capuchinho Luiz Carlos Susin. Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, ele é professor na PUC-RS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef), em Porto Alegre.


“Irmão Antônio: 80 anos e muitas lições de vida e de fé”

”Eu era entregador de jornal e às cinco horas da manhã, com uma bicicleta, começava meu itinerário por ruas dos bairros Mathias Velho e Santo Operário, em Canoas. O entregador de jornal precisa saber de cor o nome de todas as ruas. Eu sabia e ainda me lembro bem para nunca esquecer. Não apenas decorei o nome das ruas para saber por onde andar entregando jornal, mas guardei encantamento com o significado de cada nome. Na Rua Sino da União, por exemplo, então chamada de “Prado”, depois Vila União dos Operários, quando havia qualquer ameaça às famílias, alguém tocava o sino e o povo se juntava, se reunia para que nada de mal acontecesse. A Rua Libertação me lembra a história do povo de Deus na Bíblia e a história de muitas famílias em Canoas que sonhavam com a sua libertação, com uma vida melhor. Pela Rua dos Romeiros lembro que passou nela a Bendita Romaria da Terra. É a rua da fé, onde, na esquina, levantou-se uma igreja que foi a base da luta e organização do povo. A Rua 18 de Novembro me lembra o dia da vitória, quando as famílias conquistaram a posse da terra. Esta rua também ganhou uma igreja, uma comunidade de fé que mantém vivos a história, o compromisso e o sonho de um povo.
Seguindo meu itinerário de entregador de jornal, passava também pela Rua Negrinho Santo, que nos lembra o Negrinho do Pastoreio, pela Vila Santo Operário, que faz uma homenagem ao operário mártir, Santo Dias da Silva, pela Rua São Sepé, que lembra o índio Sepé Tiarajú. E, bem mais adiante, a Vila Natal é uma marca histórica da organização dos pobres que, às vésperas do Natal do Senhor, sentiam-se semelhantes ao pobre Menino Jesus e, animados pela mesma fé, vão e ocupam uma área de terra e ali fazem suas moradas, como fez a Sagrada Família na gruta de Belém.
Como na palma da mão, leio nestas ruas e vilas a minha história de entregador de jornal e a história de um povo que vinha de muitos povos; famílias como a minha, que a sorte fez migrar em busca de um novo amanhã. E, nas entrelinhas do que leio, vejo a história, a vida de um irmão que Deus nos deu, este tão querido Irmão Antônio Cechin. Ao passar entregando jornal, cada rua me apresentava o Irmão Antônio, cada rua me contava sua história, sua trajetória de luta e muita fé. Ele havia passado por ali, guiado pela mão de Deus e conduzindo o povo no caminho da libertação. Quando tudo ainda era difícil - o banhado, os alagamentos, os jagunços e tantas outras dificuldades -, por ali passaram os pés de um peregrino, irmão dos pobres, amigo de Deus. As ruas contam a história de lutas e conquistas de um povo e esta história revela o coração, a alma, a vida simples, mas heróica e corajosa, de Irmão Antônio Cechin, que acaba  de completar 80 anos de vida.
Irmão Antônio apostou na Teologia da Libertação, nas CEB's, na Catequese Renovada. Edificou sua vida lutando pela dignidade humana e, com a força da fé, testemunhando o Evangelho de Jesus Cristo na opção pelos pobres. Foi perseguido, preso e torturado pela ditadura militar, mas nem o castigo, a violência e a crueldade que sofreu lhe fizeram abandonar seus ideais. Ele superou tudo e até hoje continua sua missão a serviço dos mais pobres. Ajudou a criar as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral da Terra e o MST no Rio Grande do Sul. E depois empenhou-se com a organização dos catadores em Canoas e Porto Alegre, criou a Pastoral da Ecologia e protagonizou o reavivamento da imagem de São Sepé Tiarajú. Nos últimos anos, vem motivando a Igreja no Rio Grande do Sul a assumir a bandeira da Ecologia. Irmão Antônio vem lutando em defesa das águas, dos pobres e do meio ambiente, e vem nos dando muitas lições de vida e de fé.
Costumamos dizer que Irmão Antônio é o pai das CEB's, mas as CEB's são a sua mãe, os seus irmãos, a sua vida, a sua história. Quando glorificamos a Deus pela vida deste querido irmão, estamos louvando a Deus pelas Comunidades Eclesiais de Base e a Teologia da Libertação, pela Catequese Renovada, pela CPT, pelo MST e pela Pastoral da Ecologia, por tantas bênçãos que recebemos de Deus através de suas mãos servidoras. Hoje nem sei com que palavras posso homenagear Irmão Antônio pelos seus 80 anos de vida. Mas sei que a melhor homenagem que quero lhe fazer é assumir a mesma causa, viver o mesmo ideal e lutar sempre com o mesmo espírito de luta e fé que o fez ser mais que um Irmão de uma congregação religiosa, mas o verdadeiro irmão dos pobres. Parabéns Irmão Antônio!!!”
Depoimento do Frade Capuchinho Pilato Pereira. Atualmente, Pereira atua em pastorais nos assentamentos de Aceguá, Candiota e Hulha Negra e acampamentos do MST.

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