Edição 221 | 28 Mai 2007

Perfil Popular - Eliane Borges

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Natural de Lages, Santa Catarina, Eliane Borges teve uma vida difícil desde a infância. A violência sempre fez parte de sua vida, primeiro com o padrasto e mais tarde com o marido. Foi superando esse obstáculo que ela veio para o Rio Grande do Sul. “Aqui achei muitas pessoas boas, que me ajudaram.” Com seus oito filhos, ela mora com o atual marido Egídio em São Leopoldo, onde trabalha como catadora e com a reciclagem. Conheça um pouco mais de Eliane Borges na entrevista a seguir.

Começo
Em Lages, Santa Catarina, Eliane viveu até os 26 anos. Foi criada pela mãe solteira, que a levava para o trabalho por não ter quem cuidasse da filha. “Morava junto com ela no emprego. Ela trabalhava em um restaurante e me deixava trancada no quarto até a hora em que vinha almoçar. Eu ficava no quartinho dos fundos do restaurante em que ela trabalhava como cozinheira, e, na hora do almoço, ela vinha e comia junto comigo.”

Infância
Aos sete anos, Eliane ganhou um irmão e um padrasto. Com a mãe trabalhando fora como doméstica, as crianças sofreram. “Ele era muito ruim, judiava de nós: era um padrasto muito severo e brabo. Muito cruel. Conviver com ele era terrível. Quando era só a minha mãe era melhor.” Aos 15 anos, Eliane ganhou um beijo de seu primeiro namorado, mas o padrasto não aprovou o gesto. “Meu padrasto me surrou muito pelo que aconteceu. Por causa disso eu fugi de casa.”

Estudos
Eliane estudou até a quinta série no Colégio Francisco Monfrai, em Lages. “Parei de estudar porque comecei a trabalhar fazendo bijuterias. Era uma firma de Caxias do Sul que levava o material para lá para nós fazer. No ano passado, fiz um reforço de aula de primeira à quinta série em um projeto, e fui escolhida como oradora na entrega dos certificados”.

Trabalho
Eliane sempre trabalhou muito. Foi ajudante na limpeza em um supermercado, trabalhou como faxineira e, hoje, trabalha como catadora de papel. “Catando papel foi onde eu consegui me sustentar melhor. Tenho uma reciclagem na minha casa, na Invasão do Justo, no bairro Vila Teresa, em São Leopoldo. Catamos de tarde em Novo Hamburgo e de noite separamos a carga na reciclagem. Fazemos uma carga de material por semana.”

Dificuldade
Ao sair de casa, Eliane foi morar com o namorado, mas a situação só piorou. “Tudo que eu sofri nas mãos do padrasto sofri o dobro nas mãos do marido. Me juntei com um cara que judiava de mim. Eu sofri muito.” Nessa união, ela teve quatro filhos. O primeiro, Josias, ganhou aos 16 anos. “Quando ele nasceu foi uma outra experiência. Eu não era mais filha e sim mãe. Eu lembro muito que eu amava demais o Josias; era doente por ele.” Eliane não tinha o apoio do marido, que nem trabalhava para ajudar a família. “Eu lembro que quando cheguei do hospital, eu não tinha casa, morava com a minha sogra, e ela não tinha nem comida. A vizinha ao lado fez arroz com batatinha e me deu para eu comer, para alimentar o nenê.” Na mesma semana, ela voltou a trabalhar, dessa vez fazendo faxinas. “Assim eu podia levar ele. Consegui me levantar fazendo faxina.” Como não sabia prevenir a gravidez, a família cresceu rapidamente. “Quando eu vi já tinham se passado onze anos da minha vida naquela situação e eu já tinha quatro filhos: Josiane, de 19 anos; Paulo, de 17; e Augusto, de 15 anos.”

Mudança
Eliane decidiu mudar a situação de sua família. A visita de uma prima foi a oportunidade que esperava. Ao ver os machucados, a prima ofereceu ajuda. “Ele tinha me surrado muito naquele dia, e eu estava com o rosto machucado. Ele sabia que iam tomar uma providência. Eu fugi e fui lá ver a minha prima. Ela falou que se eu quisesse vir para o Rio Grande do Sul iria me ajudar.” Eliane planejou a fuga escondida do marido, juntando o dinheiro que ganhava nas faxinas. “Em outubro de 1996, a prima telefonou. Na minha cabeça aquela era a hora final do meu sofrimento.” O plano de Eliane deu certo parcialmente. O filho mais velho e o mais novo queriam ficar com o pai. “Eu falei para o meu marido que ia embora pra casa da minha tia que morava ali perto e fugi pra cá, mas vim aos pedaços porque tinha deixado dois filhos.” Em São Leopoldo, ela arrumou um emprego e comprou uma casa. Depois de um ano voltou para buscar os filhos. “Quando cheguei lá o meu filho pequeno, Augusto, não me reconhecia. Cheguei lá mais valente. Conversei com meu ex-marido e mostrei que podia me levantar e eles vieram junto comigo.”

Ajuda
Em São Leopoldo, Eliane teve um namorado, com quem teve seu quinto filho, Maiara. Dois anos depois, Eliane teve Jonathan e Samuel. Mas o pai das crianças se revelou ruim. “Ele tentou bater nos meus filhos e daí não deu certo. Eu nunca aceitei ninguém dar um tapa em um filho meu.” Em um segundo relacionamento, Eliane engravidou de Matheus, o caçula da família. Logo ao nascer, Matheus já passava por dificuldades. “Quando o Matheus estava com um ano ele teve pneumonia, por que o telhado da minha casa deixava entrar chuva.” As irmãs religiosas Ana Formoso e Cristina Giani, da Comunidade Missionária do Cristo Ressuscitado, de São Leopoldo, e também colaboradoras do Instituto Humanitas Unisinos, ajudaram a família na época. “Elas trocaram o telhado da casa e fizeram um banheiro porque a assistente social queria tirar o Matheus de mim. Ele ficou no hospital durante 72 dias porque teve um derrame pulmonar. Ele tinha só um ano. Fiquei com ele todas as noites. Hoje ele está bem, como todos os meus filhos.” No hospital, Eliane conheceu Egídio Laxen, seu atual marido. “Ele mora comigo e trabalha comigo como catador. Agora estamos fazendo uma casa, com cozinha e banheiro.”

Amigos
Além das irmãs, Eliane sempre contou com a ajuda de amigos desde que chegou no Rio Grande do Sul, até no exterior. “Tenho uma família do Chile que me ajuda pelo programa Padrinho Além da Fronteira, que até já me visitaram aqui. O meu padrinho sempre manda benefícios pra mim, da maneira que eles podem.”

Filhos
Eliane
lutou contra as dificuldades para criar os filhos, e com Maiara não foi diferente. Eliane começou a trabalhar à noite, em uma lancheria no centro de São Leopoldo. Nessa época, ela conheceu Luís Andrade, que logo se tornou um amigo de confiança. “Como eles eram bons pra mim, a esposa dele fez a proposta de cuidar dela enquanto eu trabalhava à noite.” O casal queria a filha de Eliane, mas escondia a intenção dela. “Ela disse pra eu deixar a Maiara dormir à noite na casa dela porque eu chegava tarde e que eu podia buscar ela de manhã. Quando ia buscar a Maiara ela nunca estava lá.” Conversando com uma vizinha a caminho do trabalho, ela descobriu a verdade. “Uma vizinha no ônibus me perguntou por que eu dei a minha filha. Eu falei que não dei. Daí descobri que ela estava falando para todos na comunidade que tinha dado a minha filha pra ela. Desci do ônibus e fui buscar a minha filha.” Os amigos cobraram uma decisão de Eliane. “Levei minha filha embora. Eles foram até o Conselho Tutelar, que visitou a minha casa e viram que eu podia cuidar da minha filha. Disse para eles cuidarem das crianças da rua, eu podia cuidar dos meus filhos. Hoje ela está bem, com nove anos, bonita e estudando.”

Orgulho
Josias
é o orgulho de Eliane. É o primeiro da família a ingressar na universidade, através de uma bolsa, onde cursa Ciências Sociais. A maior alegria dela foi o dia em que ele soube que tinha passado no vestibular. “Ele passou pelos obstáculos da vida e chegou aqui.” Ele acompanha a trabalho da Ação Social da Universidade em um projeto e mais tarde ele conseguiu uma bolsa.

Maior dificuldade
Eliane considera esse o pior momento de sua vida. Ela ficou muito decepcionada, quando pediu a ajuda do pai quando apanhou do marido em seu primeiro casamento e não foi atendida. “Conheci ele com 17 anos e nunca tinha pedido ajuda pra ele pra nada. Um dia, quando apanhei muito do meu marido, ele me trancou no quarto, fugi pela janela com meus filhos e fui até a casa do meu pai. Ele falou que não queria problemas para ele, não iria me ajudar.”

Sonho
O sonho de Eliane é oficializar a sua união com Egídio. “Quero me casar no civil. Estou há três anos com o Egídio, que trata eu e meus filhos muito bem.”

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