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Início
Adriana aprendeu, desde cedo, a ajudar a família. Perdeu o pai quando tinha um ano de idade, deixando a mãe com oito filhos, sendo cinco homens e três mulheres, para criar sozinha. Os irmãos assumiram o papel de pai da caçula da família. “Meus irmãos me protegiam demais, do tipo de aprontar molecagem de menino mesmo e não acontecer nada. Gostava muito de subir em árvores, jogar bolita, brigar.” Adriana lembra das brincadeiras da infância da época. “Na frente de onde a gente morava tinha um mato de eucaliptos, onde a gente fazia o balanço e o escorregador de papelão.”
Estudos
Sempre estudando em escolas públicas, Adriana abandonou os estudos na oitava série para trabalhar. “Primeiro, eu comecei a trabalhar e depois larguei os estudos. O estado estabeleceu que fizessem educação física no período contrário que se estudava, e, como eu trabalhava à tarde, fazia educação física à noite. Com o tempo ficou difícil.” Adriana retomou os estudos dois anos depois, quando cursou o supletivo para completar o Ensino Fundamental. “Voltei a estudar por um estalinho mesmo, como: ‘Tu vai ficar aí sem fazer nada?’.”
Trabalho
Adriana ingressou no mercado de trabalho aos 11 anos, como empacotadora no supermercado Big Ben. “Nós comprávamos naquele mercado e naquela época era normal eles contratarem crianças para trabalhar. Com 12 anos, eu já era caixa operadora.” Apesar de ter começado cedo, ela valoriza o esforço da família para ajudar a mãe. “O que pesava era a necessidade mesmo, porque a mãe nunca trabalhou e, com a morte do meu pai, ela teve alguns problemas de saúde e se aposentou. Todos começamos a ajudar muito cedo, até porque meu pai tinha comprado o terreno onde morávamos e pagou somente a entrada. Para pagar o restante, era preciso vender pão e cuca. Eu e meus irmãos também ajudávamos a vender. Os outros trabalhavam fora.”
Responsabilidade
A responsabilidade chegou cedo à vida de Adriana, mas ela lembra com carinho o trabalho que fazia. “A gente achava muito bom ter a confiança de um adulto para fazer uma coisa de adulto.” Ela ainda destaca o orgulho que tinha do seu grupo de trabalho. “O que eu mais gostava no emprego era o companheirismo e a sinceridade do grupo que trabalhava no mercado. Não tinha problema; todos ajudavam. Entre empacotadores e caixas, tínhamos umas dez pessoas dessa faixa etária.” Logo Adriana despontou na profissão. Com 16 anos foi promovida a fiscal de caixa e foi empregada em um supermercado da rede Kastelão. Adriana lembra que não foi aceita pelos colegas inicialmente. “Tinha muito ciúme e inveja, pois a maioria não chegava ao caixa com essa idade. Tinha uma fofoca de que eu devia ser um caso do gerente. Tirei uma experiência muito boa disso porque eu consegui provar que não era nada disso, que eu tinha experiência. Depois de quatro meses, ficou normal.”
Magistério
Depois do supletivo, em Novo Hamburgo, Adriana retornou à escola. Cursou o Magistério e logo surgiu a primeira experiência de estágio. “Fiz um ano de estágio, mas desisti. Desisti de ser professora quando vi que não era o que eu imaginava, depois de cair na realidade da sala de aula.” Ela lembra que sua turma tinha alunos de diversas origens, trazendo-lhe uma realidade chocante. “Numa turma de terceira série eu tinha um aluno drogado, um recém-saído da APAE, e dois alunos filhos de prostitutas que atendiam em casa.” Adriana tentava ajudar os alunos, mas não obteve a ajuda necessária. “Na época, nem o conselho tutelar nem a polícia deram importância. O aluno drogado era irmão de um traficante que chegou a esfaquear a própria mãe. Tudo era muito natural para eles, e ninguém tomou providência sobre nada.” Assim que terminou seu estágio, Adriana afastou-se do magistério.
Cooperativa Progresso
Durante uma campanha política, Adriana conheceu a Cooperativa Progresso, em São Leopoldo através de Mauro, atual presidente. Ela se envolveu com o trabalho no início da história da cooperativa. “A infra-estrutura do local era praticamente zero. Mas as pessoas estavam se organizando há quatro anos.” Adriana destaca a variedade de projetos com que se envolveu no local. “Durante cinco anos fiz desde trabalhos voluntários até a conclusão de um projeto de luz que não era concretizado. Também participei fazendo levantamento de cadastros de moradores para a cooperativa, indo na casa das pessoas e conversando com elas.”
Projeto
O trabalho logo cresceu, e Adriana assumiu novas funções. A Progresso iniciou recentemente um projeto habitacional em Taquara, município do Rio Grande do Sul, onde Adriana está diretamente envolvida. “Exerço a função de mestre de obras. Lá eu contrato pedreiros, serventes, cadastro as famílias e vistorio as obras. Aprendi muito rápido o que era um alicerce e estou conseguindo tocar a obra.”
Casamento
Há sete anos, Adriana mora com Mauro, com que tem um filho, João Neto, de cinco anos. “Pretendemos nos casar este ano, mas com a quantidade de trabalho que temos não tivemos tempo de planejar.”
Casa própria
A família foi morar na cooperativa em 2003, depois que um contemplado vendeu a sua casa. “Foi uma mudança muito boa. Apesar de ainda não ter saneamento, já tínhamos luz. Foi maravilhoso.” Adriana lembra que, ao se mudar para o local, o vínculo com as famílias se fortaleceu. “Aquele contato que busquei com as pessoas estava começando a virar realidade. Nos aproximamos.”
Sonho
Adriana sempre teve dificuldade para ter filhos. “Engravidei quatro vezes, mas somente na gravidez do João consegui ter o filho.” O sonho é aumentar a família adotando uma menina que já tem nome, Elena. “O João pede muito que seja uma toda preta de dente branco.” Outro sonho, que já está se concretizando, é o trabalho feito na cooperativa. “Ele é feito para as pessoas terem sua casa e seu trabalho, sua dignidade. Conquistamos muitas coisas e sonhamos em ajudar as pessoas de fora.”
Brasil
Adriana acredita que, através da luta e da vontade, os brasileiros conseguirão o que querem. “O povo deve lutar pelo que quer, falando, forçando o governo a fazer mais.” Ela cita como exemplo o trabalho dos cooperados na Progresso. “A maioria das pessoas que trabalham lá não tem muita experiência, mas conseguimos realizar nossos objetivos. Se o povo brasileiro se unir, isso vai acontecer também.” Ela ressalta que a meta principal da população deve ser o emprego. “Se tu tem um bom emprego tu se alimenta melhor, tendo um convívio melhor.” Ela acredita que o governo atual ajudou a cooperativa, mas destaca que a participação da população é decisiva. “Cabe ao povo colocar sua voz no país.”