Edição 219 | 14 Mai 2007

Sentimentos morais, de Adam Smith

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CICLO DE ESTUDOS FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS DA ECONOMIA E III CICLO DE ESTUDOS REPENSANDO OS CLÁSSICOS DA ECONOMIA

Dia 16-05-2007
    Teoria dos sentimentos morais - Adam Smith (1723-1790)
    Prof. Dr. Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira – UFMG
   Ciclo de Estudos Fundamentos Antropológicos da Economia
    Sala 1G119 – IHU – 19h30min às 22h

 

Na obra do filósofo escocês Adam Smith, podemos encontrar “elementos importantes para a compreensão de aspectos técnicos e sociais das economias capitalistas”, afirma o Prof. Dr. Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Smith é considerado o pai da economia moderna, e o mais importante teórico do liberalismo econômico.  De acordo com Cerqueira, a obra do filósofo é importante, pois ela oferece “pistas para uma reaproximação entre os estudos de ética e de economia”.

No próximo dia 16-05-2007, o Prof. Dr. Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira, estará presente na Unisinos, participando dos eventos: Ciclo de Estudos Fundamentos Antropológicos da Economia e no III Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da Economia. Ele discorrerá sobre a obra Teoria dos sentimentos morais, de Adam Smith (1723-1795). A palestra está marcada para 16-05-2007, às 19h, na sala 1G119, na Unisinos. O evento é gratuito a comunidade.
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre e doutor em Filosofia pela mesma Universidade. Ele atuou como economista no Dieese entre os anos de 1989 e 1998. Atualmente, Hugo Cerqueira é professor adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A entrevista que segue foi concedida à IHU On-Line, por e-mail.



IHU On-Line - Qual é a contribuição do pensamento econômico de Adam Smith para a formação da sociedade capitalista atual?
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira -
Smith pode ser visto como um pensador às voltas com os problemas de uma sociedade capitalista ainda não plenamente constituída, de um capitalismo anterior à Revolução Industrial. Mesmo assim, em sua obra econômica emergem elementos importantes para a compreensão de aspectos técnicos e sociais das economias capitalistas. Por outro lado, ao tomar certas características desta organização social como naturais e ao propor o liberalismo econômico, sua obra cumpriu o papel ideológico de respaldar o combate aos privilégios e restrições que caracterizavam as políticas mercantilistas, num momento em que os interesses da burguesia industrial ainda coincidiam com as necessidades do desenvolvimento material da sociedade. Posteriormente, os problemas criados pelo desenvolvimento desta ordem liberal vieram à tona revelando os equívocos e limitações de suas idéias. Mais recentemente, a partir dos anos 1980, e num contexto bastante diverso daquele outro, a imagem de Smith como uma espécie de pai do liberalismo econômico foi invocada para justificar o neoliberalismo e as políticas de desregulamentação e privatização que vieram em sua esteira. Margaret Thatcher afirmava ter se inspirado em Adam Smith e até mesmo um certo Instituto Adam Smith foi criado nos anos 1970 para propor e disseminar idéias neoliberais. Mas é preciso notar que a obra de Smith é muito mais rica e complexa do que aquilo que nos é vendido por estes seus pretensos discípulos.

IHU On-Line - Por que é importante estudar esse autor na atualidade? De que maneira a reconstrução dos argumentos de Smith podem contribuir para nos proporcionar um novo entendimento das relações entre ética e economia?
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira -
Há várias razões para que a gente siga lendo um pensador clássico como Smith, mas penso que um dos motivos mais importantes para justificar a releitura de sua obra consiste exatamente nas pistas que ela pode nos oferece para uma reaproximação entre os estudos de ética e de economia. Não é segredo para ninguém que, sobretudo nas últimas décadas, a economia distanciou-se do estudo das questões morais. O resultado disso foi um brutal empobrecimento da teoria econômica. Ela perdeu a capacidade de refletir sobre os problemas éticos que estão no centro das decisões e comportamentos humanos, inclusive aqueles que constituem as ações econômicas. Isso fica muito claro quando nos damos conta do modo limitado como a teoria econômica concebe a racionalidade humana, tratando-a como mera maximização do auto-interesse.

Por outro lado, muita gente atribui a Adam Smith esta idéia de que as nossas escolhas são orientadas apenas pela busca do auto-interesse, bem como a idéia de que somente este tipo de comportamento promove o bem-estar da sociedade. Mas basta uma leitura cuidadosa de sua obra para perceber que estas idéias estão longe de refletir as concepções de Smith. Ao contrário, o tratamento que ele deu a estes temas é muito mais complexo, refinado e esclarecedor do que se costuma pensar.

IHU On-Line - O senhor afirma que, em Teoria dos sentimentos morais, Smith diz que os homens estão dotados de um conjunto variado de sentimentos e que estão inclinados ao seu interesse próprio, embora se preocupem com os sentimentos de outros homens. Na nossa sociedade atual, na qual impera o individualismo, podemos dizer que esse pensamento de Smith é aplicável?
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira -
Penso que a concepção de Smith a este respeito guarda atualidade, sem dúvida, mas é preciso que a compreendamos adequadamente. Smith abre a Teoria dos sentimentos morais afirmando que, por mais egoísta que se suponha ser o homem, há nele princípios que o inclinam a se interessar pela sorte dos demais, que fazem com que ele considere a felicidade dos outros homens e mulheres como algo necessário para ele mesmo, mesmo que ele não extraia qualquer vantagem disso. Ao fazer esta afirmação, ele se distancia de pensadores como Hobbes e Mandeville, defensores do que podemos chamar de egoísmo moral, isto é, da idéia de que nosso interesse pela sorte dos demais é apenas, em última instância, uma manifestação do nosso amor-próprio, do nosso auto-interesse. Pois bem, na sociedade contemporânea o individualismo é exaltado e a busca do auto-interesse coloca-se como uma espécie de imperativo da vida econômica. Talvez por isso mesmo versões modernizadas daquele egoísmo moral postulado por Hobbes e seus seguidores façam tanto sucesso entre economistas e cientistas sociais hoje em dia. Mas não é menos verdade que testemunhamos cotidianamente ações movidas por outros valores, como a caridade, a generosidade, a justiça, o espírito público ou a humanidade. Portanto, não podemos ignorar a presença destes outros valores, nem me parece que seja correto buscar compreender estas ações como resultado de alguma forma escamoteada de auto-interesse. Neste sentido, as perguntas propostas por Smith e mesmo parte de suas respostas seguem sendo bastante atuais.

IHU On-Line - Na visão de Adam Smith, o egoísmo pode ser considerado positivo, pois somente quando o indivíduo trabalha pensando nos seus próprios interesses, ele contribuirá para o bem coletivo? Seria essa uma das proposições que norteiam o conceito de autonomia, por exemplo?
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira -
Cuidado: Smith não vê o egoísmo como necessariamente positivo. Esta é uma maneira usual de entender o sentido da Riqueza das nações, mas não se pode dizer que corresponda ao sentido do pensamento de seu autor. Para Smith, os diferentes sentimentos não são em si mesmos bons ou maus: uma ação movida pelo amor-próprio, pelo auto-interesse (ou por outro sentimento qualquer) pode ou não ser virtuosa. Um homem é virtuoso, na medida em que combina e contrabalança seus sentimentos de modo a ser capaz de agir de modo justo, prudente e benevolente. Se permitirmos que o amor-próprio atue como uma paixão desenfreada, então estaremos agindo de uma maneira imprópria. Mas, contrariando aqueles que consideram que nenhuma ação movida pelo amor-próprio pode ser virtuosa, Smith é claro ao afirmar que o cuidado com a nossa própria felicidade e a atenção para com nossos interesses privados podem, em muitas ocasiões, ser princípios motores de ações bastante louváveis. O que conta na avaliação moral do amor-próprio é, como nos demais casos, a aprovação ou não deste sentimento pelo espectador imparcial, o que, por sua vez, depende da nossa capacidade de controlar nossos sentimentos, de moderá-los para dar a eles uma expressão adequada.

IHU On-Line - Como o senhor pode definir o conceito de “sentimentos morais”? Dizer que um sentimento é moral não seria tentar aplicar uma idéia iluminista a um aspecto instintivo do ser humano?
Hugo Eduardo Araujo da Gama Cerqueira -
O conceito de sentimento moral não é simples, mas podemos tentar esclarecer seu sentido em poucas palavras. Smith é um pensador iluminista, mas de uma tradição muito peculiar do iluminismo, que designamos de iluminismo escocês. Tanto ele quanto Hume , Hutcheson  e outros filósofos morais escoceses eram profundamente avessos à idéia de se atribuir à razão a capacidade de formular juízos morais com base em critérios imutáveis, que permitiriam distinguir o bem do mal ou discernir que ações são em si mesmas corretas, virtuosas, justas etc. Ao contrário, julgavam que somos capazes de reconhecer o bem moral a partir de um sentido interno, uma disposição de nossa mente para receber a idéia de bem moral a partir da presença de um objeto, da mesma maneira como estamos dispostos a receber pela visão ou pelo olfato a idéia das qualidades secundárias de um objeto diante de nós. Neste sentido, a aprovação moral nos viria através de um sentimento moral – ou de diferentes sentimentos morais, como queria Smith. Daí sua filosofia moral ser uma teoria dos sentimentos morais.

 

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