Edição 218 | 07 Mai 2007

Jesus de Nazaré narrado por Bento XVI

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IHU Online

Rosino Gibellini, teólogo italiano, foi entrevistado por Giuseppe Menssi do jornal “La Voce del Popolo” de Brescia, sobre o livro, recém lançado Gesù di Nazaret  de Joseph Ratzinger – Bento XVI.

Rosino Gibellini é autor de “A teologia do século XX” (Trad. João Peixoto Neto, São Paulo: Edições Loyola), publicado pela primeira vez em 1992 e traduzido em diversas línguas. Dele publicamos a entrevista “A fé cristã é um confiar-se a Deus que se revela no Cristo”, na edição 209 da IHU On-Line.

Qual é sua impressão sobre o Jesus de Nazaré de Bento XVI?

O livro incentiva a leitura: bem documentado, mas igualmente escrito de forma simples e com grande vibração espiritual. Consegue transmitir o fascínio da figura e da mensagem de Jesus. Escreveu o mais importante jornal alemão, o Frankfurter Allgemeine: “O mais belo presente que o papa fez a si mesmo e aos seus leitores por ocasião de seu 80º aniversário”.

Surpreende que na edição italiana falte o subtítulo da edição original alemã, ou seja: Do batismo no Jordão à transfiguração. O livro percorre, portanto, a primeira parte da vida pública de Jesus de Nazaré, e espera ser completado por sua segunda parte, que reconstrua o caminho de Jesus até a última ceia, a morte e a ressurreição. Livro que se fez esperar, mas que, também faz esperar. Imagino que os dois volumes serão depois reunidos num só volume que justifique o título, solene na sua simplicidade, da edição italiana.

Qual poderá ser a reação do mundo acadêmico a esta obra?

Reações do mundo acadêmico certamente haverá. O próprio papa se expôs a elas, sublinhando as críticas e não empenhando o magistério da Igreja. Em geral serão respeitosas, como convém à Academia, mas é previsível que serão diferenciadas, enquanto num tema histórico e teológico tão amplo e tão central podem ser adotados diversos critérios historiográficos e diversas metodologias. Mas reconhecer-se-á que o estudo do papa tem uma linha historiográfica própria bem definida, baseada na melhor exegese católica, sobretudo de língua alemã. É interessante notar que boa parte das obras citadas, atentamente selecionadas, foram traduzidas em língua italiana pelas Editoras brescianas: Paidéia, Queriniana, Morcelliana. Também se pode prever que o livro incentivará uma retomada da questão cristológica.

O que poderá, ao invés, provocar no leitor comum, talvez não tão habituado a temas e reflexões deste gênero?

O leitor/leitora comum tem um belo livro para ler e muito para aprender; um livro que se pode ler também seguindo os argumentos, assinalados pelos títulos dos capítulos. Impelirá ao conhecimento da Bíblia e dos Evangelhos em particular. O livro exige também uma pregação mais bíblica e menos moralista. É também um livro edificante, no sentido forte da palavra: acompanha uma caminhada de fé.

A obra de Ratzinger poderá constituir uma virada na longa indagação conduzida sobre a figura e a história de Jesus de Nazaré?

A pesquisa sobre o Jesus histórico se divide em três etapas. Simplificando: na primeira (Bultmann ) se promove a separação entre o Jesus da história e o Cristo da fé; na segunda (Käsemann ) se reduz este empenho, recuperando a dimensão histórica do evento cristológico; a terceira (Meyer ) nasce da multiplicidade das fontes à disposição e das novas metodologias, chegando a uma variedade de resultados. Ratzinger não se insere neste escaneamento, mas em coligação com outros exegetas, católicos e protestantes (Jeremias, Gnilka , Berger , Söding ), valoriza ao máximo o testemunho histórico presente nos Evangelhos. O livro irá reforçar esta linha, aliás bem definida e constante na teologia moderna e contemporânea.

Nas estantes das livrarias e dos supermercados a gente encontrará nas próximas semanas um outro livro sobre Jesus de Nazaré. Perdoando a extravagância da minha pergunta, que comparação se pode fazer entre a obra de Ratzinger e a Investigação de Augias  e Pesce?

Há uma enorme diferença entre os dois textos: tanto de gênero literário como também de resultados. O livro de Ratzinger pertence ao gênero exegético-teológico; o livro de Augias-Pesce pertence ao gênero da entrevista jornalística, embora as respostas do biblista Pesce sejam filologicamente sopesadas. O problema é este: que relação existe entre o Jesus histórico, ou seja o Jesus da história, o Jesus autêntico, e o Cristo da fé, a saber, o Cristo que vem confessado pela fé? No livro de Augias-Pesce reemerge a primeira fase do debate, embora na modalidade pós-moderna, e se opta pela descontinuidade. O livro do papa conecta ao máximo, em base documentária, o Cristo da fé ao Cristo da história. A resposta de Ratzinger se pode reproduzir assim: “O Cristo da fé é a melhor interpretação do Jesus da história”. E é bom repeti-lo na época da pós-modernidade, que é a época do pluralismo da conversação humana.

O papa deixou liberdade ao leitor para contradizê-lo. O senhor tem algum reparo crítico a fazer ao trabalho de Bento XVI?

É necessária uma leitura mais atenta e uma co-reflexão com outros teólogos, também em campo internacional e ecumênico. Limito-me a assinalar o juízo difuso sobre a teologia de Joseph Ratzinger em campo internacional. Ela é definida como teologia da identidade, preocupada em construir e defender a identidade cristã e católica, e menos interessada na correlação com as instâncias do presente, na dimensão social, no contexto e nos contextos, como, no entanto, o fazem outros teólogos e teólogas. É um modo de fazer teologia, e que, por conseguinte, deve situar-se num horizonte mais amplo e legítimo de catolicidade e ecumenicidade.

Com esta obra, Bento XVI continua uma práxis pastoral já inaugurada por João Paulo II, ou seja, a publicação de livros que, embora não sendo expressão oficial do Magistério, exprimem, no entanto, o pensamento do Papa. Qual é a sua opinião a este respeito: não existe o risco de confusão? Embora não se trate de um pronunciamento ex cathedra, o fiel não deve, talvez, ter a certeza de encontrar numa obra deste gênero a verdade de fé?

É um modo novo de comunicar na era da comunicação informática e digital. João Paulo II publicou livros de poesia, literatura e história, e aqui não houve dificuldades; mas, publicou também um livro-entrevista teológico, que suscitou críticas da parte budista. Bento XVI já experimentou reações fortemente negativas da parte islâmica à sua preleção acadêmica de Regensburg. São riscos a correr, mas se intensifica a comunicação da mensagem.

Onde está o novo deste livro?

A novidade está na reconfirmação e no desenvolvimento de uma metodologia de exegese e de teologia que vincula a relação do dogma cristológico com a história, como aparece pela conclusão da obra: o dogma de Nicéia (325 d.C.), introduzindo no Credo a palavra homooúsios (da mesma substância), “não helenizou a fé, não a onerou com uma filosofia estranha, porém fixou precisamente o elemento incomparavelmente novo e diverso que aparecera no falar de Jesus com o Pai”.

Nas primeiras linhas de seu livro Bento XVI lamenta o fato de como a pesquisa histórico-crítica tenha, por fim, afastado Jesus do crente, deixando a impressão que do Mestre de Nazaré se possa dizer bem pouco de certo. Compartilha com esta análise?

É uma análise a compartilhar, em sua idéia geral. O Prefácio ao livro é interessante e importante para entender a metodologia seguida pelo Autor. O método histórico-crítico por si só não basta: ele mostra o formar-se do texto sacro, as suas estratificações e as suas redações, e, portanto, estuda a dimensão diacrônica do texto, mas não consegue colher a coisa da qual fala o texto, que é a realidade de Jesus na sua dimensão humana e divina. É uma instância a ser acolhida, para evitar os ceticismos de uma pesquisa histórica e de uma exegese reducionista. O livro, em nível acadêmico, contribuirá para repropor o problema de uma correta articulação entre exegese e teologia.

Como se situa esta obra no pontificado de Bento XVI? Que aspecto o tocou mais intensamente nestes primeiros dois anos de ministério petrino? Quais, ainda, os elementos de descontinuidade em relação a João Paulo II?

O pontificado de Bento XVI move-se substancialmente na continuidade. A diferença está no estilo pastoral diferente. João Paulo II encontrava-se à vontade em falar ao mundo, mesmo aos distantes; Bento XVI gosta de dirigir-se à comunidade católica, à Igreja, para que seja o fermento na sociedade. O Evangelho que mais ama e cita é o Evangelho de João, que é focalizado na comunidade. Joseph Ratzinger é um discípulo ideal da “comunidade joanina”.

Bento XVI, na introdução, precisa que sua obra pretende ser a tentativa de apresentar o Jesus dos Evangelhos como o Jesus real, como o “Jesus histórico em sentido verdadeiro e próprio e que esta perspectiva resulte, no final, mais verdadeira e compreensível no que se refere às reconstruções realizadas nos últimos decênios”. É este um retorno ao passado ou o início de um novo caminho de pesquisa?

Não creio que se possa falar de retorno ao passado, nem de um novo início. O teólogo Joseph Ratzinger continua desenvolvendo sua linha teológica, embora de modo inovador, junto com outros teólogos. É uma linha que utiliza o método histórico-crítico como instrumento auxiliar, para passar a uma exegese canônica, como é definida, que lê os textos particulares no quadro da totalidade da Bíblia, e que, portanto, prolonga a exegese em teologia, que se faz exegese teológica e, neste ponto do percurso, requer o passo da fé.

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